Gostaria
muito de acreditar que estamos nos aproximando do fundo do poço,
momento que forçaria a composição das forças políticas
adversárias como meio de salvação geral. A ideia de que as
hecatombes são unificadoras é óbvia. O ser humano sempre se une na
tragédia. Um dos maiores avanços civilizatórios jamais
testemunhados na face da Terra, senão o maior, ocorreu logo após o
encerramento de duas de nossas maiores barbaridades: as grandes guerras
mundiais que mantiveram o mundo em suspenso durante meio século.
Na
mitigação do lucro insano, a humanidade desabrochou e floresceu
como nunca dantes. Nascia a preocupação social com sua política de
bem-estar. Época dos baby boomers, dos Trinta Gloriosos da França e
até dos cinquenta anos em cinco de JK. Os poderosos descobriram que
um mundo menos indigno era melhor para os negócios... mas isso durou
um espirro histórico, uns quarenta anos, logo esqueceram e
retornaram à ciranda da loucura financeira. Por paradoxal que seja,
o boom civilizatório pós-Segunda Guerra e o atual caos político
brasileiro possuem algo em comum, ainda que em sentidos inversos: o
medo da esquerda. Explico.
A
convicção de que a miséria era a melhor publicidade e incentivo
para o comunismo convenceu o poder estabelecido a ceder. Ao menos um
pouco do produto do trabalho tinha que retornar para quem
efetivamente produzia a riqueza, os trabalhadores. Isso era vital
para assustar a assombração comunista que avançava intrépida em
direção aos portões da Europa. O receio da influência da União
Soviética forçou o capitalismo a se tornar menos voraz e desumano.
Porém, o início do processo de desestruturação da União
Soviética espantou esse temor. O capitalismo podia voltar a exibir a
sua real natureza e finalidade quando livre de amarras: a predação do ser humano. A
desintegração econômica europeia que está em andamento é produto
direto do fim do medo do comunismo.
Nos
países periféricos, contudo, Brasil no meio, não havia por que
instituir o estado de bem estar. Os bastardos da humanidade não
mereciam a dignidade. Bastou a insuflação de militares para impor
ditaduras sanguinárias que garantiram os investimentos fundados na
superexploração do trabalho. Curiosamente, os militares utilizaram
o anticomunismo como desculpa para o rompimento do processo
democrático. Essa foi a receita adotada em grande parte dos países
terceiro-mundistas. Para estes, somente após o fim dos ciclos
militares se iniciou um pequeno ingresso no sonho do bem estar
social, um retardo de décadas em relação à Europa.
Se
a chegada ao estado de bem estar social foi tardia, o seu fim não
demorou. Está sendo simultâneo ao processo que se desenrola na
Europa. O sonho durou tão pouco que alguns dos bastardos
subdesenvolvidos nem se apercebeu que tinha avançado um degrau na
escada da dignidade humana. Alguns inclusive, desinformados sobre o
que é ser humano, se posicionaram contra a própria elevação de
patamar civilizatório.
Todavia,
enquanto na Europa a derrocada é devida ao fim do medo comunista, no
Brasil é o medo comunista que impede a cessação da crise política.
Na verdade, um antiesquerdismo arraigado na elite travestido de medo
comunista. Através dessas lentes de paranoia, enxerga-se comunismo
onde somente há o desejo de redução das indignidades sociais.
Tem-se,
assim, que o mesmo medo comunista que conduziu a elite da Europa a
adotar políticas de generosidade com sua população, provoca, na
elite nacional, o desejo de fraturar a democracia para estancar os
avanços sociais. É a elite que temos: garantida pelo rentismo,
prefere a falência do próprio negócio do que perder os serviçais,
do que sentar-se ao lado de pobre no avião.
O
antiesquerdismo doentio não quer o empoderamento da população
através da democracia direta, com plebiscitos, referendos e
conselhos populares. O antiesquerdismo doentio brigou contra todo e
qualquer avanço na educação e na saúde da população pobre. O
antiesquerdismo doentio busca evitar a ascensão de políticas de
transferência de renda, pois isso acarreta a mitigação da parcela
da arrecadação destinada ao rentismo. O antiesquerdismo doentio vai
lutar contra o que parece ser a única solução para o abrandamento
da crise: a realização de eleições diretas gerais.
É
por isso que a crise política ainda está distante do fundo do poço:
o saco de maldades capaz de evitar a ascensão da esquerda ainda
contém muitas soluções criativas para ocultar o real combate que
está em jogo que, obviamente, não é o combate à corrupção.
A
elite anticomunista nacional não possui escrúpulos. Se necessário,
Temer terminará o mandato, forjando o tempo necessário para
insuflar a candidatura de outro playboy, Dória, repetindo a experiência Collor. Caso Temer se torne
insustentável, como a Globo parece acreditar, Rodrigo Maia, o
defensor do "Mercado", conduzirá o processo até 2018.
Em
2018, todas as fichas serão colocadas no playboy ou em um similar.
Toda e qualquer candidatura viável com tendência de esquerda será
impedida de se candidatar ou, caso consiga, massacrada
midiaticamente. Nossa elite "esclarecida" optará por Bolsonaro, se necessário for, ou por coisa pior.
É
possível vencer essa avalanche? Sim, mas não sem muito esforço;
não sem muito esclarecimento; não sem muita passeata, muito comício
e muitas caravanas pelo país; provavelmente não sem muito sangue
nas ruas jorrado das cabeças de manifestantes pelo brutal cassetete
de policiais despreparados para a civilidade.
A
força do povo está na multidão reunida e amedrontadora.
A
política? Nesse momento ela não existe e tem que ser reconstruída.
As pontes foram derrubadas por nossas próprias instituições.
O
fundo do poço ainda está distante podemos cair mais. Ou podemos
produzir as batalhas e ir para a guerra. Esvaziado o voto como meio
de pacificação social, é só o que resta. A alternativa é a
subserviência, é acreditar que o que virá é o destino inevitável,
como sempre buscaram acreditar os que foram vilipendiados. Escravos
acreditaram nessa ideia e morreram escravos.
Viver
com medo ou suportando a opressão é uma alternativa. Ou será que
não? Eis a questão.
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