Finalmente,
depois de long, long time, assisti ao documentário "Lixo
Extraordinário".
Para
quem dele não ouviu falar, trata-se de um belíssimo documentário,
com produção executiva do grande diretor Fernando Meirelles, que
retrata o trabalho que o artista brasileiro radicado em Nova Iorque,
Vik Muniz, realizou em parceria com os catadores de lixo do lixão de
Jardim Gramacho, em Duque de Caxias.
Vik
Muniz é um desses artistas brasileiros que ninguém conhece no
Brasil mas é super-popular no exterior, sendo considerado mesmo um
dos maiores artistas plásticos contemporâneos.
No
aterro sanitário, Vik manteve estreito contato com alguns dos
catadores de lixo, inclusive com suas lideranças, e deles fez
retratos gigantes a partir de material retirado do aterro sanitário.
Ou seja, fez arte com lixo.
Não
vemos, no documentário, nada além daquilo que já fartamente
sabemos. A existência de seres humanos vivendo em condições abaixo
de qualquer linha imaginária que nos divida em classes sociais.
Vivendo como neandertais coletores do que encontram pela frente. Pior
que isso, sobrevivendo das sobras do que somos nós, de nossos
dejetos mais sórdidos, revirando nosso lixo para descobrir nossa
superfluidade e dela usufruir do que possível.
Ainda
assim, a crueza das imagens emociona. As lágrimas visitaram-em em
vários momentos.
E
não somente de tristeza, como também de alegria pela constatação
de que essas mesmas pessoas, assim que uma oportunidade lhes é dada,
são capazes de transformar a miséria de suas próprias vidas em
deleite para a visão deles próprios e dos privilegiados.
A
visão daquelas pessoas construindo algo de belo, as imagens delas
próprias, com o sujo material que, no dia a dia, provavelmente
abominam, é muito, muito, emocionante.
E
como ficaram felizes ao descobrirem a própria capacidade de
transformar o lixo em arte, o sujo em limpeza, a vileza do abjeto na
categoria de beleza da arte, o indigno, o dejeto, em abnegação, em
construção e em boa fortuna.
E
é interessante essa minha surpresa em redescobrir o exaustivamente
sabido e consabido, como se nunca tivesse tido conhecimento das
iniquidades que pesam sobre os pobres, os miseráveis do mundo. Isso
se deve, claro, à conveniente amnésia que temos sobre os fatos que
nos desagradam e sobre os quais temos pouco apetite para o justo
enfrentamento. O fingido desconhecimento nos expia de nossa omissão.
Com ele, somos desobrigados de encarar nossa fraqueza, nossa
pusilanimidade ou, talvez, a impotência que nos deprime.
Seja
por qual motivo for, nós permitimos que essas coisas continuem a
acontecer sem que tomemos nenhuma iniciativa.
Como
o sábio vice-presidente da associação dos catadores de lixo de
Gramacho disse "noventa e nove não é cem", querendo com
isso dizer que mesmo uma só lata reciclada colabora para o bem estar
social e o equilíbrio ambiental.
Do
mesmo modo, a contribuição de um só indivíduo para a solução do
problema da miséria, ainda que frágil, nunca será absolutamente
ineficaz e sempre trará algo de positivo, ainda que para uma única
pessoa necessitada nesse mundo.
O
documentário nos faz pensar sobre a legitimidade de nossos confortos
ante a existência de miseráveis nos quatro cantos do planeta. E
também sobre se cada um de nós, que tivemos sorte, não mais que
sorte, de vermo-nos livres desse destino, não temos um compromisso
de devolver ao menos um pouco dessa sorte para os que dela se viram
desprivilegiados.
O
que podemos, cada um de nós, fazer para melhorar um pouco o nosso
mundo?
Essa
é a pergunta que insistimos, não somente em não responder, mas
sequer em nos fazer.
A
obra: montagem de Vik Muniz, denominada "Sebastião",
produzida a partir do lixo recolhido no aterro sanitário de Jardim
Gramacho. A obra retrata Tião, o presidente da Associação dos
Catadores de Lixo.
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