Exagera
quem considera que está ocorrendo uma grande derrota das forças
progressistas brasileiras por culpa das dificuldades do PT em se
manter coerente ao seu projeto utópico original.
As
conquistas do PT no governo federal não se resumem ao aumento do
consumo, proporcionado pelo inegável incremento da renda. Longe
disso...
Primeiro,
é preciso deixar claro que esse aumento de consumo não pode ser
confundido com o consumismo da classe média e da classe rica,
superficial e fútil. Trata-se de consumo de bens de primeira
necessidade, como alimentos. Assim, trata-se, no fundo, de melhoria
na condição alimentar da população pobre, notadamente entre as
crianças, o que implica melhora na saúde geral dessa população.
Segundo,
existem reformas de base, silenciosas, que somente falarão daqui
dez, quinze anos. Além das obras de infraestrutura que se testemunha
em praticamente todas as grandes cidades do país, com impactos
futuros em saneamento básico e também na saúde da população, o
que dizer quanto à repercussão futura de projetos como "Minha
casa, minha vida", "Caminhos da Escola", Prouni,
multiplicação das escolas técnicas, Fies, "Mais médicos"
e transposição do São Francisco, para ficar nesses exemplos? São
projetos e programas que, se perdermos um pouco de tempo na internet,
veremos que estão dando certo e aos poucos começam a mudar vidas e
mentalidades. Nada disso tem efeito imediato na sociedade.
Por
outro lado, modificações profundas e imediatas em qualquer
sociedade somente são alcançadas via revolução violenta. Se não
é isso que se deseja, se a pretensão é de modificações que
conduzam à redução das desigualdades sociais num ambiente de paz,
sem drásticas rupturas institucionais, a única alternativa é a
progressividade, com pequenas abocanhadas ocasionais no stablishment
à custa de concessões à elite. Essa foi a estratégia do Lulinha
Paz e Amor e, a meu ver, foi acertada. Aparentemente, Dilma está
seguindo a cartilha, talvez com um certo exagero nas concessões.
Ao
custo desse modelo pacífico, é possível dizer que o PT chegou ao
poder e os que eram ricos permaneceram ricos e, talvez, ainda mais
ricos. Mas, e daí?
Isso
sempre ocorreu. A diferença é que, dessa vez, algumas coisas foram
produzidas em benefício dos desfavorecidos, tanto no aspecto do
incremento na renda, como através da realização dos programas que
mencionei, além de outros.
Não
se pode pretender, a não ser ingenuamente, que a primeira investida
contra essa estrutura podre vá direto na jugular dos ricos, que é o
seu bolso. Então, começar pelo fortalecimento dos pobres, através
do acesso a alimentos e à educação, parece-me um boa tática de
enfrentamento. Depois a gente vê o que essa gente, agora
fortalecida, é capaz de fazer.
Paralelamente,
no que concerne à aparente perda de apelo do governo junto ao povo,
não se pode pôr de lado o cansaço natural de qualquer governo há
doze anos no poder e que irá chegar a dezesseis quando da nova
escolha. Esse cansaço, aliado à talvez mais incansável perseguição
midiática já testemunhada contra um partido, pode de fato produzir
estragos eleitorais enormes na próxima eleição presidencial.
Repito: e daí?
Presumindo-se
que o PT perca as eleições de 2018, o que fará o próximo partido
no governo? Poderá impunentemente acabar com todos esses avanços
sociais? Poderá retroceder na agenda social, mitigando ou cessando a
entrega de pequenas fatias do bolo aos pobres? Se optar por isso,
dificilmente o próximo partido governante passará dos oito anos de
praxe na presidência e provavelmente veremos o PT, ou outro partido
de esquerda, retornar aclamado pelos pobres.
Enfim,
acho que o projeto de esquerda apenas começou. Trata-se de um
projeto sem volta no qual esses primeiros dezesseis anos constituem
somente a primeira etapa. Falo dezesseis anos pois estou convicto de
que, de fato, ninguém quer o impeachment, querem apenas enfraquecer
o PT.
Talvez
haja razão quanto à afirmação de que faltou algum empenho do PT
em provocar e liderar reformas mais profundas. Também tenho um pouco
esse sentimento de frustração. Todavia, talvez isso decorra
simplesmente da ausência de informações mais profundas e reais
sobre a verdadeira estrutura de poder que se esconde por trás da
mera aparência. Talvez estejamos testemunhando o limite do possível
político.
Na
dúvida, depois de doze anos de experiência com o governo do PT, a
esquerda ainda tem o meu voto, já que em mais de quinhentos a
direita não cumpriu a sua própria utopia.
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