quinta-feira, 27 de maio de 2021

Sociedade – parte III – Objetivos da sociedade: vida boa e florescimento individual


 Como visto anteriormente1, os seres humanos são animais gregários, ou seja, vivem em bandos, assim como leões ou elefantes. Numa visão bastante simplificada, suficiente para as pretensões limitadas do estudo, a noção de bando animal conduzida a uma alta complexificação fornece a representação genérica de sociedade, embora, de fato, exista uma distinção axiológica bastante importante que decorre da condição exclusivamente humana de testemunha da existência.

O bando formado por animais irracionais tem como característica marcante a identidade entre os focos vitais de indivíduo e de grupo. Dito de modo mais simples: o foco vital quase exclusivo de cada um dos indivíduos do grupo é a própria sobrevivência, o que, contudo, resulta em benefício para a sobrevivência do bando e manutenção da espécie. Os humanos também possuem esse traço que é a base teórica do próprio sistema capitalista: o egoísmo conduzindo ao altruísmo. Entretanto, embora a necessidade de abrigo e de alimento seja, como nos animais, um dos pontos axiais da existência, nos humanos essas não são as mais relevantes das demandas individuais para o efeito de produzir realização individual. A partir de um certo momento no desenvolvimento da humanidade, sobrevivência e reprodução deixaram de representar a principal meta da coletividade. Embora certamente sejam elementos vitais para qualquer ser vivo e para a espécie, a conquista desses bens, por vitais que sejam, deixou de nos definir. Essas necessidades ancestrais, contudo, servem ao importante propósito de nos lembrar que nunca deixamos de ser animais. Todavia, poucos ainda se sentem realizados como pessoa humana pelo simples fato de conseguir um abrigo, o alimento de cada dia e ter filhos. Repito, são elementos importantes na vida das pessoas, mas não geram o tipo de feedback espiritual que dê pleno sentido à vida.

sábado, 22 de maio de 2021

Acabou a corrupção”, cai o último baluarte da antipolítica


  A CPI da pandemia, o Jornal Nacional de ontem (18/05), acerca de possíveis desvios de dinheiro público ocorridos no Ministério da Saúde durante a gestão Pazuello, e os jornais de hoje, dando conta de uma devassa no Ministério do Meio Ambiente e no Ibama por determinação do ministro Alexandre de Moraes do STF, fizeram-me lembrar de duas manifestações minhas anteriores à eleição de Bolsonaro. Numa delas, em texto publicado em maio de 2017, aqui, afirmei que dentre as incontáveis características deletérias da personalidade e do caráter de Bolsonaro, existiam duas coisas “boas” que dele se poderia falar, ainda que de duvidoso mérito, a saber, transparência sobre si e nacionalismo. Falarei sobre essas duas características mais à frente, inclusive penitenciando-me por equívoco em relação a uma delas.

    Na outra, publicada de forma limitada como podcast, sustentei à época que o então candidato do pastor Malafaia, não poderia sequer ser considerado um político liberal, como faziam seus simpatizantes. Um dos pilares do jornalismo liberal, a revista capitalista britânica The Economist, o classificou como radical, religioso nacionalista, demagogo de direita, apologista de ditadores e ameaça à democracia. Afora tantas “qualidades” pouco elogiáveis, disse eu que, especificamente no quesito honestidade no desempenho da função pública, o atual presidente jamais pareceu um modelo adequado de retidão moral. Não se poderia afirmar que fosse desonesto, porém, repito, não parecia ser. Diz o velho ditado romano: à mulher de César não basta ser honesta, tem que parecer honesta.

terça-feira, 18 de maio de 2021

Cinco anos sem a esquerda no governo; o que era ruim, piorou

 

No momento em que escrevo, o dia é 15 de maio de 2021. Dois dias atrás, 13 de maio, duas datas deveriam ter sido lembradas pelos brasileiros. A primeira, porque 133 anos se passaram desde a libertação dos escravos, ocorrida nesse mesmo dia em 1888. A segunda, porque cinco anos se passaram desde o dia 13 de maio de 2016, quando forças ocultas novamente tentaram reverter a Lei Áurea. Desde então, o Brasil deixou de ser governado por um representante da esquerda. Na verdade, se considerado o período pós-eleição de 2014, quando se iniciaram os massivos ataques da oposição ao segundo governo Dilma Roussef, na prática inviabilizado pelas famosas pautas-bomba do Congresso, capitaneadas por Eduardo Cunha, a esquerda foi impedida materialmente de governar o país desde meados de 2015, ou seja, há quase seis anos.

Pode-se indagar, e com certa razão, qual seria, afinal, a importância de um governo pautado pelo sonho utópico das esquerdas. Em que diferiria dos projetos da direita política? A pergunta embute um antecedente lógico: ainda cabe falar em direita ou esquerda? Sim, o binômio direita-esquerda ainda é cabível. A ciência política valida o uso da terminologia esquerda-direita como definidora de espectros políticos situados em campos opostos. No trabalho acadêmico da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, intitulado “Esquerda e direita no sistema partidário brasileiro: análise de conteúdo de documentos programáticos”, de autoria dos doutores em Ciência Política Gabriela da Silva Tarouco e Rafael Machado Madeira1, não somente se considera válida a dimensão esquerda-direita, como é apresentado um desenho mínimo dos contornos conceituais que lhe dão sustentação:

Levando tudo isso em consideração, reformulamos a escala elaborada pelo MRG e assim, chegamos às seguintes categorias como indicativas, no Brasil, de posicionamento à direita: menções positivas às forças armadas, livre iniciativa, incentivos, ortodoxia econômica, limitação do Welfare State e referências favoráveis à classe média e grupos profissionais (para contrastar com as referências à classe operária). As categorias selecionadas como indicativas de posicionamento à esquerda são a seguintes: regulação do mercado, planejamento econômico, economia controlada, análise marxista, expansão do Welfare State e referências positivas à classe trabalhadora.

Perceba-se que, no plano da teoria política, tanto a direita como a esquerda perseguem a construção do melhor dos mundos possíveis; o método para alcançar o objetivo, todavia, é completamente distinto. De modo geral, a direita simpatiza com a possibilidade de imposição ideológica e hierárquica através do uso da força (militar, econômica, cultural ou física); possui ojeriza à ideia de justiça distributiva (welfare state e ortodoxia econômica); acredita no caráter e na personalidade das pessoas que integram as classes favorecidas para o efeito de gerar bem-estar coletivo (livre iniciativa); e mantém visão favorável à hierarquia social estabelecida, benéfica às classes média e alta (meritocracia e direito pleno de herança).