sábado, 10 de junho de 2017

Palhaço!

É assim que me sinto após esse julgamento do TSE. Um palhaço. Sinto em cheio, jogado na minha cara com violência, como se fosse o cassetete de um maníaco fardado quebrando na cabeça de um manifestante, o imenso papel de palhaço que faço nesse circo chamado democracia brasileira. Os insignes ministros, na verdade, não fizeram absolutamente nada que eu não soubesse de antemão que iriam fazer. Há tempos que os tribunais são absolutamente previsíveis: se for contra o PT ou algum político que se tornou cachorro morto (como Cunha), agilizarão o processo e condenarão; se for para beneficiar um político amigo ou contrariar alguém que não hesite em retaliar, retardarão até a prescrição ou absolverão. Para ser sincero, tampouco discordo tão veementemente assim do aspecto técnico do julgado. O problema das coisas, em geral, não é o "quê", mas o "quem" e o "como".
Nesse julgamento, Gilmar Mendes e os ministros que o acompanharam "esculacharam", vamos abrir o verbo no popular. Mostraram despudoramente ao Brasil e ao mundo o que, até pouco tempo atrás, somente os "petralhas" denunciavam e eram tratados como teóricos da conspiração: o judiciário possui uma face para o PT e outra para os políticos amigos, de partidos que militam em favor de uns, mais abastados, e em prejuízo de tantos outros, alguns mais abestados, da classe média, que se apegaram tão ferrenhamente ao antipetismo sob o pálio do falso moralismo anticorrupção e começam a perceber que foram ludibriados. A face que o judiciário arreganha para o PT parecer ser a mesma que costuma exibir para pretos, pobres e prostitutas. Nada como espancar um prejudicado. Afinal, é fácil bater em cachorro republicano, difícil é encarar o rottweiler, como Temer está demonstrando ao arreganhar, babando, seus dentes e garras para os operadores da Lava Jato. Fachin e JBS que o digam.

O voto do relator, Herman Benjamin, colocou a nu a falta de isenção de Gilmar Mendes. Benjamin leu decisões do próprio Gilmar Mendes proferidas quando ele, Gilmar, tinha a intenção de atingir o PT. Aliás, o ministro Gilmar Mendes oferece um exemplo caro ao mundo (bem caro) do quanto o ser humano é capaz de mudar. Talvez possa servir de modelo para os Alcoólatras Anônimos. Por exemplo, para o Gilmar Mendes de dois anos atrás – tempo curto – tudo era admissível, qualquer prova, qualquer evidência, que pudesse prejudicar a Dilma. Às favas com as leis processuais, deve ter pensado o Gilmar de dois anos atrás, o que interessa é evitar que essa quadrilha (o PT) continue no poder. O Gilmar de hoje? A careca é a mesma, mas, o direito aplicado? Quanta diferença. Tornou-se garantista, vejam só. Às favas com o combate à corrupção, pensa o novo Gilmar, o que interessa é manter a tranquilidade institucional no país. Não se pode trocar de presidente a toda hora, portanto, a atual quadrilha (Temer e cupinchas) deve ficar. Se é para o bem geral da minha facção, diga ao povo que o corrupto fica, proclamou D. Gilmar I, à beira do Lago Paranoá.
Esse julgamento comprova que jamais foi intenção do judiciário, ou do MPF, ou da Polícia Federal, forçar os limites da interpretação das leis por uma boa causa, qual seja, como meio de combater a corrupção. Ficou patente ser uma falácia, uma mentira, o entendimento de parte respeitável do judiciário, segundo qual uma ação como a Lava Jato, por ser especial e única, não está submetida ao regramento legal ordinário, sob pena de não atingir seus objetivos, afirmação desonrosa proferida pelo TRF-4. Entendimento esse que, diga-se, pressupõe concordar com a inauguração, na fase supostamente democrática do país, da licitude de um tribunal de exceção. As exceções em nome do bom combate somente possuem um alvo: a esquerda com potencial de atingir o poder pelo voto, que é representada, nesse momento, apenas pelo PT.
A decisão do TSE grita para todos nós: salvo se filiado ao PT, qualquer ladrão pode ser eleito e permanecer no poder, mesmo com todas as provas do mundo. Se for um representante da Casa Grande, pode tudo, porque, para esse, não se aplica a exceção legal da Lava Jato, garante-se a presunção de inocência e salvaguardam-se amplamente as garantias do processo criminal e as constitucionais. E pru sinhôzinho, nada? Tudo! Berrou, divertido, o TSE. E se for um presidente eleito pela esquerda? Ah, se é da senzala a gente inventa uma pedalada fiscal, paga honorários a um advogado senil e a uma advogada louca para acusar e bota pra fora. Cada um no seu lugar, ora que coisa.
Eis o ensinamento do TSE: quando o ladrão é de um partido que não cause medo na Regina Duarte, aí os senhores ministros ficam preocupados com a desordem na economia que um rompimento traumático pode acarretar. Quando for de um partido que não cause rebuliço sonoro pelos favorecidos com suas panelas Le Creuset, aí surge a preocupação institucional com a tranquilidade política e social do país. Se for alguém que irá destruir os direitos sociais, trabalhistas e previdenciários e, por isso, seja considerado pela imprensa como um "mal menor", aí emerge a inquietação ministerial em favor da segurança jurídica. Todas as desculpas são boas para manter no poder um ladrão que seja filiado a qualquer partido, menos ao PT.
Relembrando alguns fatos: (a) Genoíno foi condenado sem uma prova sequer de enriquecimento ilícito, mas apenas por ter assinado um contrato de empréstimo bancário para o PT, que foi declarado à Justiça Eleitoral e, pasmem, foi pago: (b) Dirceu foi condenado sem uma prova sequer, apenas porque a literatura jurídica, pervertida pelo Supremo, permite a condenação de um superior que, certamente, deve saber de tudo o que todos os nomeados fazem (do modo como foi aplicada, a Teoria do Domínio do Fato permite colocar Deus na cadeia, responsável-mor por todas as coisas); (c) Dilma foi defenestrada do poder sem ter cometido crime algum, sem estar indiciada na Lava Jato e sem a existência de qualquer prova sólida de ter sido beneficiária de dinheiro ilícito (o que há é a afirmação sui generis, posterior ao impeachment, e altamente suspeita de um delator da JBS, que diz que a conta era para ela, mas estava em nome do próprio delator); (d) Lula está sendo vítima da maior caçada jurídica que esse país já presenciou, apenas porque frequenta um sítio, cujo proprietário é um amigo e porque visitou um apartamento que pretendia comprar (repetindo a ladainha cansativa, o delator diz que o apartamento era dele, mas está em nome do próprio delator, blá, blá e blá).
Além disso, os políticos do PT que chegaram ao poder e que, após saírem do governo, ganharam dinheiro proferindo palestras ou prestando consultorias, são perseguidos como se o dinheiro dessas atividades fosse sujo. Isso não acontece em relação a políticos de outros partidos, embora seja um comportamento comum de ex-dirigentes. E não somente políticos: quanto o Bernardinho, por exemplo, cobra por palestras após ter sido técnico da seleção brasileira? Quanto FHC cobra (será que o apartamento em Paris foi conquistado assim)? Quanto Bill Clinton cobra? Quanto um juiz federal, após comandar a mais famosa ação criminal do país, cobrará para proferir palestras?
E quanto a Michel Temer? Bom, ele está envolvido até o pescoço em denúncias de corrupção no Porto de Santos, é mencionado diversas vezes na Lava Jato, foi apontado pela JBS como beneficiário de milhões e praticou as mesmas pedaladas fiscais que a Dilma, mas... ah, sendo ele, tudo bem. No problem. Ele é gente como a gente, representa a Casa Grande.
Vejam, não se trata do roto falando do esfarrapado. Primeiro, porque, por razões que não cabe aqui estender, mas tenho diversos textos sobre o assunto no blog que podem ser consultados, não acredito na versão do Mensalão ou do Petrolão sobre a existência de um malévolo controle petista sobre a corrupção brasileira. Essa é a teoria da conspiração dos coxinhas. Sendo assim, não acredito que um governo altamente corrupto tenha sido destituído para moralizar a nação; acredito, pelo contrário, que um governo com nível de honestidade acima da média e empenhado na construção de um projeto decente de país foi destituído por uma camarilha de corruptos para desmoralizar a nação, o que, diga-se, já conseguiram. Sempre com apoio resoluto de insignes representantes da Globo, com seu poder de hipnose e fascínio exercido sobre certos membros do judiciário. Ah, a vaidade, diria Satanás, é o pecado que mais aprecio.
Se houve um período no qual se tentou reduzir a intensidade da corrupção, buscou-se o fortalecimento das instituições de combate, perseguiu-se a difusão da cultura ética no país através do principal instrumento para isso, a educação, isso ocorreu, paradoxalmente, naquele que é considerado por grande parte do povo como o mais corrupto da história, o governo do PT. Nada como a propaganda, diria Goebbels, para transformar ouro em merda, milagre da alquimia midiática.
Curiosamente, o governo mais corrupto da história, mas, dentre os grandes partidos, o que possui o menor número de políticos envolvidos na Lava Jato ou notoriamente enriquecidos com a política. O mais corrupto, mas cujos representantes mais simbólicos moram há décadas no mesmo imóvel de classe média. O mais corrupto, mas cujas provas são inexistentes, muito difíceis de encontrar ou inseguras, como contas bancárias e imóveis em nome dos próprios corruptores, sítios em nome de amigos de décadas, pedalinhos de crianças e barquinhos de alumínio. O mais corrupto, mas em face de cujos políticos há necessidade de criminalização de palestras e consultorias efetivamente proferidas para que se consiga processá-los e condená-los. Não se obtém uma só conta milionária ou propriedades no próprio nome do político. Enquanto isso, em relação a políticos importantes de outros partidos, como alguns paulistas e mineiros, os delatores entregam cópia de depósito bancária e outros documentos. Mas... isso não importa, como gosta de dizer um famoso magistrado do interior do país. O que importa, mesmo, é tornar o cidadão um palhaço.
Sou um palhaço, diz o TSE. Não sei por que, mas tenho a sensação de que não sou o único palhaço nesse imenso circo. Sinto forte a presença de outros 200 milhões de palhaços ao meu lado. Será só imaginação?
Milhões que desejavam que as instituições funcionassem em defesa da democracia. Será que nada vai acontecer?
Democracia que foi o fio condutor da adesão maciça dos brasileiros às gigantescas passeatas "Fora Temer" realizadas no país inteiro. Será que é tudo isso em vão?
O previsível comportamento do judiciário, PGR e outras instituições que falham em pacificar o país de forma republicana e democrática, nos obriga, a todos, que saíamos às ruas, não somente agora, na próxima greve geral, mas ininterruptamente, enquanto as instituições teimarem em desrespeitar os princípios democráticos. Será que vamos conseguir vencer?

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