
Durante
a campanha eleitoral de 2010, li um artigo da Agência Estado,
assinado pelas jornalistas Anne Wrth e Ana Conceição, cujo título
é, segundo penso, simplesmente ridículo: "Como o senhor rei
mandar...".
O
título pretendia sugerir que os eleitores do PT são ignorantes que
respondem com seus votos ao simples clientelismo.
A
análise, contudo, de nossa história recente, talvez de uns 20 anos
para cá, dá conta de que os eleitores de esquerda, o que inclui
maciçamente os do PT, integram a parcela mais politizada e
esclarecida do país.
Não
se discute o direito democrático de parcela da população lamentar
a decisão da maioria de reconduzir o PT ao poder. Não cabe,
todavia, a insinuação de que isso decorra de puro clientelismo.
O
PT já arrebanhava cerca de 30% do eleitorado antes mesmo de chegar
ao poder federal. Por outro lado, faz parte do sistema democrático
em todo o mundo que o atual mandatário do poder apresente o trabalho
feito durante seu mandato, mesmo os ainda estejam em andamento, como
vitrine de sua campanha. Isso, de fato, lhe confere vantagem sobre os
candidatos de oposição, que somente podem falar sobre suas
intenções de fazer.
Basta
lembrar que, à época do PSDB no poder, o então presidente Fernando
Henrique Cardoso utilizou-se bem desse mesmo sistema e reelegeu-se.
Não logrou, entretanto, eleger aquele que indicou como seu sucessor,
o mesmo José Serra, estritamente em virtude do repúdio popular
manifestado em seu segundo mandato.
O
governo do PT, com Lula, apresentou falhas, é verdade, mas também
muitos méritos. Estes méritos é que elegeram a Dilma. E a
oposição, sem discurso programático consistente e adernando à
direita, insistiu no discurso vazio, em insuflações de escândalos,
em comparar o Brasil com Cuba, ou com o Irã. Nesse último caso, a
assertiva oposicionista beira a infantilidade, querendo fazer crer
que, somente pelo fato de Lula ter se manifestado dessa ou daquela
forma sobre a política internacional relativa a esse ou aquele outro
tema, isso implica necessariamente em uma intenção de aplicar ao
Brasil o modelo desse ou daquele país.
Ou
são ignorantes, ou fingem ignorância.
Não
é porque o Obama, por exemplo, posiciona-se amigavelmente perante a
China que se pode afirmar compactuar ele com os crimes políticos
praticados por aquele país, com seus fuzilamentos e suas
perseguições políticas.
O
Brasil tem suas razões para ser amistoso com o regime de Cuba, ou
com o regime dos aiatolás, e isso não importa de forma nenhuma em
concordar com determinadas práticas desses países.
Constitui
pura ingenuidade imaginar ser possível ao presidente de qualquer
país e agradar a todos.
Há
um quê de provincianismo em massacrar Lula por qualquer
posicionamento político manifestado por ele. Se Lula concorda com
algo, massacre. Se discorda, massacre pior.
Tal
animosidade manifesta pode advir de um espírito de colonizado ou
mesmo de incapacidade pura e simples de perceber a realidade de uma
forma mais abrangente. Ou ainda ser proveniente de despeito, ante a
percepção de que Lula não chegou nem perto de ser o fracasso que
imaginaram que seria.
O
mesmo se pode dizer dessa tentativa de fazer crer que, dentre os
eleitores mais intelectualizados, o PT não conseguiria sequer 30%
dos votos. Trata-se de mentira logo desmascarada pelo explícito
apoio dos filósofos, dos intelectuais e dos artistas, manifestado em
ato público.
E
assim foi a campanha, com construção de sofismas, com argumentações
tortuosas salpicadas de pitadas de pequenas mentiras.
O
problema é que as mentiras iniciadas pela palavra de uma pessoa
pública ou por um veículo de renome, passam a ser repetidas à
exaustão, até que os mentirosos se convencem da própria virtude
imaginária de suas afirmações.
Não
é possível afirmar com exatidão qual o percentual das pessoas...
hum, digamos, mais intelectualizadas que de fato votaram na candidata
do PT, mas a experiência permite arriscar dizer que pelo menos
metade da população com esse perfil inclinou-se por esse voto,
talvez mais.
As
pessoas votaram, na verdade, na continuidade do governo Lula que,
nesse caso, era representada pela Dilma. Votariam, porém, em
qualquer outra pessoa que tivesse sido escolhida para esse fim. Não
tanto pelos méritos do PT, mas pelo demérito dos oponentes. Não
tanto pelo rigor ético do PT, mas pela percepção de que o
afrouxamento moral generalizou-se.
Assim,
dentre os diversos candidatos de partidos mais ou menos nivelados no
padrão ético-político e em suas visões programáticas de Estado e
de governo, vota-se naquele percebido como o menos venéreo.
Muito
ao contrário do que afirmou o Estadão em seu famoso editorial, o PT
simboliza hoje o mal menor no Brasil.
Esse
é o ponto a que chegou a degeneração de nosso modelo político.
O
fundo do buraco está cada vez mais próximo. Sem uma reforma
política verdadeira, e por isso mesmo radical, teremos poucas
chances de votar em políticos cujo compromisso principal seja a
honestidade, a ética e a coerência, em lugar do interesse de quem
lhe patrocinou a campanha.
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