quinta-feira, 29 de março de 2012

As blitzen da Lei Seca

Liberdades individuais tendem a ser mantidas e ampliadas com o desenvolvimento civilizatório. Contudo, certos períodos, nos quais aumenta a sensação de insegurança pública, costumam tornar essas liberdades alvos fáceis e frequentes da sanha fascista que anima os Estados em geral, mesmo os que costumam ser considerados exemplos de liberdade e democracia, como os Estados Unidos.
Vive-se, atualmente, um período histórico no qual se encontram fragilizadas as liberdades individuais.
Tive a oportunidade de defender, em vários textos anteriores, minha inclinação contrária a que a lei imponha restrições às liberdades individuais desde que não exista perigo concreto de que essa liberdade ofereça risco à integridade física e moral do outro.
A má-utilização do direito constitui um risco comum a todas as variantes da liberdade, nem por isso se imaginando a insanidade de se colocarem todos na prisão para evitar violências recíprocas, salvo Simão Bacamarte, em o Alienista, de Machado, que contudo ao final entendeu que ele era o único doido que deveria ficar aprisionado.
A opção é pior: permitir a redução gradual e progressiva das liberdades de ação e de pensamento pode iniciar uma espiral despótica que somente terminaria no ponto em que a sociedade humana seria similar à das formigas ou abelhas, sem vontade própria, dedicados exclusivamente ao bem comum, que será aquele determinado pelo ditador da época.
Ocorre que temos medo e o medo é incapacitante. O medo explica a entrega pacífica de fatias cada vez maiores de nossas liberdades para o controle do Estado, que em nada se acanha ao abocanhá-las, ávido. Tudo em nome de uma suposta segurança coletiva, promessa que jamais se concretizará.
Exemplo prático dessa entrega graciosa tem-se nas blitzen policiais, esta excrescência nazista que perdura, talvez por conta do regime militar, na sociedade brasileira.
Blitz policial, toda ela, é ilegal. As blitzen de trânsito até possuem legitimação legal, previstas que são no código de trânsito (arts. 20 e 21 do CTB). Todavia, destinam-se exclusivamente à fiscalização das normas de trânsito, como, por exemplo, a documentação do veículo e suas condições de trafegabilidade. Nada mais.
Não podem servir de pretexto para revista pessoal no condutor, no veículo ou em sua bagagem. A busca pessoal somente pode ser realizada sem mandado judicial na hipótese prevista no art. 244 do Código de Processo Penal, que aqui transcrevo:

DECRETO-LEI Nº 3.689, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941.
Código de Processo Penal.
...
Art. 244. A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou QUANDO HOUVER FUNDADA SUSPEITA de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.
Ou seja, a busca pessoal, sem mandado judicial específico, há de ser realizada à luz de fundada suspeita do agente policial, que deverá relatar essa suspeita à pessoa revistada previamente à realização da busca.
Vejam bem: trata-se de fundada suspeita e não de mera suspeita subjetiva do agente policial, do tipo "acho que aquele sujeito está em atitude suspeita, vou abordá-lo". O policial deve ter visto algo com potencial de perigo, como, por exemplo, esconder um objeto parecido com uma arma.
Chega-se à conclusão, portanto, de que policiais realizando blitz constituem uma ilegalidade flagrante que atenta contra os direitos individuais do cidadão e contra a sua dignidade pessoal.
Quanto à Lei Seca, essa mesma fundada suspeita é que possibilita a exigência do bafômetro. Leiam o artigo do Código de Trânsito que trata do assunto:

LEI Nº 9.503, DE 23 DE SETEMBRO DE 1997.
Institui o Código de Trânsito Brasileiro.
...
Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, SOB SUSPEITA DE DIRIGIR SOB A INFLUÊNCIA DE ÁLCOOL será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado. (Redação dada pela Lei nº 11.275, de 2006)
Em outras palavras: o agente da fiscalização não pode exigir indiscriminadamente a realização do teste de alcoolemia para todos os motoristas parados na blitz da Lei Seca, mas somente daqueles que estiverem sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool.
Concluo, pois, que, primeiro, blitzen policiais, de forma geral, são ilegais; segundo, blitzen de fiscalização de trânsito são legais, mas não podem extrapolar de sua função exclusiva, vinculada ao trânsito; e terceiro, as blitzen de Lei Seca são ilegais por objetivarem a realização indiscriminada de testes de bafômetro, não se dirigindo exclusivamente aos suspeitos de dirigir sob a influência de álcool.

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