O homem puxou a cadeira e seus olhos cruzaram-se enquanto a mulher sentava-se. O incômodo encontro de olhares o fez buscar, lá dentro de si, um motivo para exibir um sorriso. A mulher percebeu o esforço, recompensando-o com um sorriso de retribuição.
O homem afastou-se um pouco, pegou um prato no aparador e, dirigindo-se à sopeira que repousava, fumegante, no réchaud, retirou-lhe, com muito cuidado, sua tampa de vidro. Tão logo viu-se livre da tampa, o aroma, lépido, fugiu de sua prisão de aço inoxidável, espalhando-se pelo ambiente até alcançar as narinas da mulher.
De olhos fechados, a mulher aspirou profundamente o agradável aroma e permaneceu sem expirar por longo tempo, talvez temendo perder qualquer pedaço daquela sensação. O homem a observava com ternura. O amor que sentia pulsava, latejava, doía. Pela mulher, pelo momento.
Finalmente, a mulher abriu os olhos, dirigindo ao homem um olhar brilhante de ternura, quase sorrindo. O homem retribuiu, olhando-a por um momento, um trêmulo sorriso tentando se firmar na boca. Uma pequena lágrima de tristeza resistia no canto de seus olhos, incógnita.
Suavemente, o homem pegou a concha que estava sobre a mesa e serviu uma pequena porção de sopa no prato, gentilmente colocando-o à frente da mulher. A mulher não dirigiu o olhar imediatamente para o prato. Preferiu olhá-lo, observá-lo. Percebia o suave esforço feito pelo homem para manter o equilíbrio, segurar a emoção. Era grata por isso. O homem desviou o olhar, fingindo arrumar a mesa.
A mulher olhou a sopa. Gostou do que viu. Perguntou o que era. O homem disse que havia preparado, para ela, uma vichyssoise. Franzindo a testa, com um leve sorriso, a mulher indagou que tipo de sopa era. O homem respondeu que se tratava de uma receita de sopa francesa, feita com batatas e alho-poró. Para complementar o clima francês, acrescentou o homem, comprara uma garrafa de poire, destilado de pera tipicamente francês.
A mulher riu-se da ideia do marido de proporcionar-lhe uma noite francesa. Sempre quiseram ir à França e nunca puderam realizar o sonho. Naquela noite, logo naquela noite, o homem havia resolvido satisfazer parcialmente essa vontade. Pegou a pequena taça, levantou-a e propôs-lhe um brinde. Um brinde por toda uma vida em comum. Um brinde pelos filhos maravilhosos que tiveram e souberam criar. Por todos os mágicos momentos que vivenciaram juntos. Pelos amigos que fizeram. Pelas viagens e aventuras por que passaram. E também pelas viagens que não fizeram, como ir à França, pois representavam todas as frustrações pelas quais passaram e que foram incapazes de impedir a completa, integral e imensurável felicidade que tiveram. Como pessoas e como um casal.
Porque felicidade não é infinitude de prazer e tampouco ausência de qualquer desprazer, mas a presença de constante, intensa e inesgotável vontade de superar as adversidades. Feliz é quem tem consciência, sim, de que, todo dia, até o último dos dias, o sol nasce de novo, abrindo, a cada despertar, uma nova possibilidade de recomeço.
O homem sorriu, pegou o seu copo, levantou-o e brindou com a mulher. Disse-lhe que, durante todo aquele tempo casados, sua felicidade resultava da ciência que tinha de que o seu sol, que era ela, despertaria junto com ele, todo santo dia, para um novo recomeço. E que não tinha ideia do que ocorreria com ele se esse sol deixasse de existir. Como continuar existindo sem o brilho da luz, sem o calor do dia?
A mulher chorou. O homem se conteve. Beberam um gole. Trocaram mais um olhar.
A mulher pegou a colher e experimentou a sopa. Estava muito gostosa. Elogiou o marido pela feitura da sopa. O homem agradeceu e disse que preferia que ela não a estivesse tomando. A mulher pegou nas mãos do homem e, balançando a cabeça negativamente, o retorquiu, afirmando que eles já haviam discutido bastante o assunto e concordado que era o melhor a fazer. Não existia alternativa. Todas as opções se foram. Era o seu desejo. O seu derradeiro desejo. A incógnita lágrima que, brava, resistira, anunciou-se, deslizando pelo entristecido rosto do homem.
A mulher prosseguiu tomando a sopa.
O homem se levantou, dirigiu-se à mulher e abraçou-a. Disse que jamais amara e que jamais amaria alguém como a amara. A mulher deu uns tapinhas reconfortantes no braço do marido.
E o homem continuou assim, abraçado a ela, por um tempo que não parecia acabar e nem queria que acabasse. Continuou abraçado à amada mulher até muito tempo depois de perceber que ela não apresentava mais nenhuma reação. Até depois de perceber que o seu sol, tão amado, tão desejado, companheiro de todas as experiências importantes de sua vida, havia se apagado, não mais possuía calor, já não mais poderia iluminar a sua vida.
Somente depois de muito tempo é que largou a mulher, sentou-se no sofá e chorou convulsivamente.
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