quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Zizek e a importância da esquerda radical


Slavoj Zizek, em seu pequeno livro "Bem-vindo ao deserto do real", trata do confronto, ou do falso confronto, entre democracia liberal e fundamentalismo islâmico. Foi escrito a propósito do atentado às torres gêmeas, sendo, dessa forma, um tanto profético em relação aos recentes acontecimentos em Paris. Zizek é uma leitura difícil, não é para iniciantes, como eu. Tanto que, ao arrogantemente tentar ler um de seus livros mais densos, "A visão em paralaxe", a evidente ausência da bagagem necessária me fez desistir da empreitada, repondo o livro na estante à espera do imprescindível amadurecimento intelectual.


Zizek, como todo bom filósofo, e talvez até mais do que a maioria, dada a sua inclinação psicanalítica, produz muito mais indagações do que respostas. Da leitura que fiz de suas falas, tanto em relação ao 11/09, como agora no que concerne ao triste episódio de Paris, o filósofo sugere que a democracia liberal, no que possui de mais conservador, deve entender o papel preponderante que a esquerda radical exerce como fiel da balança da justiça e da paz sociais, ainda que a própria esquerda radical não consiga convencer o povo dos benefícios de seu projeto político utópico.
Em outras palavras, os projetos políticos nascidos no berço da esquerda radical devem ser apropriados pela democracia liberal, com concessão em doses minúsculas, homeopáticas, no intuito de atenuar a pressão social e garantir a manutenção do status quo e da tranquilidade do sagrado mercado. Ao mesmo tempo, tais suaves concessões servem ao propósito de inibir uma eventual escalada ao poder dos representantes da própria esquerda radical.
Claro que essa estratégia cria um paradoxo inescapável: nesse jogo de concessões, de dose homeopática em dose homeopática, o projeto da esquerda vai se materializando aos pouquinhos.
Zizek é um crítico da apatia e da falta de união das esquerdas num projeto político mínimo comum. Essa apatia conduz ao endurecimento do capitalismo, que por sua vez é a fonte geradora das carências populares que formam o caldo catalisador dos fundamentalismos, sejam quais forem.
Dito de outro modo: a insatisfação popular com a política existe, mas não é direcionada com sabedoria pela esquerda de forma a provocar alguma espécie de renovação, ou ruptura mesmo, com o modelo político existente. O povo se vê desorientado, sem liderança que dê voz às suas demandas. Quem, então, se aproveita dessa brecha é o fascismo, político ou religioso, que, com o discurso de ódio, alcança dirigir essa energia popular de insatisfação para a consecução de seus propósitos obscuros.
Outra questão importante pontificada por Zizek é quanto à necessidade de se perder o medo das contra-críticas falaciosas. Ser contra a política de Israel contra os palestinos em nada significa ser antissemita, assim como denunciar o irracional fundamentalismo islâmico não representa um pensamento anti-islamita. Contudo, sempre há uma voz falaciosa a querer transformar uma crítica contra uma coisa em uma demonstração de preconceito contra outra.
O islamismo, como religião, deve ser respeitado, como se devem respeitar todas as religiões. Nenhuma delas, todavia, pode estar acima das críticas ou imune a racionalizações, humorísticas ou não. O respeito ao judaísmo não se estende à concordância com a política israelense. O respeito ao islamismo não pode chegar ao ponto de se concordar com homens-bomba e fatwas mortais.
A Deus o que é de Deus e a César o que é de César.
Os dois fundamentalismos, o liberal-americano e o islâmico, são extremamente daninhos, estão provocando vários pequenos conflitos bélicos e, se não forem freados de alguma forma, acabarão por desencadear uma guerra de grandes proporções, talvez a terceira mundial, que se iniciará, como sempre, sob a aparente capa de guerra de civilizações, de liberdade e de democracia, sob a qual, todavia, subjazem os interesses econômicos das grandes corporações.
Não é impossível que os dois fundamentalismos possuam um articulador único (não, não perco a mania de crer em teorias conspiratórias). Nesse sentido, o alvo de fundo sequer seria o Oriente Médio. A pretensão imbricatória chegaria à Rússia e à China, que são, de fato, os países que ameaçam a hegemonia americana, um no aspecto militar e o outro no econômico. E, quem sabe, ainda levem de lambugem a quebra de Brasil e Índia.
Não se deve esperar sensatez dos belicistas americanos ou dos fundamentalistas islâmicos. Caberá aos líderes religiosos e à Europa exercer esse papel de apaziguador.

Torçamos para que mantenham a sanidade.

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