A
presidência de coalizão era, continua sendo e será ainda por muito a única
alternativa política no Brasil para o exercício do poder executivo. Trata-se de um arranjo maquiavélico,
de fato, possuindo o mesmo efeito bumerangue pontificado por
Maquiavel sobre as tropas compostas por mercenários: um dia elas se
voltam contra o contratante. Afinal de contas, às vezes a
intermediação deixa de ser necessária ou conveniente e os
mercenários resolvem tomar a liderança daquele a quem mantinham no poder. A força física é dos mercenários e não do comandante.
Não havia qualquer outro caminho político para o PT governar senão aderir ao modelo existente. Isso
continuará assim pelo tempo que demorarmos a providenciar uma reforma
política consistente, que consiga de algum modo evitar a eleição
de um presidente sem base de apoio do próprio partido ou da chapa
que o elegeu.
A ideia de redução do número de partidos não é boa. Qualquer ação no sentido de impedir a criação de novos partidos se constitui em traição à liberdade e à democracia. Aos novos partidos e aos partidos pequenos cabe apenas, quando muito, a limitação ao acesso a certos direitos, como
financiamento público e presença nas telecomunicações, que devem
ser proporcionais à representação política alcançada junto aos
eleitores.
Como
não somos um país parlamentarista, cujo chefe do executivo
naturalmente é escolhido dentre os representantes da maior bancada, o que proporciona governabilidade sem muitos atropelos, talvez consigamos
um efeito similar através da exigência de uma fidelidade partidária
acentuada, rígida. Políticos não deveriam agir de forma personalista,
pois, em princípio, são eleitos por um partido que representa um
determinado segmento do pensamento político dos cidadãos. Cabe
respeitar o voto de quem os elegeu. Se o partido decide adotar uma
determinada linha de ação sobre alguma votação de proposta e o
político por ele eleito vota em direção contrária, creio que a
perda de mandato deveria ser automática, independentemente mesmo da
vontade partidária. Há traição explícita ao eleitor, que é o
senhor da política ou, pelo menos, deveria ser.
Alguma
regulação da mídia, que se tornou uma eleitora de peso gigantesco,
também é necessária. Um direito de resposta imediato e com maior
destaque do que a denúncia leviana já seria um bom caminho. A lei deve dispensar ritos judiciais para a obtenção de direito de resposta. Todo e qualquer acusado, querendo, deve ter o direito de imediatamente repelir acusações noticiadas pela imprensa sem condenação passada em julgado. Existem países que se recusam a julgar pessoas acusadas de delito que tenham sido demasiadamente expostos a manchetes negativas. Consideram que nenhum julgamento assim seria justo e preferem liberar um possível criminoso do que permitir o cometimento de injustiças.
Enquanto
não vierem reformas que alcancem o objetivo de proporcionar governabilidade natural ao chefe do executivo, o eleito se verá refém dos
parlamentares. Certamente não serão partidos como o PMDB que
conduzirão um proposta nesse sentido. Partidos assim nutrem-se da
desordem e desunião políticas.
Como
a reforma é ainda uma miragem, os partidos de esquerda, inclusive o
PT, devem mudar de estratégia. Há que ter consciência de que o poder real não está no executivo,
mas no legislativo. Pouco importa quem seja o presidente, o
governador ou o prefeito, ele terá que obedecer à lei. Se uma lei cria um direito
social ou se uma lei veda a privatização de algum setor
estratégico, nem mesmo um presidente eleito por um partido de
direita neoliberal, como o PSDB, poderá deixar de cumpri-la, sob pena
de responsabilidade. Não é à toa que o primeiro objetivo de governos autoritários é anular o legislativo, como fizeram os militares no Brasil. Se Hitler não tivesse dominado o legislativo da Alemanha, o holocausto não teria ocorrido.
As
esquerdas devem centrar todas as fichas e atenções nas eleições
parlamentares municipais, estaduais e federal. É insensatez persistir na guerra
total para alcançar o executivo, fazendo concessões contraditórias
ao stablishment e que desagradam profundamente os eleitores de
esquerda.
A pior herança política que o petismo deixa ao país é a impressão, equivocada que seja, de que os políticos são todos iguais. Enquanto esteve limitado ao legislativo, a atuação parlamentar do PT era admirada inclusive por não militantes. Essa imagem acabou ou, no melhor cenário, decaiu absurdamente, provocando um nível de descrença que atingiu até militantes.
Chegar
ao poder executivo deve ser um bônus, um extra, alcançado após
obter uma bancada de peso, capaz de impedir a necessidade dos
malfadados acordões, em prol do governo, ou criação de pautas
bomba, contra.
O
parlamento é o mais democrático dos poderes. Embora as pessoas
tendam a depositar suas esperanças em presidentes, a materialização
dessas esperanças necessariamente passa pelo legislativo. Todos os
presidentes estão submetidos aos ditames da lei, sem ela nada se
cria, nem se executa.
Repito:
muito melhor para o povo a existência de um legislativo progressista
fiscalizando um eventual executivo conservador, do que um executivo
progressista manietado por um legislativo reacionário. Nesse momento, o Brasil não tem nem legislativo, nem executivo progressista. Os eleitores de esquerda estão órfãos, ninguém os representa.
Além
disso, muito da desunião das esquerdas, das mágoas das marinas e
martas da esquerda, estão vinculadas à guerra fratricida pelo poder
executivo em municípios, estados e na União. Se o foco passar a ser
na produção das leis, uma homogeneidade de propostas conduziria
naturalmente à soma das forças progressivas.
A
criação de uma sociedade mais justa e igualitária não depende tanto de um executivo, como de um
legislativo cujos componentes tenham apreço pela questão social, seja no que concerne à mitigação da desigualdade de renda e
riqueza, como no que concerne a outras questões sensíveis que
adoecem o seio social, envolvendo direitos das minorias, os
preconceitos em geral e notadamente o racial, direitos homoafetivos,
o aborto e outros.
O
congresso atual nos dá a exata dimensão do que é capaz um parlamento dominado por políticos patrimonialistas, fisiológicos,
conservadores e obscurantistas. Nem mesmo Lula será mais capaz de
controlá-lo, talvez nem mesmo com a rendição à fisiologia da
caneta nomeadora. Se um partido de esquerda vencer a próxima eleição
presidencial, possivelmente será uma vitória de pirro. O Brasil
perderá.
Repito
o que disse em outubro de 2015: esquerda, atenção ao legislativo!
Nenhum comentário :
Postar um comentário