Alguns
pensadores afirmam que todo desejo possui íntima relação com a
loucura. Estarão loucos nessa afirmação? Penso que não. De fato,
um indivíduo de perfeita sanidade agirá estritamente segundo os
ditames impostos pela razão e pela lógica. E a razão e a lógica,
concordam epicuristas e estóicos, e também o vulcano Spock, da
série Star Trek, aconselham à ausência de desejos ou, no mínimo,
à sua contenção, pois todos os desejos contêm em si a semente da
frustração e da infelicidade.
Todo
desejo não satisfeito gera, em diferentes gradações, frustração,
que por sua vez é mãe da infelicidade. Do universo de desejos,
somente alguns serão realizados, ou seja, os desejos são infinitos,
enquanto as satisfações são finitas. As chances de frustração,
assim, serão sempre maiores do que as de satisfação.
Esse
é o vínculo entre desejo e loucura, pois há algo de insano em
produzir desejos e mais desejos cujas chances de realização são
ínfimas. O estado ideal do ser humano, nesse sentido, seria evoluir
para algo extremamente racional como os vulcanos e vivenciar a
ataraxia, a ausência total de apetites e emoções.
Claro
que é um absurdo imaginar um ser humano totalmente desprovido de
anseios, já que alguns são inerentes à própria existência, como
as necessidades básicas de água e alimentos. Então, como
equacionar a inexorabilidade dos desejos de baixa possibilidade de
realização com a eterna busca de felicidade pelo ser humano?
A
primeira dica, óbvia, é evitar desejar o impossível. O impossível
jamais se concretizará e a chance de frustração é de exatos cem
por cento. Não adianta, por exemplo, pretender, aos sessenta anos,
possuir a aparência de vinte. Ao menos nesse momento tecnológico,
esse desejo é impossível. Fujam disso, vaidosos!
Afastados
os desejos impossíveis, evite também os de difícil realização.
Por que desejar algo tão difícil, que exigirá sacrifícios enormes
e que provavelmente jamais se concretizará? A chance mais palpável
disso é resultar em frustração e infelicidade. Um brasileiro pobre
vai ao cinema, se encanta pela Angelina Jolie e bota na cabeça que
irá viajar aos Estados Unidos para separá-la do Brad Pitt, fazê-la
amá-lo e convencê-la a se casar com ele. É possível?
Teoricamente, sim. Qual a chance estatística disso se realizar? Sei
lá. Uma em um trilhão? É melancolia garantida. O que eu
recomendaria para esse pobre brasileiro? Cara, dê uma olhada naquela
bela morena, sua vizinha. Não é a cara da Angelina Jolie? Invista
nela, mermão! Aliás, em termos de mulher de Brad Pitt, eu era mais
a Jennifer Aniston, mas, claro, reprimi esse desejo sob o olhar furibundo de minha esposa munida de seu rolo de macarrão. Ah, nada como a sabedoria.
Para
resumir, persiga a felicidade através de desejos simples e
facilmente alcançáveis. Dê, sobretudo, prioridade aos desejos que
você mesmo possa satisfazer, sem necessitar de auxílio alheio. Por
exemplo, se alguém que mora perto do mar ou de um rio, sente um
ímpeto de pescar e tem uma certa condição financeira, basta ir a
uma loja de pesca, comprar uma vara e os demais apetrechos e ir à
luta, ou melhor, à pesca. Essa pessoa não necessita do auxílio de
ninguém para isso, de modo que esse desejo de pescar é facilmente
alcançável e possui baixa possibilidade de frustração. Claro, ele
poderá não pescar peixe algum, mas isso é outro desejo.
Caso
algum forte desejo necessite de auxílio, dê prioridade aos que
possam ser auxiliados por pessoas muito próximas e amigas, pois elas
estão mais facilmente predispostas a te ajudarem.
Lembre-se
que desapego não é somente deixar de dar importância ao que já se
tem, mas também ao que se pretende ter. Desapego é uma espécie de
desejo, porque desejar é querer e, em última análise, desapego é
querer não querer. O desapego, porém, é um desejo do tipo fácil,
pois depende somente da pessoa e da extensão de sua força moral. Existem pessoas que, para não sofrerem a tentação do consumo inútil, mudam para casas minúsculas para assim não terem muito espaço para porem coisas.
Enfim,
a relação entre loucura e desejo pode ser mitigada pela natureza
dos próprios desejos. Desapegue-se dos desejos impossíveis,
difíceis e complicados. Seja simples, deseje coisas simples. Quanto
mais simples o desejo, menor a loucura, menor a possibilidade de
frustração, menor a infelicidade.
A
felicidade, afinal, não está em algo desejado ou obtido fora de
cada um de nós, mas na paz de espírito oriunda do conhecimento
nascido dentro de nós sobre nós mesmos.
Desejo,
para todos, que tenham menos e mais simples desejos.
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