
Minha
querida amiga,
Contaram-me
sobre sua crise nervosa. Entristeceu-me, pois tenho carinho por você
e sei que algo dessa espécie não ocorre com ninguém gratuitamente.
É reflexo de algo muito intenso que a pessoa carrega dentro de si.
Significa que a pessoa sofre. E a gente se entristece quando sabe do
sofrimento de alguém por quem nutrimos carinho. E mesmo amigos
próximos às vezes não sabem como lidar com situações extremas
vivenciadas pelo amigo que sofre. Ficam sem saber bem o que fazer
para ajudar. Não sabem se a pessoa, conturbada pela vivência da
aflição, quer aproximação ou distância. Há sofredores que
necessitam muito falar. Há os que, pelo contrário, queiram calar.
Quem ama e sabe da dor do amigo quer muito fazer algo, mas eis que
surge o receio de, ao invés de ajudar, agravar o que já não é
pequeno.
E
assim, incerto quanto à minha conduta, resolvi escrever o que sinto,
o que penso. Porque um texto vindo de uma pessoa amiga é algo muito
próximo, mas distante ao mesmo tempo. Através dele, o interlocutor
consegue transmitir sua emoção, ou parte dela, sem impor sua
presença física que eventualmente pode incomodar àquele que anseia
por um momento de introspecção. É como se a gente pudesse, dentro
de um envelope ou através do e-mail, remeter apenas a parte de nós
que interessa. Uma parcela de nossa alma remetida via internet. Ou
pelo carteiro.
É
óbvio que mesmo um texto pode, ainda assim, significar alguma
invasão se a pessoa pretende isolamento total. Porém, há a
vantagem de que, sendo esse o caso, a pessoa pode simplesmente rasgar
o papel ou deletar a mensagem. Privacidade garantida.
Falo
isso tudo para te pedir desculpas antecipadas se por acaso essa
mensagem for inconveniente. Mas, como disse, sem saber direito o que
fazer, mas não querendo ficar sem fazer nada, por te querer bem,
resolvi escrever. Sorry!
A
primeira coisa que resolvi foi não usar de subterfúgios. Tanto que
comecei por escrever que havia ficado ciente de sua CRISE NERVOSA.
Porque ela foi isso mesmo: uma crise nervosa. Essa coisa já acometeu
milhões e milhões de pessoas na história do mundo e ainda irá
acometer outras tantas no futuro. É isso mesmo. Isso não aconteceu
somente com você, é algo extremamente comum e decorre dessa
velocidade em que vivemos, desse stress a que nos submetemos, dessa
merda de vida moderna que vivemos, apressada, competitiva,
consumista, de aparências, fútil. Cujos valores são virados de
cabeça para baixo sub-repticiamente, sem que notemos. Nós nos
acostumamos, erradamente, a pensar que não existe outro estilo de
vida, mais vagaroso, menos exigente e sem tentação maior do que
viver em paz conosco mesmos, com nossa família e cultivar boas
amizades.
Isso,
que aconteceu contigo, poderia ter ocorrido comigo. Sim,
perfeitamente (ou imperfeitamente, sei lá). E para dizer a verdade,
já quase aconteceu. Porque todos nós sentimos, vez ou outra, essa
sensação de que jamais seremos capazes de atender às expectativas
das pessoas ou às nossas próprias. E é essa pressão contínua que
exercemos sobre nós mesmos que nos faz, por vezes, ter essa vontade
de gritar, como uma forma de protesto contra tudo o que nós mesmos
fazemos conosco.
Porque,
no fundo, amada amiga, nossa rebelião não é contra o mundo, é
contra essa guerra que travamos em nosso íntimo. Onde, de um lado,
está a pessoa que percebemos em nós, escondida em algum recôndito,
e de outro, aquela que efetivamente se apresenta no espelho.
Isso,
minha amiga, não é coisa sua. É coisa nossa, é coisa do ser
humano. Ás vezes, a gente simplesmente grita. É assim mesmo.
O
verdadeiro problema, porém, é: o que fazer depois do grito?
Sim,
porque o grito evidencia a dor e pode amenizá-la por instantes, mas
não a cura. O grito é apenas o sintoma da doença, que pede um bom
remédio. E o remédio é subjetivo. Não há uma receita geral. É
como remédio encomendado em farmácia de manipulação, cada um avia
uma receita única, feita sob medida. O seu remédio eu não sei.
Talvez não saiba nem o meu.
Embora,
contudo, não saiba exatamente o que fazer, acho que posso opinar
sobre o que não fazer. E como amigo que guarda você com carinho no
coração eu vou tomar a liberdade de te dizer esses meu palpites.
Primeiro,
não se envergonhe do que ocorreu. Você teve uma crise nervosa, um
momento de insanidade, e ponto final. Isso acontece e pode acontecer
com qualquer um. Ninguém que realmente te ame vai passar a vê-la
com olhos diferentes do que os que antes te viam. Para esses, você
continuará a ser essa menina meiga, inteligente e bonita que você
é. E uma profissional competente e capaz. O que ocorreu não te
desmerece de jeito nenhum. Não se trata de um defeito e ainda que
fosse, vou te contar um segredo: desculpe-me mas nunca achei que você
fosse perfeita. Nem se exija perfeição. Somente Deus a detém e
trata-se de virtude que a ninguém mais foi concedida (ele até
titubeou a meu respeito, mas no final achou por bem privar-me de
vinte centímetros... de altura).
Segundo,
não se iniba em pedir ajuda, inclusive a você mesma. Já que esse
grito ficou incontido, é hora de tirar algum proveito. Reavalie tudo
em sua vida. Tintim por tintim. Pese, sopese e repese todas as suas
decisões. Veja o que é descartável e descarte. Verifique o que é
absolutamente indispensável e agarre-o. A sua crise, como um vulcão
enfurecido que expõe a sua lava quente para quem quiser ver, deixou
claro para todos a dimensão de sua dor. E todos os que te querem bem
estão, nesse momento, dispostos a qualquer coisa para ajudar. Pois
peça e será ajudada. A questão agora, para quem lhe é próximo,
não é ajudar ou não, a questão é como ajudar e aí cabe a você
dizer de que forma essas pessoas poderão te ajudar. Peça.
Terceiro,
o mais rápido possível saia com amigos para bater papo, beber (não
muito) e dançar. Se quiser, converse com alguém mais chegado sobre
o que ocorreu. Se não ficar à vontade, fale sobre qualquer coisa e
ria. Isso que ocorreu somente será um marco sombrio em sua vida se
você permitir que o seja. Se não permitir, poderá ser um marco
radiante, lembrado no futuro como o momento em que a amiga cheia de
dúvidas e questionamentos os superou e seguiu em frente. E venceu.
Quarto,
não baseie a sua felicidade no outro e jamais tenha desejos
inalcançáveis. Buscar a própria felicidade em outra pessoa, assim
como possuir desejos inalcançáveis, são práticas que
costumeiramente produzem frustração e tristeza. A sua felicidade
deve estar em você mesma e deve acompanhá-la por onde você for,
onde você estiver. Ser feliz sozinha é indispensável, mesmo
estando acompanhada. Desejos difíceis são possíveis, os
inalcançáveis, jamais. Mesmo em relação aos difíceis, não force
a barra. Tenha desejos bacanas, possíveis e alcançáveis.
Persiga-os com os pés no chão.
Para
finalizar esse testamento, minha querida amiga, tenha a certeza de
que o tempo é um santo curativo. Brevemente você estará fazendo
piada desse episódio. Nesse dia, essa dor, que hoje é tormento,
será alegria e contentamento.
Encerro
essa carta com um beijo e desejo de esperança. Porque esperança não
é somente a última que morre, mas a primeira que nos salva.
Marcito,vc e um craque com as palavras. Sua 'amiga' da carta acima certamente estara muito reconfortada depois de le-lo. Adorei, principalmente pela sensibilidade em captar a alma feminina.Bj, DAISY
ResponderExcluirObrigado, Daisoca, pela gentileza.
ResponderExcluirBeijos.