quarta-feira, 10 de abril de 2013

A mentira tem pernas curtas?


A hipocrisia é parte essencial do ser humano, com valor tão determinante para sua existência social como o cérebro ou o coração. Somos hipócritas por natureza. Hipocrisia é um nome sofisticado de uma outra qualidade (?) humana: a mentira. Portanto, sem usar de eufemismos (que é outro modo de mentir), vamos no popular: somos mentirosos compulsivos por natureza.
Somos tão mentirosos que buscamos desesperadamente acreditar que não somos. Negação é, nada mais, nada menos, do que uma mentira que contamos para nós mesmos. Por exemplo, grande parte das pessoas que lerem esse texto irão negar veementemente que mentem. Não caia nessa automentira, você mente. E muito.
A existência social seria comprometida seriamente, talvez inviabilizada, se as pessoas não mentissem entre si. Essa é a principal razão para mentirmos: porque a mentira é um pré-requisito para a existência em grupo. Estudos acadêmicos da área de psicologia comportamental sustentam que mentimos, em média, uma vez a cada cinco minutos e cerca de duzentas vezes por dia. É muita mentira, mas nada de desespero: pela interpretação contrária desses estudos, nos outros quatro minutos falamos verdades, o que é um consolo.

A motivação para mentir é variada, indo desde a necessidade de ficar bem com o próximo – coisas como “o vestido ficou lindo em você” ou “não, você não está gordo, não, magina” – até o medo de ser punido por alguma infração de ordem moral ou ético-legal.
Eufemismo é, por exemplo, um tipo de mentira que busca reduzir o impacto da verdade desagradável através da troca de denominações, suavizando a realidade.
Maquiagens, cirurgias plásticas meramente estéticas e outros apetrechos de beleza, masculinos e femininos, são mentiras sobre a nossa condição física natural.
O tabu significa uma mentira contada por toda a sociedade contra a verdade do indivíduo, cujo objetivo é impedir que ele faça algo não aceito pela sociedade, muitas vezes por mera hipocrisia (outra mentira).
Aliás, é bastante comum, porque é difícil sustentar uma mentira durante muito tempo, que figuras públicas que hipocritamente atacam determinada conduta, social ou sexual, seja flagrada e apareça nas manchetes dos jornais praticando justamente a conduta que reprimiu nos outros.
Quando cruzamos com alguém desimportante em nossas vidas e fazemos a clássica pergunta “como é que vai?” isso é uma mentira social, pois intimamente estamos pouco nos importando com a vida da pessoa e, sinceramente?, detestamos quando ela, inconvenientemente, ao invés de devolver o clássico “está tudo bem”, resolve nos encher a paciência ao desfiar um rosário de queixas e azedumes. Ora, como costuma brincar uma amiga que amo (não é mentira), "ema, ema, ema, cada um com seus pobrema".
A mentira, pois, é perfeitamente natural no ambiente social. Com isso não se afirma sua validade universal na comunicação, o que seria inclusive autorrefutante. Claro, pois se a mentira é sempre dita, esse texto é mentiroso, o que torna inválido o próprio argumento que pretende afirmar.
Porém, o valor da mentira como amálgama do tecido social é inegável, ao menos nessa sociedade em que vivemos, ditada por comportamentos fingidos e valores invertidos. É possível imaginar uma sociedade de pessoas adultas e maduras na qual a verdade sempre seja dita sem ferir suscetibilidades.
Um diálogo absolutamente sincero de um casal seria mais ou menos assim:
Meu bem, demorei duas horas, mas estou pronta. Como estou”, pergunta ela.
Amor, esse vestido é horroroso e não lhe caiu bem. Ele deve ficar melhor em pessoas magras, em você ficou apertado e te deixou com a aparência de uma casquinha de sorvete. E a maquiagem ficou péssima, pesada”, responde sinceramente ele.
É, acho que você tem razão. Obrigada, amor. Então espere que vou trocar tudo”, concorda ela, racional.
Tudo bem, mas... você vai demorar?”, indaga, ansioso, ele.
Claro, que mulher não se demora? Pelo menos uma hora e meia”, diz ela sorrindo despreocupada.
Putz, eu devia ter mentido”, murmura ele, arrependido.
É, por vezes uma mentirinha social é bastante providencial.

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