O mandato presidencial de Bolsonaro não se sustentará até o fim do ano de 2021; na verdade, talvez não passe de agosto. Pensamento positivo ou desejoso? Sim, um pouco, talvez, pois esperança é a última que morre, mas não totalmente. Há base fático-argumentativa para a previsão.
A principal delas não é a recente elegibilidade de Lula, que provocou alguns espasmos em Bolsonaro, nem tão significativos assim, como usar máscaras e trocar um ministro bolsonarista inútil por outro bem parecido. Mudar presidente no voto, só em 2022, seja Lula ou qualquer outro, o que significa que os virtuais eleitos somente poderão atuar na saúde a partir de janeiro de 2023. Até lá, mantidas as atuais condições de temperatura e pressão, o vírus da covid terá desistido do Brasil por falta de corpos vivos para infectar. O fato capaz de determinar uma alteração no rumo do combate à pandemia antes de 2022 seria o afastamento de Bolsonaro e a assunção de um substituto, talvez Mourão, talvez outro mais qualificado, se o vice afundar com o presidente. Como disse, esperança...
E que situação tem potencial para detonar Bolsonaro antes de 2022? O desenvolvimento e consequente agravamento da pandemia, o que, parece inevitável, ocorrerá. A grande questão é que, com a eleição de Bolsonaro, o Brasil atravessou o portal do inferno. Segundo Dante, encimando esse portal, pendura-se uma placa com a inscrição: “Deixai toda a esperança, oh, vós que entrais”. De fato, com Bolsonaro no papel de Lúcifer, já estamos no inferno que a insegurança quanto ao prosseguimento da própria vida nos faz padecer mesmo antes da morte. Portanto, percamos as esperanças: não há mais tempo hábil para evitar o genocídio de parte significativa dos brasileiros; porém, ainda há para reduzir bastante a extensão do apocalipse, desde que mudanças essenciais sejam produzidas; e rápido.
Por que não há esperança? Ocorre que, por conta de uma inacreditável irresponsabilidade do governo federal, ou, quem sabe, em virtude de um planejamento mirabolante para lucrar politicamente com a tragédia, compras de vacinas e outros insumos médicos imprescindíveis não foram feitas no tempo devido e nem mesmo agora estão sendo realizadas. Ainda que houvesse, nesse momento, disposição política para isso (e assim não vemos), dado o ponto a que já chegamos, serão meros paliativos; não existe mais possibilidade de que estejam disponíveis a tempo de evitar o desastre humanitário. Com vacina ou sem vacina, o estrago já está feito e assumirá proporções bíblicas se mantido Bolsonaro na presidência. Sem ele, todavia, ainda é possível reduzir a dimensão da calamidade.
Ainda que vacinas tivéssemos, e nãos as temos, haveria de ser levado em conta todo o tempo necessário para a compra, o recebimento, a conservação, a distribuição, a organização local e a vacinação em si. Simplesmente, não temos esse tempo todo numa epidemia que, infelizmente para nós brasileiros, a desídia, covardia e monstruosidade de Bolsonaro tornou feroz, gigantesca e com disseminação descontrolada. Num quadro assim, a contenção da propagação do vírus somente seria possível através da imposição de um isolamento bastante severo, que atingisse mais de 70% da população do país e com intensa fiscalização para impedir a ação dos descontentes. Algo como experimentado pela China ou pela Nova Zelândia. Com Bolsonaro no comando da nação, isso jamais ocorrerá.
Bolsonaro enxerga o lockdown como uma abominação mercadológica, um palavrão comunista contra o capital. Trata-se, sem mais nem menos, de questão de (des)honra bolsonarista: morram todos, mas com o comércio de portas abertas e pouco importa se há alma viva desejando ou em condições de consumir. O anti-Messias não é somente contrário ao fechamento geral, o que já seria ruim demais; mas, não, além disso dedica-se a aterrorizar governadores e prefeitos com ameaças de retaliação orçamentária e até com investidas da Polícia Federal caso adotem medidas de contenção ao livre trânsito das pessoas.
Até aqui, a doença já levou cerca de 300 mil de nossos amados; ao final desse ano, mantida a média móvel atual, um número próximo a um milhão de brasileiros terão morrido de “gripezinha” ou “mimimi”, mesmo se médicos inescrupulosos entupirem os contaminados com cloroquina ou ivermectina, cujos efeitos terapêuticos se estendem num gradiente que vai de perigosos a nenhum. Considerada a média móvel atual, de 2 mil mortos diários, 60 mil sucumbiriam mensalmente ao vírus; faltando 10 dias de março e mais nove meses até o fim do ano, seriam 560 mil até 31 de dezembro; somados aos que faleceram até agora, chegar-se-ia a 860 mil mortos, em montante aproximado para baixo.
Um número assim já seria horroroso, inimaginável. Ocorre que as coisas não são assim tão simples e no fundo do poço tem um alçapão. Contas com números grandes não se movimentam desse modo simplório; costumem aumentar geometricamente. Não sou matemático, e peço auxílio de quem seja, mas é certo que quanto maior o número de infectados, mais acelerada a disseminação do vírus na população, o que faz multiplicar o crescimento, não somente do número de mortos, mas também do percentual de aumento da própria média diária de óbitos. Uma exponenciação alimenta a outra.
Em função da falta de zelo com o povo, inação criminosa ou quem sabe sabotagem de Bolsonaro em relação aos procedimentos de combate desde o início da pandemia, um ano atrás, a covid se espalha de modo praticamente livre, sem contenções de monta, o que possibilita alguns cálculos, ainda que pouco aprofundados devido aos meus estreitos conhecimentos estatísticos. Por exemplo, em 27 de fevereiro de 2021, a média móvel era de 1.180 mortos diários; de lá para cá, essa média subiu ininterruptamente, até chegar, no dia 16 de março, a 1.976 mortos, um crescimento de 67% em apenas 17 dias, quase 4% ao dia. Caso o vírus continue a encontrar caminho livre em sua disseminação, como vem ocorrendo, esses dados permitem visualizar possibilidades da tragédia que são assombrosas.
Ainda que se adote a matemática simplória de considerar uma progressão percentual rígida – o que não é natural, pois a tendência é o aumento do percentual em proporção à multiplicação dos casos – de 2% por dia, metade do que vemos agora, a média móvel diária, nessa hipótese, cresceria 60% a cada mês, atingindo: 3.161 mortos em 16 de abril; 5.057 em 16 de maio; 8.091 em 16 de junho; 12.945 em 16 de julho; 20.712 em 16 de agosto; 33.139 em 16 de setembro; 53.022 em 16 de outubro; 84.835 em 16 de novembro; 135.736 em 16 de dezembro.
Considerando-se essas médias móveis e fazendo-se uma multiplicação simples por 30 dias em todos os meses, chegaremos aos seguintes totais de pessoas mortas por mês de coronavírus: 94.830 em abril; 151.710 em maio; 242.730 em junho; 388.350 em julho; 621.360 em agosto; 994.170 em setembro; 1.590.660 em outubro; 2.545.050 em novembro; e 4.072.080 em dezembro.
Em outras palavras, a ausência de efetividade no combate à pandemia que hoje se observa, se mantida, pode conduzir à morte de praticamente 11 milhões de brasileiros e brasileiras, entre crianças, adultos e idosos; isso num cálculo simplório, que considera a metade do percentual atual de crescimento da média móvel, além de não se levar em conta a possibilidade de exponenciação do percentual de aumento. Todos nós estamos sob grave risco de morte até o final do ano caso Bolsonaro permaneça à frente do governo brasileiro. É bom reprisar: mantê-lo na presidência importa persistir em uma política pública de saúde (ou melhor, ausência dela) que coloca em risco direto a vida de, minimamente, 5% da população brasileira somente nesse ano de 2021. Não fiz e nem desejo fazer o cálculo das possíveis mortes caso um genocídio dessa magnitude se mantenha até 2022.
Não se preocupem, não creio que isso chegará a ocorrer. No máximo, em julho ou agosto, nessa hipótese, quando a soma de mortos ultrapassaria um milhão de pessoas, Bolsonaro cairá. Será impossível sustentá-lo e às suas loucuras numa hecatombe dessa natureza. É uma lástima, e espero que não aconteça assim, que seja necessária tamanha tragédia para afastar alguém que sequer tinha condições psicológicas de ser candidato; que nem deveria ter sido eleito e que, eleito, já deveria ter sido afastado logo nos primeiros meses de mandato, dado o envolvimento em diversos crimes de responsabilidade já submetidos a um Congresso, até agora, omisso e, por isso mesmo, cúmplice.
As forças políticas que hoje ainda se acovardam em promover o impeachment são fundamentalmente representantes dos ricos, não do povo. De fato, a maior parte dos parlamentares integra bancadas corporativas que não batalham pelos interesses do povo, mas dos ricos que bancaram seus mandatos. A bancada Lemann, por exemplo, é integrada por jovens representantes políticos, como Tabata Amaral, cujo aprendizado e campanhas foram custeadas pelo bilionário José Paulo Lemann, de quem se costuma dizer ser brasileiro. Basta analisar os votos da deputada Tabata em votações importantes para os brasileiros, como a reforma previdenciária ou a autonomia do Banco Central, para perceber os interesses por ela albergados e que sequer traduzem os dela própria e de sua família, ao menos por ora, enquanto ainda, talvez, possa ser considerada pobre, mas possivelmente os de Lemann. Para confundir a cabeça dos eleitores, a bancada Lemann costuma integrar partidos considerados de esquerda, como o PDT de Tabata e o PSB do namorado.
Até agora, esses parlamentares representantes dos ricos, ainda que parasitando partidos de esquerda, assistem silenciosa e impassivelmente ao morticínio noticiado todos os dias pelos jornais, no máximo resmungando uma ou outra reclamação protocolar, sem efeito prático algum. Contudo, serão tragados pelos imperativos da política interna, pelos interesses do mercado nacional, mas, talvez principalmente, pelas forças geopolíticas econômicas que se movimentarão contra a demonstração de insensibilidade e insensatez dos nossos ricos e desses políticos mesquinhos que os representam. Não se trata de dizer que as forças do mercado internacional não aceitam barbaridades; aceitam, mas somente até o ponto em que se apresentem favoráveis ao lucro. Mortos, é bom lembrar, somente contribuem para o lucro do mercado até a compra do caixão e do túmulo por suas famílias; a partir daí, deixam a condição vital de consumidores, o que não é bom para os negócios. De que adianta, para a Volkswagen ou para a Ford, p.ex., ter um governo que comunga de seus princípios neoliberais, quando se vê na contingência de ter que fechar as portas de suas fábricas em função, não do estabelecido em conchavos de gabinete, mas da realidade fatídica?
Some-se a isso o fato de que a contagem de pessoas ricas, famosas e de representantes políticos também não para de subir. Para nós, meros mortais, essas vidas são tão ou até menos valiosas do que as dos nossos entes queridos que sucumbiram à “gripezinha”. Para os poderosos, porém, sem dúvida alguma, claro que são vistas como prioritárias. Se nada fizeram enquanto eram os pobres desconhecidos que morriam aos montes, certamente farão quando o número de senadores suplentes tomando posse começa a aumentar; ou quando as capas da Caras passarem a ilustrar a da revista Tumbas. Se a covid levar uma das nossas capas da Forbes para o cemitério, não tenham dúvida, o mandato de Bolsonaro não chega ao dia seguinte ao enterro. Um exemplo seria o próprio Lemann já mencionado, embora a hipótese seja absolutamente improvável; ele não mora no país, tenho dúvida se já morou algum dia, e certamente já foi vacinado no país social-democrata, não neoliberal, no qual reside na Europa, totalmente livre das inseguranças tupiniquins. Vejam: não é um desejo, não chego a esse ponto de ojeriza aos que possuem as condições materiais para tornar o mundo melhor, mas se preocupam apenas com esnobismo e ostentação. Trata-se apenas de uma constatação: o poder se movimenta mais aceleradamente quando a conjuntura passa a incomodar o andar de cima; e parece que já começou a incomodar.
Em 2018, antes da eleição, foram vários os alertas para as possibilidades funestas da eleição de um indivíduo com claros sinais de desequilíbrio mental e emocional para a presidência do país. Tais sinais estiveram à mostra durante os 30 anos nos quais Bolsonaro atuou politicamente antes de se candidatar a presidente. Não eram notícias falsas, eram avisos fundados em declarações dadas por ele ao longo dos anos, gravadas em áudio e vídeo. Surpreendentemente, isso não bastou para eliminá-lo da disputa.
Agora, novamente estamos às voltas com evidências gigantescas da tragédia humanitário que se aproxima. Basta querer ver que serão enxergadas.
O Brasil fingirá cegueira, mais uma vez?
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