
Querido
Papai Noel,
Creio
ter sido uma boa pessoa durante esse ano. Não matei, não feri, não
roubei, fui dedicado e carinhoso à minha esposa e minhas filhas.
Tratei meus amigos com consideração e afeto.
De
um modo geral, procurei ser tolerante com o próximo (bom, tive
vontade de socar aquele estúpido que me deu uma “fechada”
assassina no trânsito, mas limitei-me a abaixar o vidro, pôr a
cabeça pra fora e xingar a pobre da mãe do desinfeliz... foi mal,
Papai Noel).
Bem,
tirando isso, acho que fiz por merecer um presente seu, meu bom
velhinho. Então, pensei longamente sobre o tipo de presente que
gostaria de receber. Você sabe bem, velho Noel, pelas cartas que te
enviei, que quando mais jovem desejava presentes caros e modernosos,
mas você jamais atendeu meus desejos (como diria o Pernalonga, o que
é que há, velhinho? Magoei). Mais experiente um pouco, até recebi
alguns, mas aí o encantamento já havia cessado.
Há
muito deixei de apreciar presentes pela sua expressão meramente
material. Nunca fui e jamais serei descortês a ponto de demonstrar
insatisfação com qualquer presente recebido. Todos, caros ou
baratos, grandes ou pequenos, embrulhados ou no pacote, sempre são
do meu agrado, de verdade mesmo.
Isso
porque, segundo penso e sinto, um presente, para além de seu valor
intrínseco, simboliza um tempo precioso que uma pessoa despendeu
pensando em uma maneira bem legal de agradar outra pessoa. Representa
também uma boa intenção. Sim, porque, mesmo antes de pensar em
meter a mão no bolso (ou na obra, para o caso de presentes
fabricados pelo próprio presenteador) essa pessoa encasquetou com
uma vontade: a de fazer algo bom em relação ao outro. Estava,
aquele que presenteia, imbuído da vontade de tornar a vida alheia
mais feliz, ainda que pelo breve momento em que se rasga o embrulho e
se exibe, com um largo sorriso, o presente recebido. Somente por essa
preocupação com minha felicidade, sou grato de coração a toda
pessoa que me presenteia. Porque aí o presente verdadeiro é a
amizade, a dedicação.
Mas,
Papai Noel, para ser absolutamente sincero, poucas vezes na vida
recebi presentes que de fato tenham-me causado uma imensa satisfação.
Afinal, uma camisa é uma camisa, é uma camisa e é uma camisa. E
não é culpa do presenteador. É difícil mesmo presentear. Sei
disso porque, assim como a maior parte das pessoas, ocupo muitas
vezes o outro lado dessa relação, o papel de presenteador.
É
uma angústia tentar imaginar um presente que seja ao mesmo tempo
bonito, chamativo, incomum, interessante e desejado. E quando você
encontra um que reúna todos esses requisitos, pinta aquela dúvida:
peraí, esse negócio é bem legal para mim, mas será que fulano vai
achar o mesmo?
Já
tentei, inclusive, presentear pessoas com coisas fabricadas por mim,
para conferir uma carga maior de emoção e pessoalidade no presente.
Sei não, recebi uns olhares estranhos e resolvi desistir dessa
atividade artesanal.
É,
Papai Noel, se eu, que enfrento essa dúvida com poucos presentes,
acho angustiante, imagino o problemão que você encara ao lidar com
isso multiplicado por bilhões.
O
presenteador, no fundo, é um ingênuo. A vontade de agradar é tanta
que ele realmente acha que aquela cueca vai fazer toda a diferença.
E o bom presenteado é o que demonstra que tudo que ele precisava na
vida era justamente aquela cueca.
Mas,
Nonô (permita-me essa intimidade), aqui vai um conselho para os
presenteados, que peço sua divulgação: não exagerem nos elogios.
Certa ocasião, uma amiga presenteou-me com um short bem bacana,
enviado através de um amigo comum. Gostei do short, bom para
caminhadas. Essa amiga ligou-me no dia seguinte para desculpar-se por
não ter comparecido à minha festa de aniversário e perguntou o que
achei do short. Eu derramei elogios, dizendo que havia gostado, poxa
era um short muito legal, a minha cara, já estava usando, ainda iria
usar muito e outras mil coisas. Não é que os elogios foram tantos
que ela achou que eu estava zombando do presente porque ela não
comparecera à festa? Ficou zangada demais e foi uma dificuldade para
convencê-la de que não era desfeita. Bom, de fato acho que exagerei
um pouco, mas era um shortinho bacaninha mesmo.
De
toda sorte, bom velhinho, creio que essa coisa de dar ou receber
presentes ganhou uma dimensão um pouco exagerada em nossa sociedade.
Até mesmo aniversariantes, que antes recebiam presentes, agora dão
presentes aos convidados. Como diria a Narcisa, que loucura!
E
os amigos e inimigos ocultos de fim de ano? É do trabalho, da
igreja, da família, do condomínio, do círculo de amigos, ufa,
chega... Até você, com sua experiência, cansaria, Papai Noel.
Que
tal a gente se reunir nas festas e somente trocar beijos e abraços
apertados? Que tal sentimentos em lugar de embrulhamentos? Que tal
presentes que possamos compartilhar e, assim, estreitar as relações,
como uma garrafa de vinho ou um pernil? Tá legal, sugerir um pernil
como presente é um pouco forçado, mas... por que não? Lembra
daquela coisa da comunhão, da qual um cara lá do Oriente Médio
costumava falar uns dois mil anos atrás? Pois é.
Claro
que determinados presentes meramente materiais podem ser perfeitos
dependendo da situação. Em minha infância pobre e necessitada,
adorava receber roupas novas de presente, ou tênis, ou mochilas.
Mas, cá entre nós, dar uma calça de presente para alguém que já
possui outras dezenas serve para simbolizar o quê mesmo? Ah, é só
para agradar? Que tal um livro, então? Descubra um assunto que a
pessoa goste e dê-lhe um calhamaço para ler. Nada como um livro de
quinhentas páginas para quem gosta de um determinado assunto (e não
seja ansioso).
Concordo
que perfumes e flores jamais serão meramente materiais. A beleza das
flores e o aroma de ambos são ótimos para alegrar o espírito.
Ótimos presentes para mulheres e homens desencanados.
A
chave para dar um bom presente é conhecer o presenteado, mas dizer
isso não ajuda muito porque infelizmente essa é justamente a maior
dificuldade: conhecer o presenteado tão bem assim.
Tudo
isso, porém, deixará de ter importância se todos passarem a não
dar valor demasiado ao tipo de presente recebido, mas à pessoa que o
deu. Pessoas amigas de verdade jamais se magoarão na hora de dar ou
de receber um presente.
Bom,
Papai Noel, voltando ao fio da meada. Acho que fui bom durante o ano
e fiz jus a um presente. Peço que você conserve com saúde, amor,
paz e felicidade, essas pessoas tão importantes que são as pessoas
que amo, as pessoas amigas. E, de preferência, que continuem
próximas de mim, se isso também as agradar. Porque, Papai Noel,
minha família e meus amigos são, de fato, o meu real e verdadeiro
presente. O resto é lucro (num embrulho bem bonito, que vou rasgar e
sorrir, adorando a cueca nova). Um grande beijo, Nonô.
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