Este
texto é um comentário ao excelente texto de Ion de Andrade, "Lula,a crise do paradigma Gramsciano e da nossa democracia",
publicado no portal de notícias do GGN, do jornalista Luis Nassif.
Consolidado
o golpe contra Dilma, a indagação que tem incomodado profundamente
desde então é: como as coisas se desenvolverão no quadro político
brasileiro, com ou sem Lula retornando à presidência? Está claro
que o poder estabelecido não aceitará alterações relevantes na
sociedade nem mesmo através do gradualismo, ou seja, dentro das
normas democráticas concernentes ao Pacto Social com as quais ele
próprio (o poder) aquiesceu. Isso já foi demonstrado por meio do
falso impeachment, que conferiu insegurança ao processo democrático.
Não vale mais a escolha povo, que fica subordinada à concordância
do poder real.
A
solução mais emergente para superar o entrave, como já deixei
implícito em texto de minha autoria, seria a guerra civil, uma
revolução. Dado que o poder recusa a mediação da política, resta
abandonar essa via pacífica e partir para o conflito. Todavia, o
custo em termos de sofrimento humano é imprevisível, principalmente
num quadro de normatividade criado, a partir de 2001, para reduzir os
direitos e liberdades individuais em função da disseminação da
falsa bandeira de segurança contra o terrorismo. Hoje, coletivos
organizados politicamente estão sendo criminalizados vigorosamente
em torno do mundo. Tenta-se enquadrar todo e qualquer movimento
popular como "terrorista". Sendo assim, há de ser
ponderado, no processo de escolha do meio de luta, se as condições
materiais de existência da maioria da população são de tal ordem
indignas que justificam a tomada do poder pelo proletariado
independentemente do preço a pagar.
Além
disso, por paradoxal que possa parecer, a implementação das redes
sociais como mecanismo de troca de informações e disseminação de
ideias de forma ultrarrápida parece ter caminhado na direção
contrária da que se supunha seguiria, conduzido os indivíduos a um
processo de atomização acelerado. O processo foi facilitado,
propositalmente, pelo mecanismo algorítimico utilizado na internet
para a escolha dos temas que aparecem nas telas de cada um. Com cada
um entricheirado em suas próprias posições ideológicas, recebendo
basicamente as informações com as quais concorda, a aglutinação
da população em torno de um projeto audacioso e extremamente
perigoso, como é o de enfrentar a violência estrutural criada para
estagnar o modelo de hierarquização da sociedade, fica efetivamente
quase inviabilizado. Isso, aliado ao processo de enfraquecimento das
representações sindicais e da fragilidade dos estados nacionais
frente à mobilidade do capital criado pela globalização, gera uma
certa incredulidade na capacidade de modificação da estrutura de
poder através da mobilização popular.
Ao
que parece, um levante popular na contemporaneidade exige o
surgimento de condições de indignidade existencial de extrema
magnitude, não bastando o mero testemunho da pobreza e da miséria,
pois são percebidas, ainda que erradamente, como transitórias e
circunstanciais a um "programa econômico de governo" e não
como o resultado inevitável do sistema em si. Nisso, o papel da
grande imprensa é fundamental para defender os pontos de interesse
do poder real. Num governo incômodo, uma taxa de crescimento de três
por cento será alardeada como insuficiente em vista da grandeza da
dívida pública. Num governo mais simpático ao poder, um
crescimento de dois décimos percentuais será comemorado, mesmo ante
uma dívida pública muito maior do que aquela que se dizia iria
quebrar o país.
Se
a política se revela ineficiente como meio de alteração gradativa
do quadro do poder e povo está desmobilizado para conquistar à
força a fatia a que faz jus desse latifúndio, como resolver essa
equação? A sugestão de unir as diversas frentes de afirmação
(gênero, orientação, etnia, etc) em um único projeto de mitigação
das desigualdades provocadas pelo modelo de hierarquização social é
bastante interessante, mas esbarra na constatação de que cada um
desses coletivos é formado por múltiplas orientações políticas
individuais, tratando-se de missão bastante difícil lhes conferir
coesão.
Resta
a cada um o trabalho de Sísifo de conscientizar, conscientizar e
conscientizar, tarefa difícil por envolver a entrada na profunda
trincheira da opinião política do outro. É um trabalho árduo e
certamente será demorado. Após o impeachment de Dilma e mesmo que,
surpreendentemente, Lula seja reeleito em 2018, as circunstâncias do
Brasil não permitem crer em um tempo inferior a dez anos para a cura
das feridas abertas pelo ataque à democracia.
Mas,
há um trabalho a ser feito. Que o façamos, pois.
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