
Estive
relendo Machado de Assis num desses dias chuvosos.
Há
quem reclame de dias chuvosos. Não eu. Acho dias chuvosos
indispensáveis. Ás vezes nossas agendas estão repletas de
compromissos sociais que não queremos cumprir mas temos que cumprir
para não magoar alguém querido. Dias chuvosos são uma ótima
desculpa para faltar a esses compromissos e ficar em casa lendo,
assistindo um filme, refletindo ou simplesmente fazendo nada, nem
pensando. Nossos espíritos se engrandecem depois de dias chuvosos.
Pois
num dias desses reli Machado, Quincas Borba. Para quem não leu, faço
um rapidíssimo resumo: o livro conta a história de Rubião, um
ex-professor primário de Barbacena que, em outro livro de Machado,
Memórias Póstumas de Brás Cubas, torna-se enfermeiro e discípulo
de um filósofo chamado Quincas Borba. Quincas Borba falece e deixa
toda sua fortuna para o discípulo Rubião. Rubião resolve vir para
o Rio de Janeiro. Na viagem, conhece um casal, Cristiano e Sofia, e
se apaixona pela Sofia. Cristiano, percebendo o interesse por sua
mulher, manobra para aos poucos ir consumindo toda a fortuna de
Rubião. Nesse processo, Rubião vai enlouquecendo. É basicamente
isso.
Machado,
que dispensa qualquer comentário, é simplesmente fantástico. Ele
descreve a forma com que Sofia vai enredando em sua teia o ingênuo
Rubião, fazendo-lhe pequenas delicadezas, lançando-lhe olhares
vagos mas significativos, enfim, fazendo-lhe uma corte sutil. Mas
essa “conquista” não era por Rubião, mas por seu dinheiro.
O
bom em Machado de Assis é que ele pega uma coisa banal e corriqueira
e a transforma em literatura. Nesse romance, Machado é mordaz ao dar
o nome de Sofia à principal personagem feminina. Sofia, como se
sabe, deriva do vernáculo grego para sabedoria. No romance, nossa
Sofia sobra em esperteza, não em sabedoria.
A
atitude da Sofia machadiana, de utilizar a sedução para a conquista
de interesses materiais, é encontrada na realidade o tempo todo e
não é praticada somente por mulheres. Possivelmente todos conhecem
pessoas que se encantam com o dinheiro ou a posição de alguém.
Cristiano
era mais sincero com seus sentimentos. Era um aproveitador e sabia
disso, usando seu “talento” para ganhar dinheiro. Mas Sofia, não.
Sofia mentia para si mesmo e para os outros à sua volta, sem se dar
conta. Enxergava-se como casta e fiel, mas deixava-se flertar com
esse ou aquele poderoso, como Rubião por exemplo. E se a tal pessoa
fosse mais direta, como Rubião ousou ser, ela recuava, como uma
pudica. Sua castidade, porém, simplesmente esvanecia por completo se
ela também se interessasse pelo homem.
Esse
tipo de pessoa costuma encantar. São falsas, não expressam o que
sentem e apreciam, nas outras pessoas, não o que elas possuem em seu
interior, mas o que elas ostentam materialmente.
As
Sofias da vida constroem uma personagem e levam a vida atuando nesse
papel. Intimamente, todavia, sabem que não são aquilo que
representam. O que talvez não saibam, ou finjam não saber, é que
nem todas as pessoas são enganadas pela personagem, que algumas não
gostam da atuação.
Nem
todos nós somos ingênuos Rubiões. Graças a Deus.
Postagem
original em 18/11/2006, com leve lapidação em novembro de 2014.
Nenhum comentário :
Postar um comentário