sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

O lado negro do capitalismo e do comunismo

Tempos atrás, escrevi sobre as falhas estruturais do comunismo e do capitalismo capazes de provocar a morte de um enorme número de pessoas. Para quem estiver interessado, o texto pode ser lido aqui: O capitalismo e os mortos de fome II. Nele, admiti o horror surgido das entranhas de alguns países que adotaram o comunismo, com a morte de dezenas de milhões de pessoas. Porém, como contraponto, pontifiquei sobre a hipocrisia dos simpatizantes da economia liberal, que não conseguem enxergar a responsabilidade do capitalismo por um número tão expressivo de mortos que faz com que os regimes sanguinários costumeiramente denominados de comunistas pareçam bastante aprazíveis. Diante disso, a sugestão liberal tão em voga atualmente, “não gostou vai pra Cuba”, parece possuir um sentido diferente do pretendido...

Em minha estimativa rude e absolutamente superficial, concordo, considerei, sem exceção, todas as vítimas fatais de males provocados exclusivamente pelo imperativo de lucro, ou seja, que não existiriam se não estivesse envolvido o interesse na acumulação. Por exemplo, minha contagem abrange os mortos pela fome, o que é um item óbvio, porém também os que morrem em função do tabagismo, pois entendo-o diretamente vinculado ao interesse do fabricante de cigarros. Claro que, em tese, os cigarros também poderiam existir no comunismo, mas os números certamente seriam outros, pois dificilmente ocorreria a glamourização, pela indústria cultural, de um vício incapaz de gerar, nesse sistema, uma imensa arrecadação privada (lucro) e pública (tributo). Além disso, destaquei que as guerras, praticamente todas (as exceções são poucas e não relevantes), são produto direto das crises capitalistas, um modo vil de solucioná-las, de modo que os mortos devem ser contabilizados como vítimas do liberalismo.

quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Os “puxadinhos” éticos que sustentam Bolsonaro


Bolsonaro compareceu à Assembleia Geral da ONU como o único governante dos países do G20 que confessadamente não tomou vacina contra o coronavírus. Uma vergonha que manchará a história do Brasil. Não fosse presidente do Brasil, ele sequer desembarcaria em Nova Iorque, sede da ONU. A cidade exige comprovante de vacinação para o ingresso em todos os espaços fechados, como museus, bibliotecas e teatros. Claro, não seria isso que perturbaria Bolsonaro. É impensável imaginá-lo contrariado por ser impedido de visitar ambientes culturais como esses. A falta de acesso às coisas mais mundanas e superficiais é que de fato o aborrece. Coisas como não poder fazer o que quiser, como quiser e quando quiser ou, mais pateticamente, ser impedido de entrar no restaurante de sua escolha. Em Nova Iorque a lei exige o comprovante também para entrar em restaurantes. Como resolver isso? Afinal, ele e sua comitiva precisam comer. Problema resolvido: basta se sujeitar a consumir qualquer coisa que encontre disponível pela frente, como fazem ratos e baratas, por exemplo, e ainda alardear que faz isso por humildade. É mentira, todos sabemos, mas também sabemos que ele nunca se importou em assumir compromissos sérios num dia e descumpri-lo no dia seguinte, com a cara mais lavada do mundo. “Eu nunca fui contra a vacina”, já disse, sem nem piscar os olhos.

sexta-feira, 10 de setembro de 2021

O discernimento quanto à natureza do bem é intuitivo


    Uma pedra não possui noção alguma sobre a natureza do bem ou do mal. Na verdade, é completamente inerte quanto à apreensão da realidade. Para tal, dependeria do desenvolvimento de terminais nervosos que conduzissem as informações obtidas junto ao mundo à sua volta para uma central capaz de receber esses dados e com elas produzir uma imagem do cenário no qual se encontra, com todas as suas nuances de dimensões, luz, som, aroma, sabor e textura. Essa central nervosa é chamada de cérebro.

    O cérebro, porém, encontra-se fechado numa pequena caixa óssea e não é testemunha direta de nenhum acontecimento fora dela. Para isso depende das informações obtidas pelos terminais nervosos, que são carregadas até o cérebro e, através de processos eletroquímicos, transforma-se na imagem, no som, na textura, no cheiro, na dor e no prazer que sentimos. Em teoria, um cérebro sem corpo, trancado numa caixa, terá as mesmas experiências vívidas da realidade desde que receba impulsos eletroquímicos iguais aos que adviriam diretamente dos sentidos. Isso significa que, desde que receba os impulsos adequados, o cérebro não distingue entre a realidade real e a virtual e pode ser enganado, conduzindo o indivíduo a acreditar em algo que, de fato, não existe. O tema foi abordado no filme Matrix, no qual o personagem acorda e se dá conta de que passou a vida trancado num casulo de metal e acrílico, recebendo impulsos elétricos de um computador. Tudo o que acreditou ser sua vida, desde o nascimento, era uma criação da inteligência artificial.

quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Conceitos-chave para a interpretação da realidade, parte II

 

Esta é a nona parte da série “Indivíduo, sociedade e a interpretação da realidade”. Os textos possuem um encadeamento lógico, porém permitem a leitura autônoma. Os links para os que desejarem a leitura das oito primeiras partes estão disponibilizados no final do artigo.

  • Elite

Para os efeitos do presente trabalho, o importante conceito de elite não significará, exatamente, a classe alta ou rica, mas aquela verdadeiramente dominante, composta dos poderosos detentores de expressivo poder econômico, cultural e, portanto, político. A palavra buscará definir a pequeníssima amostra de pessoas, inferior ao centésimo superior da pirâmide social (1%), que efetivamente domina o planeta, os donos das corporações, comandantes dos CEO’s e criadores de dirigentes das nações. É um tanto difícil apreender esse sentido, pois, como bem nos alertou Thomas Piketty1, a desigualdade de renda e riqueza não é um abismo que exista apenas entre pobres e ricos, mas que separa pobres de mais pobres (miseráveis) e ricos de mais ricos (bilionários).

Numa população de oito bilhões de pessoas, o centésimo corresponderá a oitenta milhões de pessoas. Será nesse recorte populacional que se encontrarão os verdadeiros imperadores mundiais, os que determinam as políticas nacionais e internacionais; que (a) como soberanos do poder privado, nomeiam os presidentes das corporações e grandes empresas; (b) no setor público, deturpando o real sentido de democracia e res publica (coisa pública), usam de toda a sua força econômica para colocar no poder, democraticamente ou não, os parlamentares e os chefes de estado que lhes apetecem; (c) através do quase total controle do poder privado e também do público, rapinam o máximo possível da riqueza do planeta e da humanidade, direcionando-a para os próprios bolsos (corrupção legal).

quinta-feira, 26 de agosto de 2021

A tese do Lula neoliberal*

 

A partir da situação de Lula livre, inocente e elegível, seus opositores viram-se na contingência de construir novos discursos deslegitimadores da pessoa e da expressividade política do ex-presidente, já que o mero bordão “Lula está preso, babaca” perdeu toda a sua força. Por conta disso, tornou-se imperiosa a criação de uma nova base de sustentação discursiva para a negativação da figura do ex-presidente, como forma de manter acesa a chama da retórica política de seus detratores, como modo de estimular aliados e eleitores.

Um desses novos discursos é o que denomino de “tese do Lula neoliberal”. Trata-se de uma assertiva que bate de frente com a rotulação, por décadas a fio, de “Lula comunista”, o que se manteve, inclusive, durante seus dois mandatos presidenciais. Não se pode acusar seus detratores de não terem imaginação. “Lula comunista não cola mais? Então, a partir de agora, ele é neoliberalista”. Aliás, parcela substancial desses críticos de ocasião defendiam, no passado, políticas econômicas neoliberais para a salvação do país. Ao que parece, com Lula não pode. Definitivamente, são pessoas ousadas, sem temor algum de exposição ao ridículo. Entretanto, deixemos de lado tais contradições lógico-discursivas e passemos ao exame da “acusação”. Afinal, em algum momento Lula aderiu ao neoliberalismo, antes, durante ou depois de ter sido presidente?

De pronto, cabe destacar que, apesar da propaganda de décadas, Lula nunca foi comunista, inclinando-se para a social-democracia, para o centro do espectro político. Seus oito anos de governos espantam qualquer dúvida acerca disso. Contudo, se é para definir sua coloração a partir desses limites toscos que utilizam para desqualificá-lo, ele está mais para comunista do que para neoliberal; muito mais. Sua preocupação social é reconhecida mundialmente.

quarta-feira, 25 de agosto de 2021

Polarização, falsa polarização e terceira via*

Este artigo, assim como os dois anteriores e o próximo que será publicado no blog, constitui mera divisão do longo texto publicado no dia 10 de agosto de 2021, intitulado “Lula: efeitos políticos da inocência”.

Tornou-se moda rejeitar a polarização Bolsonaro x Lula. Trata-se da velha e falaciosa escandalização do banal ou criação de factoide. A palavra “polarização”, em seu sentido literal, envolve a noção de coisas situadas em polos opostos.

Contudo, quando transportada para o campo semântico da crítica política nem sempre representa exatamente um cenário de disputa entre os extremos do espectro político. Imagine-se uma hipotética disputa eleitoral que envolva somente dois candidatos, um representando o centro moderado, aglutinando forças políticas para a obtenção de vitória eleitoral sobre um tirano que se encontra no poder, e o outro candidato sendo o próprio tirano e seus asseclas tentando a recondução. Um cenário desse tipo, caracterizado pela divisão do eleitorado em dois posicionamentos distintos e antagônicos, é, por definição, polarizada, embora o candidato moderado não represente o extremo político oposto ao do tirano.

Nesse sentido, que não é o que a imprensa majoritária sustenta, sem dúvida alguma, uma disputa eleitoral entre Lula e Bolsonaro seria polarizada. A polarização, porém, não se daria entre os extremos políticos da direita e da esquerda. Seria uma luta que envolveria, de um lado do ringue, a esperança no incremento de felicidade coletiva, conhecimento, educação, ciência e prosperidade; e, do outro, a certeza da prevalência e ampliação do que já se vê: tristeza social, ignorância orgulhosa, obscurantismo, mal-estar coletivo e aumento da miséria. Para resumir, seria uma polarização capaz de definir o sucesso da civilização ou sua derrocada, a barbárie.

terça-feira, 24 de agosto de 2021

A tentativa de retorno ao esgoto jornalístico*

A vitória eleitoral do PT, em 2002, deu início a um processo de deterioração do jornalismo, marcado pela escandalização de um lado só, contínuas distorções da realidade, com manipulação da verdade, construção de factoides e assassinato de reputações. Toda ação positiva do governo era ocultado, com progressiva disseminação da falsa ideia de que todos os problemas do Brasil possuíam um só nome (Lula) e uma só coloração (o vermelho do PT). Tal posicionamento, principalmente da imprensa majoritária, embora não propagandeado aos quatro ventos, tampouco era negado, tendo sido publicamente assumido em algumas oportunidades, como a contida na fala da então presidente da Associação Nacional de Jornais, Judite Brito, da Folha de São Paulo, que, em entrevista ao jornal O Globo, declarou que, ante a fragilização da oposição no Brasil, cabia aos meios de comunicação ocupar a posição oposicionista no país.

O jornalista Luis Nassif, em sua séria de reportagens “O caso de Veja”, analisou com profundidade esse fenômeno de anti-jornalismo, para tanto utilizando a revista Veja como exemplo, a mesma publicação que o saudoso Paulo Henrique Amorim apelidou, jocosamente, de “detrito sólido de maré baixa”. Claro que não foi somente essa revista que resolveu chafurdar nesse lodaçal, servindo somente de modelo, pois se tratava do maior semanário do país e possuía um passado com boa reputação. Disse Nassif2:

Gradativamente, o maior semanário brasileiro foi se transformando em um pasquim sem compromisso com o jornalismo, recorrendo a ataques desqualificadores contra quem atravessasse seu caminho, envolvendo-se em guerras comerciais e aceitando que suas páginas e sites abrigassem matérias e colunas do mais puro esgoto jornalístico.

No bojo da séria, cuja leitura se recomenda, Nassif aponta os vícios do antijornalismo, a motivação de seu surgimento e aponta caminhos a seguir.

domingo, 22 de agosto de 2021

O aumento na inquietação de militares*

 

Este artigo, e os próximos três que serão publicados no blog, constituem mera divisão por tópicos do longo texto publicado no dia 10 de agosto de 2021, intitulado “Lula: efeitos políticos da inocência”, cujo link é fornecido no final.

A liberdade e posterior inocência judicial de Lula, com consequente possibilidade de sua candidatura em 2022, produziu um visível e injustificável aumento de inquietação nas forças armadas. A insatisfação dos militares com uma possível vitória de Lula é injustificável porque o petista foi, na história recente, o presidente que mais se empenhou pela valorização das forças armadas. A jornalista Eliane Cantanhêde, do jornal Estado de São Paulo, da qual se pode dizer tudo, menos que seja esquerdista ou simpatizante de Lula, assim se manifestou recentemente sobre o assunto1:

Uma das dúvidas que mais incomodam o ex-presidente e pré-candidato de 2022 Luiz Inácio Lula da Silva é por que, afinal, os militares têm tanto ódio dele e do PT. Uma dúvida justa, justíssima, porque os dois mandatos de Lula foram de paz na área militar, com o Ministério da Defesa forte, boas relações entre presidente e comandantes militares e capacitação e reaparelhamento das Forças Armadas. É inegável, é fato.

Além de injustificáveis, tais manifestações possuem, via de regra, um elevado teor antidemocrático, sendo oriundos principalmente de militares reformados. Embora analistas percebam um quadro de maior tranquilidade dentre os militares ativos, essa percepção é bastante insegura, dado que o regramento militar os impede peremptoriamente de publicar manifestação sobre assuntos de natureza político-partidária. Desse modo, o grau de tranquilidade ou intranquilidade dentre os ativos é um elemento incerto, pois suas manifestações não se tornam públicas. É claro que declarações públicas de alguns ex-militares nos transmitem uma certa tranquilidade quanto ao clima entre os militares ativos. É o caso do general Santos Cruz, que integrou o governo no início, mas após deixá-lo tornou-se um crítico contumaz do ex-chefe.

sexta-feira, 20 de agosto de 2021

Afeganistão: os talibãs e sua política terrivelmente religiosa

 

    Vinte anos depois da invasão americana, o Afeganistão volta a ser dominado politica e militarmente pelos talibãs. Repetem-se as cenas de desespero vistas quando do fracasso americano no Vietnã, décadas atrás, em Saigon.

    Ontem (15/08/2021), pessoas em desespero tentavam fugir de Cabul por qualquer meio que fosse. Aviões com capacidade inferior a duzentos passageiros alçaram voo com mais de oitocentas pessoas a bordo. Ao menos três foram vistas caindo de um avião em pleno voo; não se sabe se foram jogadas ou se a queda decorreu de terem se agarrado ao trem de pouso. A aflição dessas pessoas, sua agonia e sofreguidão pela fuga é evidente e quem quer que se considere humano deve lamentar a existência de um poder estatal tão pernicioso que conduz pessoas a um desespero de tal magnitude que o vislumbre da morte pareça mais palatável do que a simples submissão em vida.

quarta-feira, 11 de agosto de 2021

Lula: efeitos políticos da inocência

Esta é a segunda parte do artigo sobre a libertação de Lula e os efeitos políticos daí decorrentes. O primeiro pode ser acessado aqui.

Lula está livre, leve e solto, em condições de disputar as eleições de 2022. Quais os impactos políticos dessa sua nova condição? Para os opositores, certamente tristeza e frustração, pois, sem dúvida, para eles uma eleição com Lula condenado, preso e, portanto, inelegível, era mais acalentadora. Afinal, trata-se de quem já é uma das maiores figuras políticas da história do país e indiscutivelmente a maior ainda em atuação. Qual aspirante à presidência desejaria enfrentar um oponente desse naipe? Não que seja imbatível; não é. Porém, sua força política junto à população, implicando imensa possibilidade de influência no resultado eleitoral, inclusive a própria vitória, caso candidato, é inegável. Isso amedronta não somente os demais candidatos, mas também os tubarões da economia, desejosos de manter a economia sob o regime neoliberal de Paulo Guedes, bem como os histéricos que se assustam com a possibilidade de encontrarem comunistas embaixo de suas camas ou dentro de seus armários.

sexta-feira, 6 de agosto de 2021

Lula e sua jornada: prisão, liberdade e inocência

Num cenário político que se move acelerada e freneticamente, a partir de comoções diárias, costumeiramente negativas, as situações que abordarei serão consideradas por alguns como pertencentes a um passado remoto. Contudo, entendo não ser possível a um contador de histórias que inicie sua narrativa pelo meio ou pelo final da tragédia sem prejuízo da perfeita compreensão da aventura ou desventura que deseja passar adiante. Por isso, mesmo correndo o risco de ser cansativo, começarei pelo começo.

Essa história é sobre Lula e sua jornada: prisão, liberdade e inocência. Aqui, abordarei os fatos em si da prisão, liberdade e posterior retorno à condição de inocência. Em outro a ser publicado, já em construção, pretendo comentar os efeitos políticos dessa nova condição de inocência. A divisão se justifica, em grande medida, por minha assumida prolixidade, que disfarço sob o nome de incapacidade para escrever textos curtos sobre assuntos complexos, mas também pela extensão do assunto. Há muito a ser dito.

O pano de fundo dessa história é um cenário político no qual os atores com os papéis mais relevantes e essenciais no drama possuem plena ciência da extensão de seus poderes e deveres, de modo que bem sabem que poderiam livrar o país da tragédia ainda em andamento, mas, ou não se importam ou se omitem por covardia ou ambição. Vamos a ela, a história, ponto a ponto.

quinta-feira, 5 de agosto de 2021

Conceitos-chave para a interpretação da realidade -- Parte I

Nos capítulos anteriores1, estipulou-se um marco interpretativo para as noções ontológicas autorais pertinentes aos conceitos de indivíduo e sociedade. Nesse, se dará prosseguimento à elucidação de significados importantes para a compreensão da cena social e política, sempre em tópicos breves (alguns brevíssimos), esclarecendo apenas o suficiente para permitir a compreensão do plano geral.

Nesse mister de desvelar o significado de palavras e expressões, deve ser considerado que inexiste homogeneidade na conduta, pensamentos, ideias e ações das pessoas que formam as coletividades. As inclinações individuais são as mais diversas possíveis, com gradientes em todas as direções. Adotar, por sua vez, a conduta média do indivíduo como parâmetro para a análise da ação geral é capaz de traduzir-se em equívoco indutivo. Média, sabidamente, conduz a distorções do real, sendo por isso recomendável evitar generalizações. Por exemplo, suponha-se duas únicas pessoas comparecendo simultaneamente a um serviço de saúde pública; a primeira, com 1,50 m e 100 Kg de peso, apresentará um IMC (índice de massa corporal) de 44,44, sendo considerada com quadro de obesidade grave; a segunda, com 2 m de altura e 50 Kg de peso, terá IMC de 12,5, apresentando magreza extrema. Ambos necessitam de cuidados médicos imediatos, embora por motivos opostos. Entretanto, se considerada a média dessas duas pessoas, a altura será de 1,75 m, com peso de 75 Kg, gerando um IMC médio de 24,49, considerado normal pela medicina, de modo que os dois seriam abandonados por um hipotético serviço de saúde que fosse disponibilizado unicamente em consideração à média dos pacientes presentes.

quinta-feira, 27 de maio de 2021

Sociedade – parte III – Objetivos da sociedade: vida boa e florescimento individual


 Como visto anteriormente1, os seres humanos são animais gregários, ou seja, vivem em bandos, assim como leões ou elefantes. Numa visão bastante simplificada, suficiente para as pretensões limitadas do estudo, a noção de bando animal conduzida a uma alta complexificação fornece a representação genérica de sociedade, embora, de fato, exista uma distinção axiológica bastante importante que decorre da condição exclusivamente humana de testemunha da existência.

O bando formado por animais irracionais tem como característica marcante a identidade entre os focos vitais de indivíduo e de grupo. Dito de modo mais simples: o foco vital quase exclusivo de cada um dos indivíduos do grupo é a própria sobrevivência, o que, contudo, resulta em benefício para a sobrevivência do bando e manutenção da espécie. Os humanos também possuem esse traço que é a base teórica do próprio sistema capitalista: o egoísmo conduzindo ao altruísmo. Entretanto, embora a necessidade de abrigo e de alimento seja, como nos animais, um dos pontos axiais da existência, nos humanos essas não são as mais relevantes das demandas individuais para o efeito de produzir realização individual. A partir de um certo momento no desenvolvimento da humanidade, sobrevivência e reprodução deixaram de representar a principal meta da coletividade. Embora certamente sejam elementos vitais para qualquer ser vivo e para a espécie, a conquista desses bens, por vitais que sejam, deixou de nos definir. Essas necessidades ancestrais, contudo, servem ao importante propósito de nos lembrar que nunca deixamos de ser animais. Todavia, poucos ainda se sentem realizados como pessoa humana pelo simples fato de conseguir um abrigo, o alimento de cada dia e ter filhos. Repito, são elementos importantes na vida das pessoas, mas não geram o tipo de feedback espiritual que dê pleno sentido à vida.

sábado, 22 de maio de 2021

Acabou a corrupção”, cai o último baluarte da antipolítica


  A CPI da pandemia, o Jornal Nacional de ontem (18/05), acerca de possíveis desvios de dinheiro público ocorridos no Ministério da Saúde durante a gestão Pazuello, e os jornais de hoje, dando conta de uma devassa no Ministério do Meio Ambiente e no Ibama por determinação do ministro Alexandre de Moraes do STF, fizeram-me lembrar de duas manifestações minhas anteriores à eleição de Bolsonaro. Numa delas, em texto publicado em maio de 2017, aqui, afirmei que dentre as incontáveis características deletérias da personalidade e do caráter de Bolsonaro, existiam duas coisas “boas” que dele se poderia falar, ainda que de duvidoso mérito, a saber, transparência sobre si e nacionalismo. Falarei sobre essas duas características mais à frente, inclusive penitenciando-me por equívoco em relação a uma delas.

    Na outra, publicada de forma limitada como podcast, sustentei à época que o então candidato do pastor Malafaia, não poderia sequer ser considerado um político liberal, como faziam seus simpatizantes. Um dos pilares do jornalismo liberal, a revista capitalista britânica The Economist, o classificou como radical, religioso nacionalista, demagogo de direita, apologista de ditadores e ameaça à democracia. Afora tantas “qualidades” pouco elogiáveis, disse eu que, especificamente no quesito honestidade no desempenho da função pública, o atual presidente jamais pareceu um modelo adequado de retidão moral. Não se poderia afirmar que fosse desonesto, porém, repito, não parecia ser. Diz o velho ditado romano: à mulher de César não basta ser honesta, tem que parecer honesta.

terça-feira, 18 de maio de 2021

Cinco anos sem a esquerda no governo; o que era ruim, piorou

 

No momento em que escrevo, o dia é 15 de maio de 2021. Dois dias atrás, 13 de maio, duas datas deveriam ter sido lembradas pelos brasileiros. A primeira, porque 133 anos se passaram desde a libertação dos escravos, ocorrida nesse mesmo dia em 1888. A segunda, porque cinco anos se passaram desde o dia 13 de maio de 2016, quando forças ocultas novamente tentaram reverter a Lei Áurea. Desde então, o Brasil deixou de ser governado por um representante da esquerda. Na verdade, se considerado o período pós-eleição de 2014, quando se iniciaram os massivos ataques da oposição ao segundo governo Dilma Roussef, na prática inviabilizado pelas famosas pautas-bomba do Congresso, capitaneadas por Eduardo Cunha, a esquerda foi impedida materialmente de governar o país desde meados de 2015, ou seja, há quase seis anos.

Pode-se indagar, e com certa razão, qual seria, afinal, a importância de um governo pautado pelo sonho utópico das esquerdas. Em que diferiria dos projetos da direita política? A pergunta embute um antecedente lógico: ainda cabe falar em direita ou esquerda? Sim, o binômio direita-esquerda ainda é cabível. A ciência política valida o uso da terminologia esquerda-direita como definidora de espectros políticos situados em campos opostos. No trabalho acadêmico da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, intitulado “Esquerda e direita no sistema partidário brasileiro: análise de conteúdo de documentos programáticos”, de autoria dos doutores em Ciência Política Gabriela da Silva Tarouco e Rafael Machado Madeira1, não somente se considera válida a dimensão esquerda-direita, como é apresentado um desenho mínimo dos contornos conceituais que lhe dão sustentação:

Levando tudo isso em consideração, reformulamos a escala elaborada pelo MRG e assim, chegamos às seguintes categorias como indicativas, no Brasil, de posicionamento à direita: menções positivas às forças armadas, livre iniciativa, incentivos, ortodoxia econômica, limitação do Welfare State e referências favoráveis à classe média e grupos profissionais (para contrastar com as referências à classe operária). As categorias selecionadas como indicativas de posicionamento à esquerda são a seguintes: regulação do mercado, planejamento econômico, economia controlada, análise marxista, expansão do Welfare State e referências positivas à classe trabalhadora.

Perceba-se que, no plano da teoria política, tanto a direita como a esquerda perseguem a construção do melhor dos mundos possíveis; o método para alcançar o objetivo, todavia, é completamente distinto. De modo geral, a direita simpatiza com a possibilidade de imposição ideológica e hierárquica através do uso da força (militar, econômica, cultural ou física); possui ojeriza à ideia de justiça distributiva (welfare state e ortodoxia econômica); acredita no caráter e na personalidade das pessoas que integram as classes favorecidas para o efeito de gerar bem-estar coletivo (livre iniciativa); e mantém visão favorável à hierarquia social estabelecida, benéfica às classes média e alta (meritocracia e direito pleno de herança).

segunda-feira, 26 de abril de 2021

Desculpem-me, errei: Ciro Gomes é um ignorante político

 

Em artigo publicado em setembro de 2017, aqui, produzi uma breve análise sobre o posicionamento de um certo político do cenário nacional. Supus firmemente que nunca mais retornaria ao tema, inclusive por não desejar bater palmas para o maluco dançar. Contudo, as circunstâncias assim exigem; poucas vezes somos senhores dos nossos destinos. Naquele texto, tratei de Ciro Gomes e suas então recentes declarações antipetistas e anti-Lula. Na ocasião, refutei suas afirmações e afirmei não ser possível classificar Ciro “como um jumento político, um ignorante que tateia aleatoriamente no escuro das possibilidades eleitorais”. Sustentei que, pelo contrário, tratava-se de “um político experiente que não desconhece que, em política, somente os tolos jogam para o tudo ou o nada. Esse é um dilema ético, sem dúvida, mas que é imposto pela realidade inescapável e não pela vontade individual”. Ante tal conclusão, indaguei o que teria levado Ciro a abdicar de quase um terço do eleitorado nacional. A conclusão a que cheguei na época foi a de que as declarações narcísicas decorriam de pura hipocrisia oportunista provocada por desespero. Seu sofrimento íntimo provinha, continuei, da sede de poder que parece ter sempre orientado cada passo seu, além da percepção de que o seu tempo estava passando sem a abertura de uma janela política favorável.

Passados três anos e sete meses desde a publicação do texto, indaga-se: houve mudança de comportamento por parte dele nesse tempo? A resposta, infelizmente, é não. Ao contrário disso, o quadro de egolatria e narcisismo somente se agravou. O delírio chegou ao ponto dele supor que lhe competia enviar condolências à rainha da Inglaterra por ocasião do falecimento do marido. Sem medo algum do ridículo, ainda fez propaganda disso nas redes sociais! Pouco provável que a missiva sequer tenha ultrapassado os limites das dependências do camareiro real. Porém, se assim foi e chegou às mãos da rainha, é possível imaginar Sua Majestade, sentada no trono da Inglaterra, com toda pompa e circunstância, levantando o pincenê do nariz real e, com a cara de nojo típica da nobreza, indagando ao secretário: “Who the fuck is Ciro Gomes”?

sexta-feira, 23 de abril de 2021

Religião e covid: quando a fé de alguns é o problema de muitos

 

 As necessidades coletivas impostas nesse momento trágico da pandemia produz a necessidade de reflexão sobre a questão da laicidade do Estado. Isso porque algumas ações políticas de saúde pública, necessárias para combater a covid e cujo sucesso depende da submissão de todos, à primeira vista parecem confrontar o princípio da liberdade religiosa. Como exemplo desse tipo de indagação, tem-se a questão do direito de o crente comparecer ao culto religioso em templos, o que, necessariamente, implica aglomeração de pessoas. Pergunta-se: isso se insere no direito de liberdade religiosa? É correta a recusa da vacinação em nome da religião? É justo promover o missionarismo nas ruas ou em outros locais públicos como interior de ônibus, estações ou vagões de metrô?

O tema esteve em discussão no STF recentemente, após o ministro bolsonarista Kássio Nunes Marques, atendendo o pedido de uma obscura associação de caráter religioso, conceder liminar para vedar o fechamento de templos por governos municipais e estaduais. No julgamento pelo plenário, o STF revogou a liminar e declarou que os governos podem determinar o fechamento dos templos em nome da saúde pública. No episódio, chamou a atenção o fato de o advogado-geral da União, André Mendonça, utilizar argumentos bíblicos para a defesa da abertura dos templos.

O principal ponto a considerar nessa reflexão é que o Estado é laico, natureza institucional definida como princípio constitucional. Trata-se de uma afirmação que todos conhecem, aprenderam a repetir, afirmam concordar, porém parece que poucos alcançam compreender a amplitude axiológica do conceito, seu significado e importância para o sucesso e a paz da sociedade. Não fosse assim, os questionamentos iniciais sequer existiriam.

sexta-feira, 16 de abril de 2021

Sociedade – parte II - O surgimento da sociedade civil e do Estado de Direito

  

Esta é a sexta parte da série “Indivíduo, sociedade e a interpretação da realidade”. Os textos possuem um encadeamento lógico, porém permitem a leitura autônoma. Os links para os que desejarem a leitura das cinco primeiras partes estão disponibilizados no final desse artigo.

Anteriormente, analisamos como o surgimento das feiras e das vilas fez surgir uma nova categoria de ser social, os burgueses, os primeiros humanos cuja atividade laboral era essencialmente urbana, não agrícola, ou seja, residiam e exerciam atividade profissional nos burgos (cidades), daí “burguesia”. Eram, no sentido moderno, comerciantes ou profissionais liberais.

As intrincadas relações comerciais decorrentes da ascensão da burguesia exigiu a criação de um marco regulatório mínimo para conferir segurança jurídica aos negócios entabulados. Ao gradual crescimento do poder econômico dos burgueses correspondeu equivalente desenvolvimento de sua influência política junto ao Estado, alcançando uma paulatina mitigação do poder político da nobreza pela via legislativa. Organizações civis sob o controle da burguesia, como bancos e empresas de comércio e navegação, passaram a controlar importantes recortes da vida individual e coletiva. Tal supremacia burguesa no controle da vida coletiva é o mecanismo que engendra a sociedade civil moderna, ou seja, o ancoramento da sociedade no chamado estado de direito. Estado de direito é um sistema jurídico que submete todas as pessoas e instituições sociais ao império da lei prévia, não casuísta, inclusive o soberano. Isso, ao menos em tese, possibilita ao indivíduo antagonizar o imenso poderio estatal, não tendo que se sujeitar aos caprichos do governante. A criação do estado de direito não se deve a um súbito e puro desprendimento da burguesia, por desejar o aumento da liberdade individual. O objetivo, de natureza egoísta, foi a mitigação do poder da nobreza, visto como empecilho ao incremento dos negócios particulares.

quarta-feira, 14 de abril de 2021

Cuidado: Bolsonaro perseguirá seu próprio Reichstag

 

Em 27 de fevereiro de 1933, um jovem com apenas 24 anos, de origem holandesa, decidiu solitariamente atear fogo no parlamento alemão (Reichstag). Hitler tinha tomado posse como chanceler (primeiro-ministro) apenas um mês antes e essa foi sua chance para, manejando um falso discurso anticomunista, exterminar por completo toda e qualquer oposição ao seu governo, inclusive com o silenciamento da imprensa. O resto é história e todos conhecem o resultado.

No Brasil de hoje, o presidente encontra-se nas cordas, quase nocauteado, enfrentando enormes dificuldades políticas para implementar a agenda autoritária com que sonha. Por isso, necessita desesperadamente de seu próprio incêndio no Reichstag para consolidar o poder total em suas mãos. É a única saída, não somente para permanecer no poder, mas para exercê-lo sem resistência alguma das instituições democráticas, ou seja, com autoritarismo. Ele jamais ocultou a sua intenção de romper com os princípios democráticos se tivesse poder para tanto. Em diversas entrevistas no passado, sempre sustentou que, eleito presidente, seus primeiros movimentos seriam no sentido de fechar o congresso através de um golpe de Estado. Está muito claro para quem o ouve que esse pensamento antidemocrático não se alterou com o tempo e nem com a eleição para a presidência. Pelo contrário, foi corroborado, logo após a vitória no primeiro turno da eleição, por via da voz do filho Eduardo Bolsonaro, que publicamente declarou que o fechamento do Supremo seria coisa simples, a ser resolvida com a ação de apenas um cabo e dois soldados. E foi novamente reafirmado quando, já presidente da república, apoiou e participou de manifestações bolsonaristas que pediam o fechamento do Congresso e do STF, inclusive com acompanhamento de generais.

quinta-feira, 8 de abril de 2021

“Fora Bolsonaro” precisa do exército dos ressentidos!

 

Vivemos uma experiência bastante desagradável no país já há algum tempo, iniciando com o golpe de 2016 que depôs Dilma, agudizado pela ato político conjunto de prisão de Lula com eleição de Bolsonaro em 2018, piorando a partir de 2020 por conta do início da pandemia e entrando praticamente no campo do terror coletivo no início de 2021 em virtude do aumento exponencial no número de contaminados e mortos pela covid. Acrescendo-se a isso e gerando uma trama de suspense dramático, em março de 2021 chega a notícia de anulação dos processos de Lula, uma ótima notícia, porém um complicador político em relação aos irresignados com sua possível inocência. A anulação dos processos da malfadada Lava Jato cria no ar um frisson político negativo, uma inquietação, principalmente vinda do andar de cima mas não somente, com a possibilidade de algo que deveria ser positivo para todos: o gradual retorno à normalidade institucional, jurídica e política.

A combinação de todos esses elementos (golpe, prisão, eleição, tragédia da covid e anulação dos processos) produz, nos dias de hoje, intensas movimentações políticas, as quais, entretanto, a cada momento sinalizam em direções opostas. Ora parece que caminhamos no sentido do regresso da normalidade e da racionalidade, ora toma o caminho do retrocesso para uma experiência ainda pior do que a atual. Nesse cenário de idas e vindas, ninguém pode prever minimamente o que acontecerá no dia seguinte. A indefinição quanto ao futuro imediato faz cada dia parecer definitivo, com a sensação permanente de que o céu está prestes a desabar sobre as nossas cabeças, atingindo todos, sem clemência e sem exceções. Todos os dias trazem novidades cuja leitura pode ser feita negativamente; tornam-se como nuvens negras que teimam em manter-se sobre as nossas cabeças. O que virá em seguida, perguntamo-nos a toda hora, atemorizados pela incerteza. Será o fechamento do sistema, um golpe militar? É possível que o que está ruim piorará para além desse nível, afundando-se no péssimo? Estaremos caminhando céleres pela estrada de retorno à barbárie da Idade Média? Ou, alvíssaras, a sanidade retornará aos homens públicos?

quarta-feira, 7 de abril de 2021

Sociedade – parte I – O produto do processo civilizatório

 

Esta é a quinta parte da série “Indivíduo, sociedade e a interpretação da realidade”, cujos quatro primeiros são, O indivíduo, parte I e O indivíduo, parte II, O indivíduo, parte III e O indivíduo, parte IV. Embora os textos estejam interligados por um nexo de continuidade no raciocínio, cada um deles trata de assunto pontual na análise do objeto, de modo que podem ser lidos isoladamente. Vale recordar que o objetivo desses textos iniciais é estabelecer o significado que o autor imprime a certos conceitos utilizados em sua linha de pensamento sobre determinados objetos de reflexão. Tais conceitos podem assumir significados válidos para outras pessoas e essa variação é justamente o motivo da exposição: evitar confusões semânticas. Certo ou errado, é “isso” que quero dizer quando digo “isso”.

Encerrado o exame do comportamento do indivíduo, passaremos a analisar, de modo breve e sucinto, a sociedade; sua gênese, as relações econômicas que a regem e formam sua estrutura, as contradições que afetam o seu desenvolvimento e o seu objeto. Importante destacar um ponto: os coletivos sociais foram surgindo isoladamente, em diversos tempos, locais e formatos distintos, e, paulatinamente, quando não extintos, encontraram-se, experiências culturais foram intercambiadas, esse intercâmbio provocou alterações nas culturas e, dessa miscelânea cultural, surgiram os modelos mais recentes que conhecemos. Apenas para o efeito de facilitação de raciocínio, iremos supor um início comum, num modelo geral de surgimento e desenvolvimento da civilização; é uma ficção, todavia fundada em observações arqueológicas realizadas ao redor do mundo.

sexta-feira, 2 de abril de 2021

O caso Filipe Martins: sinais de supremacismo branco no governo sempre estiveram presentes

 

Muito revelador o episódio ocorrido com o assessor especial de Bolsonaro, Filipe Martins. Para quem não sabe, Martins, apesar de muito jovem e recém-formado, tornou-se assessor especial de Bolsonaro por indicação do guru bolsonarista Olavo de Carvalho, de quem é discípulo fiel, e de Eduardo Bolsonaro.

 Antes de falar sobre o episódio em si, vale a pena uma breve exposição sobre Olavo de Carvalho, o guru de Bolsonaro e do bolsonarismo. Astrólogo, diz ser filósofo. Sem formação científica alguma, não acredita que os planetas giram em torno do Sol, discorda de cientistas consagrados como Galileu, Newton, Giordano Bruno, Einstein e acredita em coisas como terraplanismo, éter luminífero e que heterossexuais não pegam aids. Todavia, como todo conservador de extrema-direita, não acredita no aquecimento global, ou seja, entende que o planeta pode ser inteiramente explorado comercialmente, sem repercussão ecológica alguma. Absolutamente nenhum integrante respeitável da academia vislumbra valor positivo no pensamento olaviano, que basicamente obtém sua ressonância estritamente entre os leigos que frequentam as redes sociais. Sua única filha adjetiva o “amado” pai como louco, cruel, covarde, mentiroso e que odeia o Brasil e os brasileiros. Quanto a ser louco, ela possui prova: ele já esteve internado em hospital psiquiátrico. O astrológico é pródigo em ofender adversários com grosserias e palavras chulas. Uma pessoa com essa envergadura intelectual e psicológica foi o responsável pela nomeação para o ministério bolsonárico de pessoas como Ricardo Velez, Weintraub, Ernesto Araújo e, não esqueçamos, Filipe Martins, todos seus discípulos e fiéis à orientação olavista. Isso, por si só, já deveria ter sido suficiente, antes da eleição, para deixar claro para todos quem era Bolsonaro e do que seria capaz o bolsonarismo no poder. Infelizmente, não foi.

Agosto pode marcar o fim do governo Bolsonaro

O mandato presidencial de Bolsonaro não se sustentará até o fim do ano de 2021; na verdade, talvez não passe de agosto. Pensamento positivo ou desejoso? Sim, um pouco, talvez, pois esperança é a última que morre, mas não totalmente. Há base fático-argumentativa para a previsão.

A principal delas não é a recente elegibilidade de Lula, que provocou alguns espasmos em Bolsonaro, nem tão significativos assim, como usar máscaras e trocar um ministro bolsonarista inútil por outro bem parecido. Mudar presidente no voto, só em 2022, seja Lula ou qualquer outro, o que significa que os virtuais eleitos somente poderão atuar na saúde a partir de janeiro de 2023. Até lá, mantidas as atuais condições de temperatura e pressão, o vírus da covid terá desistido do Brasil por falta de corpos vivos para infectar. O fato capaz de determinar uma alteração no rumo do combate à pandemia antes de 2022 seria o afastamento de Bolsonaro e a assunção de um substituto, talvez Mourão, talvez outro mais qualificado, se o vice afundar com o presidente. Como disse, esperança...

domingo, 21 de março de 2021

Direito de opinião, crítica pública e cancelamento

O direito à liberdade de opinião e expressão do pensamento é uma conquista inarredável da modernidade; não se pode compactuar com sua mitigação, muito menos extinção, somente se admitindo sua extensão em direção, num futuro capaz de lidar melhor com as diferenças, à liberdade total.

 A liberdade de manifestação da opinião e de expressão encontra-se dentre os direitos mais sagrados da humanidade, possivelmente superior em importância ao direito de propriedade, encontrando proteção em âmbito internacional pelo artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos:

Artigo 19 - Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; esse direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.

No território brasileiro, a manifestação de opinião e expressão é garantida pelos incisos IV e IX do artigo 5º da Constituição, segundo os quais, respectivamente, são livres “a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” e “a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.

Trata-se de um direito cujo exercício parece ser natural ao ser humano moderno. Caso indagássemos nas ruas sobre o que pensam sobre a validade do direito de opinião, certamente nove em dez entrevistados diriam tratar-se de um bem sagrado do ser humano, um direito ínsito à própria existência da pessoa. Contudo, na maior parte da história esse direito não existiu ou, quando existiu, foi permitido de forma absolutamente limitada. Expressar opiniões já matou muita gente ao longo do “corre” da humanidade, para utilizar uma gíria desse momento “grande irmão”.

sexta-feira, 19 de março de 2021

Pessoas “normais” não são de esquerda; que pena!

É absolutamente descabida, por falsa, a ideia que se tenta passar de que os valores do bolsonarismo e do esquerdismo estão ambos num mesmo saco axiológico. Isso somente serve aos desonestos intelectuais, que possuem interesse em confundir o debate político e pouco se importam com as consequências dessa salada que inventam.

A sociedade brasileira enfrenta o grave problema social representado pelas rupturas familiares e sociais por conta da opinião política. Isso é um fato. Um grande entrave para a correta problematização dessa questão, porém, reside justamente no reducionismo de afirmar a “política”, de forma abrangente, como a causa dos afastamentos. Passa-se, assim, a falsa ideia de que os rompimentos são motivados por causa banal, fútil, que é a “política”. Nem de longe isso está correto.

Vários são os exemplos de pessoas que jamais romperam seus relacionamentos, embora familiares e amigos tenham optado por caminhar em espectro político-ideológico distinto. Pessoas de direita jamais antes se afastaram dos amigos e familiares esquerdistas, assim como esses nunca deixaram de falar com os que votaram sucessivamente na direita; em Collor, FHC, Alckmin, Serra ou Aécio. Nem mesmo os mais antigos, que aderiram ao golpe militar, se afastaram dos esquerdistas que conheciam. Pelo contrário, era comum, na época, os direitistas protegerem “seus comunistas”, sendo exemplo disso Roberto Marinho, que, apesar de adesista de primeira hora ao golpe, costumava dizer, acerca dos jornalistas da Globo, que “dos meus comunistas cuido eu”, não admitindo a interferência dos militares.

terça-feira, 16 de março de 2021

Já passou da hora de pôr fim ao antipetismo doentio

Isso não impede, contudo, que o antipetismo continue a produzir aberrações políticas com o propósito de evitar o retorno do PT ao poder. Mantida essa loucura, o Bolsonaro de hoje, amanhã poderá ser outro aventureiro de índole maligna, antidemocrática e com visão unidirecional, voltada somente para os interesses do mercado.

 

Fachin anulou todos os processos contra Lula em andamento na Justiça Federal de Curitiba, declarando a competência da Vara Federal de Brasília. Sabe-se que sua intenção não foi a de beneficiar Lula, mas impedir a total implosão da Lava Jato e preservar Moro. Isso não importa, ao menos não nesse momento. O mais importante é que esses procedimentos injustos e, na verdade, criminosos foram derrubados. Uma justiça mais completa, com a apuração do comportamento criminoso, inclusive traição à pátria, praticado por agentes públicos que deveriam zelar pela materialização da justiça fica para mais tarde, e, não tenham dúvida, esse dia chegará.

No dia seguinte, Gilmar tentou julgar a suspeição de Moro, decisão que poderia ampliar a vitória de Lula, pois o vício do julgador contaminaria todos os atos praticados, inclusive a instrução processual, ou seja, as provas produzidas, que a decisão de Fachin tentara salvar da nulidade. Quando o julgamento estava 2x2, houve o pedido de vista feito pelo ministro Nunes Marques, deixando a finalização do julgamento para data indefinida no tempo. A perspectiva, porém, é de que votará a favor da tese da defesa. Além disso, existe grande chance de que a ministra Carmem Lúcia, que já votara contra Lula, voltará atrás, produzindo novo voto em favor do ex-presidente. E, o mais incrível, há quem preveja que o próprio Fachin reverá o próprio voto como relator e acompanhará o voto de Gilmar pela suspeição, o que pode redundar num acachapante 5x0 contra Moro, deixando para além de qualquer dúvida ter sido ele um julgador parcial, comprometido com o resultado da ação e beneficiário dela, ao se tornar ministro do governo que ajudou a eleger. Não se pode afastar, porque ninguém está isento de suspeitas quando atua em situações suspeitas, a possibilidade de pura e simples corrupção, dada a montanha de dinheiro que transitou das contas bancárias dos acusados para as de seus advogados, até então desconhecidos, que ficaram milionários ao representá-los nos famosos acordos de delação. Vamos aguardar.

O indivíduo – parte IV – A gênese de toda “bondade” e de toda “maldade”

O mal, como uma criação da consciência inexistente na natureza, existe no vazio do bem, ou seja, do mesmo jeito que a escuridão é o vazio de luz, a ausência da ideia do bem é ocupada pela ideia do mal. Sem a consciência reivindicadora do bem perene, existem apenas os fatos da natureza e eles configuram meramente causa e efeito, sem dimensão moral. O fato natural que destrói é o mesmo que cria.

Nos três artigos anteriores, O indivíduo, parte I e O indivíduo, parte II e O indivíduo, parte III, o comportamento individual foi analisado a partir da influência dos instintos ancestrais que favorecem a prática do egoísmo, do altruísmo, da religião, além de indagarmos os motivos da submissão do povo a uma elite muito pouco numerosa que, ao longo dos anos, exerce o controle social para beneficiar-se do esforço coletivo, o que consegue ao custo da miséria de grande parte da população. Neste último artigo sobre o indivíduo, as ações individuais serão sopesadas a partir de seus efeitos concretos no mundo, efeitos estes que são categorizados como “bondade” ou como “maldade”. Enfim, falaremos sobre o certo e o errado e, portanto, sobre ética e moral.

Antes de iniciar o tema propriamente dito, importante relembrar que, embora nos classifiquemos como animais racionais, e somos de fato, a distinção entre animais racionais e irracionais opera no campo do grau e não da substância. A diferença reside na extensão do processo evolutivo quanto ao uso da inteligência, da razão e da lógica. Incontáveis experimentos demonstram que muitos animais considerados “irracionais” são capazes de raciocínios abstratos extensos, como macacos, papagaios, corvos, polvos, cetáceos e muitos outros. Além disso, foi apenas a força do acaso que determinou que o planeta Terra possuísse hoje somente uma única espécie considerada inteligente; já fomos várias, ao mesmo tempo e, por vezes, no mesmo lugar.

sábado, 6 de março de 2021

Tragédias coletivas, o alimento de Bolsonaro

A vida política de Bolsonaro se alimenta da tragédia; foi assim no exército, continuou na vida parlamentar, manteve-se na candidatura presidencial e persiste no exercício do mandato.

A vida política de Bolsonaro se alimenta da tragédia; foi assim no exército, continuou na vida parlamentar, manteve-se na candidatura presidencial e persiste no exercício do mandato.

Nesse momento, contam-se 256 mil brasileiros mortos por problemas decorrentes do coronavírus, além de outros quase 11 milhões de infectados pelo mesmo vírus. Tudo em cerca de apenas um ano de pandemia.

Segundo a BBC Brasil1, o número de mortos pela covid é seis vezes superior ao do total de homicídios ocorridos em todo o Brasil no ano de 2020. As mortes por acidente de trânsito, em 2019, montaram a 30 mil pessoas2, 8 vezes menos do que as mortes causadas pelo coronavírus. A covid matou mais pessoas em um ano do que todas as mortes de brasileiros por câncer no ano de 2018, cerca de 225 mil3.

Na comparação com outras doenças infecto-contagiosas, com base nas ocorrências do ano de 20194, foram registrados 1.544.987 casos de dengue, com 782 mortos; 10.708 contaminados por zika, sendo 3 mortes; e 132.205 registros de chikungunya, do que resultou 92 mortes. Somadas, essas doenças mataram 877 mortes no ano de 2019, o que significa 0,003% do total de mortos pelo coronavírus. Os mortos brasileiros pelo coronavírus são quase 300 vezes mais numerosos do que a soma anual de todos os óbitos por dengue, zika e chikungunya no mesmo período.

A covid já matou muito mais brasileiros do que a mais sanguinária guerra travada pelo país, a do Paraguai, que matou algo em torno de 8.300 soldados brasileiros por ano (50 mil, no total, em seis anos de conflito)5. Na 2ª Grande Guerra menos de 500 soldados brasileiros tombaram.