A
hipocrisia é parte essencial do ser humano, com valor tão
determinante para sua existência social como o cérebro ou o
coração. Somos hipócritas por natureza. Hipocrisia é um nome
sofisticado de uma outra qualidade (?) humana: a mentira. Portanto, sem usar de eufemismos (que é outro modo de mentir), vamos no popular: somos mentirosos compulsivos
por natureza.
Somos
tão mentirosos que buscamos desesperadamente acreditar que não
somos. Negação é, nada mais, nada menos, do que uma mentira que
contamos para nós mesmos. Por exemplo, grande parte das pessoas que
lerem esse texto irão negar veementemente que mentem. Não caia
nessa automentira, você mente. E muito.
A
existência social seria comprometida seriamente, talvez
inviabilizada, se as pessoas não mentissem entre si. Essa é a
principal razão para mentirmos: porque a mentira é um pré-requisito
para a existência em grupo. Estudos acadêmicos da área de
psicologia comportamental sustentam que mentimos, em média, uma vez
a cada cinco minutos e cerca de duzentas vezes por dia. É muita
mentira, mas nada de desespero: pela interpretação contrária
desses estudos, nos outros quatro minutos falamos verdades, o que é
um consolo.
A
motivação para mentir é variada, indo desde a necessidade de ficar
bem com o próximo – coisas como “o vestido ficou lindo em você”
ou “não, você não está gordo, não, magina” – até o medo de ser
punido por alguma infração de ordem moral ou ético-legal.
Eufemismo
é, por exemplo, um tipo de mentira que busca reduzir o impacto da
verdade desagradável através da troca de denominações, suavizando
a realidade.
Maquiagens,
cirurgias plásticas meramente estéticas e outros apetrechos de
beleza, masculinos e femininos, são mentiras sobre a nossa condição
física natural.
O
tabu significa uma mentira contada por toda a sociedade contra a
verdade do indivíduo, cujo objetivo é impedir que ele faça algo
não aceito pela sociedade, muitas vezes por mera hipocrisia (outra
mentira).
Aliás,
é bastante comum, porque é difícil sustentar uma mentira durante
muito tempo, que figuras públicas que hipocritamente atacam
determinada conduta, social ou sexual, seja flagrada e apareça nas
manchetes dos jornais praticando justamente a conduta que reprimiu nos outros.
Quando
cruzamos com alguém desimportante em nossas vidas e fazemos a
clássica pergunta “como é que vai?” isso é uma mentira social,
pois intimamente estamos pouco nos importando com a vida da pessoa e,
sinceramente?, detestamos quando ela, inconvenientemente, ao invés
de devolver o clássico “está tudo bem”, resolve nos encher a
paciência ao desfiar um rosário de queixas e azedumes. Ora, como
costuma brincar uma amiga que amo (não é mentira), "ema, ema,
ema, cada um com seus pobrema".
A
mentira, pois, é perfeitamente natural no ambiente social. Com isso
não se afirma sua validade universal na comunicação, o que seria
inclusive autorrefutante. Claro, pois se a mentira é sempre dita,
esse texto é mentiroso, o que torna inválido o próprio argumento
que pretende afirmar.
Porém,
o valor da mentira como amálgama do tecido social é inegável, ao
menos nessa sociedade em que vivemos, ditada por comportamentos
fingidos e valores invertidos. É possível imaginar uma sociedade de
pessoas adultas e maduras na qual a verdade sempre seja dita sem
ferir suscetibilidades.
Um
diálogo absolutamente sincero de um casal seria mais ou menos assim:
“Meu
bem, demorei duas horas, mas estou pronta. Como estou”, pergunta
ela.
“Amor,
esse vestido é horroroso e não lhe caiu bem. Ele deve ficar melhor em pessoas magras, em você ficou apertado e te deixou com a aparência de uma casquinha de sorvete. E a maquiagem ficou
péssima, pesada”, responde sinceramente ele.
“É,
acho que você tem razão. Obrigada, amor. Então espere que vou
trocar tudo”, concorda ela, racional.
“Tudo
bem, mas... você vai demorar?”, indaga, ansioso, ele.
“Claro,
que mulher não se demora? Pelo menos uma hora e meia”, diz ela
sorrindo despreocupada.
“Putz,
eu devia ter mentido”, murmura ele, arrependido.
É,
por vezes uma mentirinha social é bastante providencial.
Nenhum comentário :
Postar um comentário