Analisando
o caso do restaurante paulistano Nonno Paolo, onde um casal espanhol
branco afirma que o filho negro, adotado há dois anos na Etiópia,
foi expulso.
Segundo
a defesa do estabelecimento, a criança foi confundida com menino de
rua.
Racismo
é uma coisa terrível. Não há desculpas para o comportamento do
dono do restaurante. Sem dúvida alguma houve racismo e preconceito,
que precisam ser punidos. Explico porquê.
Primeiro,
porque, segundo a notícia, o menino foi expulso, ou pelo gerente, ou
pelo próprio dono do estabelecimento, não por algum funcionário
subalterno, sem “condições intelectuais” de compreender a exata
extensão de sua atitude, como poderia condescender algum racista ou
preconceituoso enrustido. Se não é caso de ignorância, não existe
como confundir a criança com um pedinte. Trata-se de uma criança
filha de turistas espanhóis de classe média, de modo que não
estaria vestida como um menino de rua ao comparecer a um restaurante.
Disso decorre que, apesar da aparência da criança e apesar dela não
estar pedindo esmola, somente pode ter sido confundida com um pedinte
por ser negra.
Isso,
não há outro nome, é racismo.
Seria
mera aleivosia aceitar a tese de que o dono do restaurante agiu em
atendimento a um suposto instinto de proteção contra a visão da
pobreza, por um inefável sentimento de culpa. Isso, ademais,
constituiria puro preconceito.
Além
disso, o menino não estava de mesa em mesa pedindo esmola ou comida.
Estava sentadinho à mesa aguardando seus pais escolherem a sua
comida. Ainda assim foi expulso, sem maiores considerações, apesar
de nada falar porque não entendia português.
É
muito difícil acreditar que se o menino fosse louro de olhos azuis
isso teria acontecido.
E
tampouco houve qualquer descuido ou desatenção dos pais por
deixá-lo sozinho à mesa sem saber falar uma palavra em português.
O menino estava sentado à mesa de um restaurante, aguardando seus
pais colocarem a comida em seu prato. Não havia, e não há, porque
imaginar que alguém o sequestraria ali, muito menos que algum
preposto do restaurante o expulsaria dali, sem mais, nem menos.
Culpar
os pais por deixara criança sozinha na mesa de um estabelecimento
comercial é como culpar a vítima de estupro com a alegação de que
a mulher adotava um comportamento de "oferecida" ou vestia
trajes sumários. E
de modo nenhum justifica o furto de veículo o fato de ter sido
deixada aberta a porta do carro. Seguradoras costumam perder ações
na justiça ao alegar tal negligência.
A
vítima jamais pode ser culpabilizada pelo comportamento ilícito
alheio. Jamais.
Quando
se julga alguém com base em convicções íntimas pré-concebidas,
sem qualquer elemento de convicção, a isso que se dá o nome de
preconceito.
Nesse
sentido, tendo o dono do restaurante visto um garoto negro sentado à
mesa e imaginado, sem nenhum elemento prévio de convicção, que ele
fosse um pedinte, expulsando-o sem tentativa séria de entender a
situação, o caso é de racismo.
Não
é de preconceito social porque não se imagina que o menino
estivesse maltrapilho. O paralelo mental, pois, foi negro-pedinte e
não maltrapilho-pedinte.
Esse
caso não admite a tese de mal-entendido. Isso porque o proprietário
já admitiu que confundiu a criança com um menino de rua. Ou seja,
confirma que agiu por preconceito, seja racial, seja social.
Admite-se
que uma empresa de fato não tenha que admitir a presença de ninguém
em suas dependências que não tenham a intenção de consumir.
Porém, antes de expulsar uma criança, pô-la na rua, carregando-a
pelos braços, deve ter absoluta certeza de que (a) não se trata do
filho de alguém que está no restaurante (caso em que deve
permanecer no recinto e não ser expulsa); (b) que, ainda que
maltrapilha, não se trata de uma criança que esteja perdida ou em
alguma outra dificuldade qualquer (caso em que deve ser auxiliada e
tampouco ser expulsa; e (c) que a criança, ainda que maltrapilha,
possui perfeita compreensão do que está ocorrendo de modo a poder
agir por sua conta (caso contrário, é o caso de encaminhá-la à
autoridade competente e não de expulsá-la).
Se
a criança não respondeu nada (porque não entendia português), não
se poderia pegá-la pelo braço e jogá-la na rua, o que não se
permite sequer com um saco de lixo (dá multa).
Como
sabemos, pode-se racionalmente defender qualquer tese, por mais
esdrúxula que seja, inclusive com coerência lógica. Aliás, os
sofistas eram craques nisso. Mas não se pode tapar o sol com a
peneira.
O
responsável pelo restaurante errou, e errou feio, ao expulsar uma
criança de seu recinto sem se certificar do que se tratava.
Deve
responder por seu erro.
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