O
mundo, como representação da percepção individual do viver, é
uma experiência subjetiva única. Cada pessoa contém em si um mundo
próprio, singular, inigualável.
Cada
um de nós existe num plano de experiência exclusivo, como fosse um
palco montado com um cenário específico. Atuamos como protagonistas
de nossas próprias peças, ladeados por um conjunto distinto de
atores, as pessoas que entram em nossas vidas e a influenciam de
alguma forma. Em certas situações, o cenário e o conjunto de
atores podem ser parcialmente compartilhados por mais de uma pessoa,
um dos outros atores. O palco, porém, jamais. Por que?
Porque
a trama do que somos se desenrola dentro de nós e é lá que se
localiza esse palco íntimo que chamamos alma, espírito ou
consciência. O palco é o nosso mundo de experiência, mas não é,
como pode parecer, o mundo material no qual vivemos, fora de nós.
Esse mundo externo é apenas um grande teatro permeado por infinitos
palcos que, vez ou outra, se tocam e misturam suas peças por alguns
instantes.
O
palco é onde nossas comédias e nossas tragédias se apresentam.
Onde se desenrolam nossos romances. Onde atuam, lado a lado, toda
sanidade e toda loucura.
Recebemos
um pequeno palco inseguro ao nascer. A vida o modifica aos poucos,
por vezes sem nosso controle. Temos, porém, o poder de transformá-lo, de
consertá-lo. Nada de muito dramático, mas que pode se revelar
essencial. Um pouco de verniz intelectual aqui, um pequeno prego de sabedoria ali, um pedaço
de tábua de equilíbrio acolá, e deixamos o palco em condições de continuar o
espetáculo.
Contudo,
como tudo na existência, um dia não mais é possível prosseguir na
apresentação da peça. O palco se exauriu, não há mais conserto possível. Aos espectadores que ficam, que
eram também o elenco auxiliar, somente cabe a lembrança do protagonista de uma peça
que jamais será reencenada.
Com
um pouco de sorte, isso não ocorrerá de súbito, violentamente, mas
suavemente, aos poucos, quase imperceptível. O cenário vai perdendo
cor, desmanchando suas peças, cedendo à marcha irrevogável do
tempo. Atores deixam de se apresentar, o figurino rasga, adereços de
cena caem.
A
morte, não ocorre num único e formidável dia, senão pouco a
pouco, a cada dia, a cada pessoa que se vai, a cada porta que se
fecha das casas que frequentávamos. Segundo Kafka, a morte é um
processo penal de cuja acusação estamos inscientes.
Essa
semana deixou o palco mais um dos atores que compunham o elenco da
minha vida.
Segue
em paz, Emílio Santiago.
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