Bastante interessante
esse pequeno artigo de Delfim Netto, publicado no Portal GGN e cujo link
disponibilizo aqui, sobre as condições sociológicas históricas
que dão azo à formação do capitalismo. Destaco a parte em que ele
pontifica que o capitalismo é apenas um momento no processo
histórico, não podendo ser classificado, nem como natural, nem como
eterno. Que ótimo que isso seja dito por um intelectual conservador,
não é mesmo? Delfim corrobora o que costumo dizer: a honestidade
intelectual dá sabor e veracidade à palavra, escrita ou falada,
que, assim, clama por ser consumida. Nada mais detestável do que um
texto sofista e tendencioso.
Tendo a concordar com
Delfim com relação ao que Marx pensaria sobre o capitalismo atual,
que provavelmente o entusiasmaria, embora mantendo a crítica da
imoralidade e da injustiça que o permeia.
Não cabe negar que a
situação da miséria e das condições de trabalho, hoje, aí
incluído o ganho de renda e melhoria das condições higiênicas do
ambiente de trabalho, é bastante superior ao testemunhado por ele em
final do século XIX. Claro que tal melhoria levou mais tempo - um
século - para alcançar uma parcela algo significativa e ainda não
suficiente da população mundial do que seria desejável, já que
sabemos que a concentração da riqueza é de tal magnitude que menos
de um porcento da população mundial detém mais da metade da
riqueza material e que existem bolsões gigantescos da mais
degradante miséria em vários cantos do planeta, alguns totalmente
esquecidos pelo restante da humanidade. Ainda assim não se pode
negar ser um ganho considerável se cotejado com a experiência
histórica dos séculos anteriores, no qual a miséria era a regra.
Delfim faz pequena
referência aos socialistas fabianos, que não acreditavam na
revolução como meio de alcançar o socialismo. O gradualismo
efetivamente se apresenta como uma solução melhor na construção
de uma sociedade mais igualitária e menos autoritária e abusiva do
que rupturas violentas. De modo geral, não se deve aplicar um
remédio que irá matar o paciente. Sendo, não somente possível,
mas provável, a perda de milhares ou milhões de vidas, não haverá
vitória para nenhum dos lados. Revoluções são românticas e
algumas dotadas de um simbolismo inegavelmente marcante, mas
historicamente conduziram a pouco resultado prático em benefício do
povo. Muitas serviram apenas para trocar o tirano por um pior.
Existem países que
alcançaram um grau bem mais elevado de igualdade, como são exemplo
os nórdicos, sem abdicar do capitalismo e sem lançar mão da
convulsão social. Além desses, pacíficos e dispostos a respeitar
os direitos mínimos exigidos pelo princípio da dignidade, pode-se
indagar sobre como categorizar a China de hoje, em termos
sócio-econômicos, senão como exemplo palpável de tentativa de
construção de um modelo de socialismo suavizado, talvez fabiano, no
qual a empresa privada existe, sendo porém submetida a um intenso
grau de controle estatal?
Numa perspectiva
absolutamente hipotética de futuro e imaginando-se uma forte
regulação estatal no mercado de ações que o conduza a negociar
exclusivamente papeis vinculados à produção real, ou seja,
extirpado dessa inclinação para cassino cada vez mais presente em
sua silhueta, por conta de excrescências como derivativos e apostas
em mercado futuro, assim como obrigando todas as empresas a possuírem
ações negociadas na bolsa, ao ponto da pulverização total do
controle acionário, como se poderia denominar um sistema econômico
no qual todos os cidadãos fossem obrigatoriamente remunerados de
forma mista, parte em dinheiro, parte em ações da empresa? Seria,
por assim dizer, uma espécie de cooperativismo conduzido ao seu
extremo máximo. Se são todos, concomitantemente, empregados e
acionistas, que tipo de conflito poderia existir entre as classes? Ou
melhor, ainda se poderia falar em classes?
Não seria essa,
talvez, a contradição maior do capitalismo? A possibilidade
palpável de uma transição gradual e pacífica para o socialismo,
sem traumas e dentro do ambiente e de regras civilizadas, por isso
mitigadas, do próprio capitalismo? Isso seria possível desde que
antecedida essa transição por condições históricas que a
viabilizassem, tais como formação cultural mais sólida da
população, ganho substancial na renda dos trabalhadores, ambiente
de maior democracia e igualdade de peso entre os eleitores e
consequente empoderamento pelo voto.
Quem
imagina que a Revolução Russa deu vazão e esgotou a utopia de Marx
e que a queda do muro de Berlim a ela pôs fim, com isso encerrando a
própria História, precisa recalibrar seu pensamento. Muita água
ainda há de rolar por sob essa ponte chamada civilização.
Nenhum comentário :
Postar um comentário