Por que a crise política se eterniza, por que não acaba?
É
a pergunta que me tenho feito insistentemente ante a percepção de que
o Brasil, ao contrário do que tentam fazer crer, não se encontra em
situação econômica pior do que a que já esteve na maior parte de
sua história. Só acredita nisso quem tem menos de cinquenta anos e
não vivenciou a crise que parecia infindável e que durou do início
da década de 1960 até o final da década de 1990, portanto por
cerca de quarenta anos. Até quando contava cerca de quarenta anos de
idade, cheguei a acreditar que jamais viveria num país com uma certa
estabilidade financeira e com uma boa oferta de trabalho e renda para
sua população. Afinal, sou do tempo em que, praticamente em todas
as ruas do Centro do Rio de Janeiro, da porta de cada prédio
jorrava, como uma enorme língua, imensa fila de pessoas
candidatando-se a uma mísera vaga de emprego. Fui parte dessas
línguas em várias oportunidades e arrepiava-me a ideia de ter que
retornar à saliva de uma delas.
É
inegável a enorme contribuição de Itamar Franco, que tomou a si a
responsabilidade de introduzir o Plano Real, e de Fernando Henrique
Cardoso, que continuou a administração do plano após a saída de
Itamar.
No
rigor, contudo, a economia somente estabilizou de fato a partir do
governo Lula, pois durante o governo FHC existiram crises muito piores do que a que atravessamos agora, crises essas que geraram ações governamentais duvidosas que quase puseram o
plano Real a pique.
Muito
ao contrário do que entende a opinião generalizada - principalmente
a do ingênuo que se deixa capitanear pela grande imprensa -, a conjuntura econômica
do país, durante os governos do PT, deve ser considerada
melhor do que a média histórica. Isso se a perspectiva de análise
for além da cegueira e da idiotia causadas pelo estreitamento de
visão que acomete os que se arriscam no exame do objeto a partir
apenas de seu desenho atual. Se observado um prazo mais elástico,
digamos os últimos dez anos, irá se verificar que, no que toca ao
setor produtivo, os bancos ganharam rios de dinheiro, os carros
jorraram dos pátios dos fabricantes de veículos, a agroindústria
bateu recorde atrás de recorde, shoppings pipocaram Brasil afora, a
indústria naval renasceu e a engenharia civil ressuscitou dos
mortos, tanto as de pequeno porte, como as de grandes obras de
infraestrutura. Quem não for cego ou mal-intencionado, não poderá
ter deixado de notar que as grandes cidades do Brasil viraram
canteiros de obras, inclusive com reflexos ruins no trânsito.
No
panorama social, o desemprego despencou, a renda média aumentou, os
brasileiros nunca foram tanto ao exterior e é de conhecimento geral
que os desfavorecidos, ainda que a situação não tenha atingido os níveis desejáveis, foram contemplados com um ganho adicional de riqueza inédito
desde que Cabral avistou o Monte Pascoal. Ações como Mais Médicos,
Caminhos da Escola, Minha Casa, Minha Vida, Prouni, multiplicação
ao dobro das escolas técnicas, Fies e transposição do São
Francisco, para ficar nesses exemplos, possuem potencial para
modificar positivamente a vida de milhões de pessoas que se encontravam às
margens da sociedade, esquecidos desde as capitanias hereditárias.
Para
quem confia minimamente na ciência, as estatísticas estão aí, com
seus números inquestionáveis. Quanto aos céticos, os que não
acreditam em número algum, estes, se forem inteligentes, não irão
aderir à grita, pois, se não podem acreditar, tampouco podem
refutar, já que lhes falta evidência para contestar. Se aderirem
cegamente ao linchamento... bom, então são apenas idiotas e, nesse
caso, estão aptos a acreditar em qualquer coisa, inclusive no Saci
Pererê e em Papai Noel.
Há
um problema econômico atual? Há, claro, mas qual grande país do
mundo que foi poupado? A Europa está em fragalhos, os EUA claudicam,
o Japão está mergulhado em recessão há décadas. Cita-se a China
como exemplo comparativo, negativo para o Brasil, de saúde
econômica, com crescimento gigante de PIB. Compara-se pois laranja
com abacaxi, um país com mais de bilhão de habitantes e que tem
tudo a fazer, e por isso cresce fácil, com outro com população
muito menor e estabilizada, e com desenvolvimento superior, o que
provoca inevitavelmente taxas menores de crescimento. Além disso, tenho
severas reservas em admitir o PIB como bom indicador de
desenvolvimento. Não é, mas não cabe aqui alongar esse outro bom
assunto, sobre o qual já escrevi alguma coisa aqui:
(http://marciovalley.blogspot.com.br/2014/11/a-obsessao-pelo-crescimento-economico.html).
Então, indago novamente, por que a crise não acaba?
Então, indago novamente, por que a crise não acaba?
É
um problema ético, de corrupção? Claro que não. Nem vou me
dirigir a quem acredita que a corrupção é um problema do PT. Estes
são descerebrados e, portanto, como faz piada Leandro Karnal, são felizes. Com esses não há diálogo possível. Porém, para
aqueles que honestamente acreditam ser um problema de grau (ou seja, o PT é mais
corrupto do que os demais), sabem eles que dificilmente isso poderia ser provado.
Historicamente a corrupção é mantida em segredo, o que interessa a
corruptores e corrompidos. É perfeitamente possível construir uma narrativa sólida sobre a corrupção muitas vezes superior dos governos tucanos. Aliás, isso já foi feito em pelo menos dois bons livros que estão no mercado. Seria, assim, apenas uma sensação
subjetiva, fundada principalmente nas "denúncias" dos
jornais. E o outro lado dessa moeda? A absolutamente inusual
publicidade dos supostos escândalos e o aumento fantástico do
número de ações da Polícia Federal não deveriam sinalizar, pelo
contrário, um republicanismo maior dos governos do PT? Não faz ao
menos pensar o comparativo amplamente favorável ao PT, que não usou
a caneta das nomeações, como poderia e como sempre foi feito, para
impedir o perfeito funcionamento das instituições? Não poderiam
ter sido escolhidos Procuradores Gerais da República mais próximos
do projeto petista? Claro que sim. FHC fez isso e foi recompensado
com zero processos com andamento pelo então Engavetador Geral da
República, Geraldo Brindeiro.
Se,
de forma honesta, não se pode dizer que o problema é econômico ou ético, por que cargas d'água a crise ganha ares de infinita?
Creio
que a resposta encontra-se na intercessão de cinco elementos
distintos que agem de forma semi-independente, porém sempre harmônica : (a)
interesse político da oposição, (b) interesse econômico das
empresas de mídia, (c) interesses escusos de determinados agentes
públicos, (d) oportunismo e falta de sensibilidade social das
classes média e rica e (e) a mais pura e simples ignorância.
O
interesse político da oposição
O
interesse político da oposição é óbvio, pois todo partido deseja o poder e pretende nele se perpetuar. Claro, dizem que isso é coisa só do PT e convenientemente "esquecem" de discutir o exemplo do PSDB de São Paulo. Contudo, ante sua total incapacidade
de criar um projeto alternativo ao do PT, o que resta é aderir ao projeto "crise infinita".
Embora parte substancial da
população não se sinta representada pelo PT, direito político
inalienável e democrático do cidadão de se opôr ao governo, o fato é que tampouco se sentem
confortáveis com os representantes da oposição. A parcela do povo
mais ética e possuidora de caráter, e que gostaria de ver a derrota
do PT numa eleição presidencial, possui um quê de vergonha e constrangimento de depositar seu voto num representante do PSDB, partido historicamente
envolvido em notícias de escândalos tantas quantas o PT, não somente durante o período
no qual governou o Brasil, como nos governos estaduais a que chegou,
como São Paulo, Minas e Paraná. São pessoas que certamente não
vêem sentido algum em tirar um partido que entendem como corrupto e
colocar em seu lugar outro com igual pecha ou pior. Por outro lado, tem ciência de que o
voto de protesto em partidos inexpressivos é válido, mas ineficaz e
perigoso, correndo-se o risco de permitir a ascensão de algo mais
daninho.
Uma
aventureira, como Marina Silva, seria a perfeita receptora dos votos
dos descontentes, não tivesse deixado passar a imagem de pessoa que
persegue o poder a qualquer custo, inclusive com partidos políticos
de reputação duvidosa. Ressoa como alpinista política, portanto. Não é que o
PT assim também não proceda, inclusive admitindo alianças um tanto
inescrupulosas, como Maluf em São Paulo. O problema é que Marina,
ao realizar tais alianças, se iguala, na visão dos insatisfeitos,
ao padrão ético desse modelo de política viciada
do país. Além disso, o programa econômico apresentado por Marina
na última eleição conseguiu superar e piorar, em muito, o projeto econômico tucano,
produzindo um programa que era um pesadelo ainda pior em termos de ultraliberalismo econômico. Não houve pudor em
declamar com um sorriso nos lábios que, em nome do bem-estar do
meio-ambiente, produtos como carne, avião, carro e turismo deveriam ser muito caros, coisa reservada somente a ricos. E colocou a
cereja no bolo do descaso com os pobres ao afirmar que o salário
mínimo estava muito alto. Só faltou mesmo dizer que o governo
marineiro iria acabar com o programa bolsa-família, coisa que,
entretanto, ficou entendido nas entrelinhas. Digo “governo marineiro” por
ser impossível identificá-la a qualquer partido. Se a Rede lhe
negar a candidatura a presidente, tenho poucas dúvidas de que ela
fundará outro partido, talvez o Teia, o Tarrafa ou quem sabe o Ecossocial, que
já ficam aqui como sugestões à Marina.
Essa
oposição absolutamente incompetente, tendo concluído, sabiamente
diga-se, que suas chances de chegar ao poder pelo voto eram bastante
reduzidas, apegou-se ao projeto do golpe judiciário, antes somente
realizado em pequenas republiquetas. A oposição, como se vê, além
de incompetente não possui pudor algum em expor o Brasil a essa
vergonha anti-democrática.
Por outro lado, como
a oposição é liderada, fundamentalmente, por pessoas muito ricas,
donas de grandes empresas, grandes propriedades ou grandes igrejas
(tolos daqueles que pensam que as igrejas pertencem a Deus ou aos fieis),
possuem uma vasta rede capilarizada de transmissão de influência
política. A oposição é amiga das famílias
donas dos grandes jornais, das grandes redes de tevê e das grandes
editoras publicadoras de revistas semanais. É praticamente uma só família. Na verdade, os políticos da oposição muitas vezes pertencem a essas famílias donas de meios de comunicação. E os favores podem ser trocados nessa grande rede de
amizade, família e interesses comuns. E por isso passo ao ponto
seguinte.
O
interesse econômico das empresas de mídia
O
fato de que presenciamos, sem dúvida alguma, à maior perseguição
midiática que um governo já sofreu nesse país está cabalmente
evidenciado nos gráficos do Manchetômetro. Para quem está chegando
da Lua, o Manchetômetro é um projeto acadêmico da Universidade
Estadual do Rio de Janeiro - UERJ, sem vinculação com empresas ou
partidos.
O
Manchetômetro comprova que FHC, durante os oito anos de seu governo,
com crise econômica muito pior do que a dos governos petistas, foi
poupado pela grande imprensa. Para quem duvida, os links estão aqui
(http://www.viomundo.com.br/denuncias/manchetometro-fez-ombudsman-engasgar-folha-bajulava-fhc-quando-os-dados-da-economia-eram-piores-que-agora.html)
e aqui
(http://www.manchetometro.com.br/analises-1998/analises98-jornais/).
Novamente
relembro que existem os céticos, que não aceitam nenhum número
estatístico ou estudo acadêmico favorável ao governo, nem se
compadecem pela inexistência de números desfavoráveis. Como já
assinalado, acreditam em Saci Pererê. Os céticos, porém, nesse
caso, não precisam acreditar na ciência, pois, a condição de
oposição ao governo do PT foi declarada e publicamente assumida em
2010, pela então presidente da Associação Nacional de Jornais -
ANJ, Sra. Maria Judith Brito. Quem deixar de acreditar conjuntamente
no Manchetômetro e na condição de oposição assumida pela
presidente da associação midiática, perde de imediato a alta qualidade de
cético e assume uma de valor acentuadamente mais baixo, a de parvo.
Desde
que é assumidamente de oposição a um determinado partido, evidentemente a imprensa perde a
imparcialidade e, com ela, a credibilidade em relação a esse mesmo partido. Não é comum ao ser humano tecer elogios ao inimigo. Manchetes produzidas pelos jornais de oposição não irão elogiar o partido que querem derrubar por bem ou por mal. Confirma-se o
que a análise acadêmica do Manchetômetro demonstrou.
Então,
por que perseguem o PT?
Trata-se, tanto de interesse econômico das
grandes empresas de mídia, como de puro e simples rancor e mágoa
por ver um trabalhador comum, conduzido por um partido dos trabalhadores que
iniciou de pires na mão, chegar ao poder máximo da máquina
administrativa nacional.
Rancor
e mágoa porque, primeiro, os doutores por formação ou por riqueza
(o Brasil é possivelmente o país que mais possui “dotôres” sem
doutorado), que são os novos senhores de engenho, não aceitam ser
governados por um inferior social e cultural, egresso de uma senzala
da caatinga. Segundo, são pessoas que integram a elite do país,
estando assim sujeitos aos mesmos temores que assolam as classes
média e rica, como se verá em tópico adiante.
Quanto
aos interesses econômicos, a rivalidade mídia x PT começa com a
desculpa de retaliação à redistribuição da verba federal de
publicidade, realizada no primeiro governo Lula, que democratizou o
acesso às pequenas empresas de mídia, como rádios, televisões,
jornais e revistas regionais. Assim, o anseio da grande imprensa é
pelo retorno de um partido mais palatável aos seus apetites. Se o PT
é o alvo da oposição da mídia, há pouca dúvida de que o PSDB
seja o partido querido por essa empresa e que deseja ver eternamente na situação, o que já ocorre em São Paulo, sem manchetes desagradáveis mesmo quando enfrenta a maior crise hídrica da história do país e, por isso mesmo, está à beira de uma catástrofe sem paralelos no que concerne às grandes metrópoles do mundo.
Penso,
porém, que se isso pode ser considerado o motivo absolutamente relevante, considero que a realidade vai um pouco além. Tem isso também,
mas tem mais.
A grande imprensa brasileira, em especial as
Organizações Globo, sempre estiveram no polo contrário aos anseios
populares. Em seu apoio antipopular mais horrendo, os grandes jornais do Brasil foram cúmplices dos militares no golpe que aboliu a democracia no país por
mais de vinte anos. Alguns, como a Globo, pediram desculpas depois de cinquenta anos, quando meras desculpas, de fato, não servem para nada.
Líderes populares, como Lula ou Brizola, foram
reiteradamente hostilizados pela poderosa platinada. As alianças
econômicas dessas empresas jornalísticas com seus parceiros internacionais podem estar no
fundo dessa opção antipovo e traduz-se na simples constatação de
que o que interessa ao povo não interessa aos grandes financistas
mundiais, do porte de um Soros, muitos dos quais possuem interesses
afins com as grandes empresas de informação do país.
Especificamente em relação à Globo, há
um outro elemento de peso a considerar: logo em seguida ao governo do
PT, em virtude de transações financeiras ilícitas decorrentes da
Copa de 2002, sofreu ela uma investigação fiscal que resultou
numa multa de mais de um bilhão de reais, em valores atualizados até
2009. O processo fiscal é todo nebuloso, com uma servidora da
Receita sumindo com os autos, sendo presa e recebendo um habeas
corpus do sempre-sempre Gilmar Mendes. O fato é que se trata, muito
provavelmente, de algo inédito na história da empresa. Talvez algo
que mereça uma bem merecida vingança da bolota prateada.
A
poderosíssima Globo, como alinhavado parágrafos atrás, possui
diversas afiliadas cujos donos são deputados federais ou senadores
da República, além de relações com os donos das outras grandes
empresas de mídia e de outros ramos. Além de sua força midiática,
pois, possui influência política e financeira.
Tal
força gigantesca implica necessariamente capacidade de impor um
certo temor reverencial de agentes públicos mais fracos de caráter
e de atrair a simpatia de outros, com menos escrúpulos, que se
vendem pela vontade de manter relação positiva com essa força ou pela mera
vaidade da fama transitória, que trocam em desfavor da própria
biografia.
É
o que veremos a seguir.
Interesses
escusos de determinados agentes públicos
A
imprensa assumidamente de oposição se tornou pródiga, nesse propósito oposicionista, em criar
heróis e vingadores públicos, homens noticiados como de honradez à
toda prova que, com sacrifício pessoal e sem temer pelas próprias
integridade física e vida, realizam o bom combate de atacar a
corrupção do PT.
Curiosamente,
são homens públicos que somente se lançam ou lançaram contra o PT
e alguns partidos de apoio ao governo. Para esse homens públicos,
não há, aparentemente, corrupção em nenhum partido de oposição,
principalmente o PSDB. Atitude que, sem assombro algum, reflete
exatamente a posição declarada pela presidente da Associação
Nacional de Jornais. Nenhum desses paladinos se interessou pelo livro do premiadíssimo jornalista Amaury Ribeiro Junior, Privataria Tucana, embora repleto de denúncias acompanhadas das respectivas provas. Para o PT, basta a denúncia de um estelionatário sem qualquer prova para que seja acionada inclemente a máquina midiático-jurídica, como aconteceu naquele caso do suposto "empresário" de Campinas. O mensalão dos tucanos certamente irá prescrever, embora anterior ao do PT. O trensalão de São Paulo não dá em nada. E por aí vai.
Aparentemente, não são vigilantes da moral e da ética, como são apregoados, mas paladinos contra a ignorância do povo, que não sabe votar e cometeu a insensatez de permitir que o PT permanecesse tanto tempo no poder.
Como
ocorre com quase todos os hipócritas ao redor do mundo, alguns são
incensados pela imprensa num dia e, no seguinte, são presos por
ligações com o crime organizado ou são acusados pelas mesmas
práticas que condenavam em discursos ou sentenças veementes contra
o PT. Nesses casos, as manchetes são inexistentes ou nitidamente menores e duram menos tempo.
Outros,
mais espertos, logo após sair dos holofotes, se aposentam ou se
escondem, antes que se propaguem notícias constrangedoras sobre
imóveis comprados de forma suspeita em paraísos longínquos ou sobre ligações de
um ou outro filho com um desses órgãos de imprensa que se orgulham
de ser oposição.
Alguns
são ainda mais cara-de-pau, ou providos de gigantesco senso da
própria impunidade, e, de suas cadeiras de magistrados da nação, não
hesitam em utilizar a condição de homem público e à salvo das penas
da lei, para realizar política partidária ao proferir discursos inflamados contra o PT, até em
julgamentos que nada tem a ver com esse partido, mas com o avanço da democracia. Enquanto isso, por trás das cortinas da peça que encenam para uma plateia naif,
realizam contratos de prestação de serviços milionários com
órgãos públicos sem licitação. Magistrados, principalmente de tribunais
superiores, em países um pouco mais avançados em matéria de cidadania, se dão o devido
respeito e agem com mais recato, o que é mais próprio de um juiz. Novamente,
não há pudor em tornar o país alvo de chacotas mundo afora.
Outros
não vêem problema ético algum em utilizar práticas medievais,
como prisão por tempo indeterminado, para obter
confissões contra o PT, o que foi reconhecido e criticado pelo Ministro do STF, Teori Zavascki, ou silenciar diante de vazamentos seletivos de processos que estão sob sua direção ou de escutas clandestinas ilegais praticadas pela Polícia Federal. Vale tudo nessa guerra contra o PT. Os fins justificam os meios, como já sabiam os bárbaros de séculos atrás. Tampouco vislumbram problemas de consciência
por ocultar os nomes de tucanos que vão aparecendo nos depoimentos.
Pode ser que seja inclusive casado com alguém que possua ligações
com o PSDB, mas isso não gera qualquer suspeição.
Aliás,
chacota está se tornando rotina na prática pública. Novamente se repete nessa farsa de julgamento de contas
realizada pelo Tribunal de Contas da União, na qual um relator
suspeito de corrupção reprova as contas em julgamento antecipado na
imprensa e, alertado o tribunal sobre essa flagrante ilegalidade, se
enchem de pruridos os demais membros da Corte e, numa demonstração
do mais pernicioso e vil corporativismo, levam apenas dezenove minutos para
reprovar as contas lançadas em milhares de volumes, que representam
um orçamento de mais um trilhão de reais. Celeridade processual e capacidade de síntese é isso aí. O tal do relator, suspeito de corrupção, depois do
resultado do julgamento celebra “um dia histórico no país”.
Acho mais honesto o famoso bordão de um dos personagens mais
pilantras do saudoso Chico Anísio: “Eu sou, mas quem não é?”
Mas estes agentes públicos, embora agentes públicos, em geral também são ricos, assim como os donos das empresas jornalísticas e os líderes da oposição, o que atrai a interpretação do tópico seguinte.
Oportunismo
e falta de sensibilidade social das classes média e rica
Após
a ascensão do PT, revelam-se traços sociológicos até então velados e grotescos da natureza
de grande parte das pessoas que integram as classes média e rica do
Brasil: a insensibilidade social, o elitismo e a
mesquinhez.
Somos
um país historicamente classicista e dominado pela hierarquia, na
qual a classe dos homens bons (leia-se, ricos) admite, no máximo,
adotar uma posição de magnanimidade em relação aos que vêm
abaixo, jamais a de conceder liberdade e autodeterminação. Com essa
historicidade, é fácil compreender, embora sem com isso justificar,
pessoas da classe média, mesmo as da chamada classe média baixa,
que se posicionam contra a valorização do salário-mínimo e contra
o bolsa-família e, via de consequência, contra o PT.
E
é exatamente nessa ordem que nasce o antipetismo mais radical e violento:
a revolta contra o ganho de renda da parcela mais desfavorecida da
sociedade precede o ódio ensandecido contra o PT.
De fato, em seu
início o governo Lula não recebia tantos ataques, tendo parcela
percentual de aceitação superior ao número de votos recebidos,
prova de que pessoas que não votaram nele passaram a respeitar seu
governo. No
entanto, a partir da gradual ascensão da renda, que retirou milhões
da miséria e os alçou à condição de pobres, mas com
possibilidade de viver com alguma dignidade, as coisas começaram a
mudar.
Quanto
mais direitos são concedidos aos pobres, mais o ódio antipetista
cresce, num ambiente em que pessoas bem formadas são capazes de
dizer que o governo não existe para ajudar pobres. Que todos possuem a obrigação de crescer por conta própria, uma declaração meritocrática que parte do princípio de que todos possuem pontos de partida idênticos, o que absolutamente não é verdadeiro. O filho de um miserável da caatinga não possui as mesmas oportunidades que o filho do favelado, que não possui as mesmas que o filho da classe média, que não possui as mesmas que o filho do rico. Declaração que violenta a própria
noção dos objetivos de formação da sociedade humana desde o Contrato Social de Rousseau e a carta dos
direitos humanos que veio consagrar esses objetivos.
Tal discurso não existe nem mesmo nos pensadores mais
prestigiados daquilo que se possa entender por direita, os quais concordam que a questão da pobreza
é uma questão de dignidade humana e, sendo assim, uma questão a ser solvida pelo Estado, divergindo dos de esquerda apenas quanto ao método para
atingir esse ideal de redução das desigualdades (o famoso “crescer
o bolo para depois dividi-lo” de Delfim Neto).
São capazes de defender, ainda, que os pobres beneficiados pelo bolsa-família não tenham direito a voto, um horror anti-democrático e elitista que sequer merece refutação mais aprofundada, dado o baixo nível da argumentação, se é possível denominá-la assim.
São capazes de defender, ainda, que os pobres beneficiados pelo bolsa-família não tenham direito a voto, um horror anti-democrático e elitista que sequer merece refutação mais aprofundada, dado o baixo nível da argumentação, se é possível denominá-la assim.
Essa
a razão primeira do fundamentalismo antipetista: o ódio elitista contra a ascensão do pobre. Afinal, um projeto trabalhista, se
bem sucedido, valorizará o trabalhador, com a consequente oneração
das folhas. Não é que não possam pagar maiores salários aos seus
serviçais: não querem pagar.
Tradicionalmente
as classes mais abastadas do país não gostam de ver o pobre
vestindo sapatos. Isso desqualifica, ainda que muito pouco, a
ostentação da própria riqueza. Fica-se menos especial, e o orgulho
reduz um pouco, quando se é obrigado a sentar no avião, ao lado do desfavorecido que, ainda por cima, em que mundo estamos, tem uma mala Louis Vuitton falsificada igualzinha à minha.
E
há ainda na boca um travo de amargura e inveja: como é possível que eu,
branco, rico, culto, poderoso e, quiçá, bonito e heterossexual, seja presidido por esse nordestino inculto que mal coloca os “esses”
no plural? E representado por esse partido vindo das malocas dos operários? Que
mundo de ponta-cabeça é esse em que um bem-nascido da casa grande deva obediência ao pé-sujo da senzala? E depois, pasmem, segue-se essa mulher
mal-ajambrada, de pouca vaidade, que não tem marido, não
participava de política partidária e, por isso mesmo, discursa com
insegurança?
A
mesquinhez se agrava pela constatação de que, afinal, o que o pobre passou a receber ainda está longe daquilo que o valor da dignidade humana indica
que merece pelo simples fato de ser humano. O bolsa-família
individual é de pouco mais de setenta reais. A filha solteira de
algumas carreiras públicas recebe polpuda pensão pelo resto da vida
sem jamais colocar os pés numa repartição pública, senão para
reclamar algum direito. A juízes é facultado se ausentar do serviços por anos, recebendo salário, para a realização de um mestrado ou de um doutorado. Fala-se aqui de mais vinte mil reais por mês para cada um. Ricos notoriamente pagam quase nenhum imposto de renda, o
que produz sobrecarga nos impostos indiretos como compensação,
gerando acréscimos em todos os produtos que compramos, do arroz ao
carro zero. Contra isso, nenhuma passeata, nenhum corrente de
indignação na rede social, pois isso ocorre com os homens bons. São gente da nossa gente. São da
casa-grande.
Entretanto, contra
setenta reais para cada pobre, contra um salário mínimo de duzentos dólares para o trabalhador, essa grita insana.
O
extravasamento dessa maldade - pois não se pode classificar de outra
forma, isso é sinal claro do mal banal que habita no ser humano, do qual nos fala Hanna Arendt, e
que, dadas as condições ideais, produz coisas indizíveis como o nazismo - que
antes se escondia nos recônditos de cada alma, demonstra que Marilena
Chauí estava correta quando afirmou, em declaração memorável, que
“a classe média é uma abominação política, porque é
fascista, é uma abominação ética porque é violenta, e é uma
abominação cognitiva porque é ignorante”.
E por falar em ignorância, passo ao último tópico.
A
mais pura e simples ignorância
Esse
tópico se encerra em sua própria epígrafe.
De
fato, a ignorância fala por si mesma na justificativa dos equívocos
cometidos. É ela a própria causa do ato de atirar no próprio pé.
A ignorância é uma prisão sem paredes, sem grades, sem cadeados. O ignorante é convencido a se manter preso, no mesmo local, embora possa dali sair quando quiser. O problema é que ele não sabe disso.
No caso da escandalização da política, o ignorante é constituído em massa de manobra, sendo tocado, tal gado, hipnotizado pelo berrante
das manchetes desonestas da grande imprensa comprometida com seus
próprios e escusos interesses. O ignorante não é capaz de
responder de forma crítica aos fatos e informações despejados em
cascata pelos meios de informação. Ele lê, ou ouve, e sacraliza a
escrita ou a voz do apresentador, não lhe sendo possível
acreditar que aquela gente rica, bem educada e bonita iria mentir ou
distorcer a verdade.
Como
afirmou Sérgio Buarque de Holanda, em nossa sociedade autoritária e
hierárquica, a obediência é a contrapartida lógica do ato de
mandar. Os mais desfavorecidos, mantidos na ignorância por conta de
uma inação histórica do Estado brasileiro, inação essa proposital, foi bem adestrado a tomar o seu lugar nessa cadeia de comando e aprendeu a gostar de obedecer. Síndrome de Estocolmo, provavelmente.
Os
ignorantes, embora partícipes desse processo de radicalização
política que certamente possui o objetivo de os prejudicar, são
inocentes, são vítimas. Merecem ser perdoados.
Tenho,
porém, uma distinção a produzir. Há o ignorante sem acesso a
qualquer orientação distinta daquela que lhe ensinou a balançar a
cabeça bovinamente e há o ignorante que, por alguma sorte, obteve
esse acesso. Esse último, após ser orientado e persistindo no
intento de atirar contra o próprio pé, deixa, por definição, de
ser ignorante, pois recebeu o conhecimento, passando à categoria
acima indicada, de parvo ou idiota. Categoria que, aliás, tem
recebido muitas e muitas adesões, sendo provavelmente a maior parcela do
antipetismo atual, já que persistem em sua cegueira apesar de a blogosfera vir sistematicamente denunciando o comportamento pouco ético da imprensa e de alguns
órgãos e pessoas públicas na tentativa de manipulação do processo
democrático.
Caminhamos,
assim, para nos transformarmos numa república de parvos, cavando um
buraco em direção ao próprio inferno.
Parabéns, pelo texto genial, muito bom e esclarecedor. Tem meu apoio integral. O texto de excelente qualidade e de um raciocínio simples e coerente.
ResponderExcluirObrigado, Armando, por prestigiar o blog e pelo elogio. Abraços.
ExcluirGrandiosa postagem, muita esclarecedora. Texto extremamente coerente.
ResponderExcluir