O
macartismo institucional brasileiro, que se desenvolve desde o mensalão, vem
agindo, há anos, com um comportamento que, segundo os conceitos do
direito penal, deve ser enquadrado nas figuras do dolo eventual ou da culpa
consciente. No primeiro caso, dolo eventual, o agente insiste na
própria conduta ainda que ciente dos riscos possíveis, aceitando o
resultado que vier, por pior que seja. No segundo, de culpa consciente, acredita
sinceramente que a própria perícia será capaz de evitar o
resultado danoso.
Há
dolo eventual ou culpa consciente de nossas instituições tanto na
morte de inocentes, como na derrocada da economia brasileira.
Os
assassinatos políticos da ex-primeira dama, Marisa Letícia, e do
reitor da Universidade Federal de Santa Catarina expõem as vísceras
da irresponsabilidade institucional na condução política do
Brasil. Sim, trataram-se de assassinatos políticos, embora formal e
aparentemente sejam categorizados como doença e suicídio. A
indagação que deve ser produzida, de forma honesta e sincera, para
concluir pelo assassinato político é: as mortes teriam ocorrido não
fosse o comportamento açodado e irresponsável dos agentes públicos?
A sinceridade exige que a resposta seja não. E se a resposta é
“não”, então a morte de ambos decorreu diretamente da ação ou
da omissão praticada por terceiros, com intuito político, de modo
que se tratam de homicídios.
Nem
a ex-primeira dama, nem o reitor, teriam morrido se as condutas dos
agentes públicos tivessem sido pautadas pela legalidade material,
objetiva, e pelo respeito aos direitos, liberdades e garantias
individuais. Marisa Letícia morreu de AVC após intensa pressão
psicológica causada pelos desmandos e arbitrariedades praticadas
contra sua família. O ex-reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier,
aparentemente se suicidou por conta dos mesmos desmandos e
arbitrariedades, após ser preso e humilhado sem provas convincentes
de culpabilidade.
Tanto
num caso, como no outro, os agentes envolvidos partiram do
pressuposto de que a vida dos acusados não valia tanto quanto a
manchete que seria produzida no dia seguinte ou quanto os objetivos
políticos a serem alcançados. Ou, na melhor das hipóteses, que a
própria expertise em direito penal não deixaria margem de dúvidas
quanto ao acerto da decisão, de modo que avaliar as consequências
da ação seria perda de tempo. E se fossem inocentes, qual a
repercussão disso na vida dos acusados? Isso, obviamente, não vinha
ao caso. Danem-se os prejudicados.
Durante cerca de seis longos anos, na década de 1950, o senador americano Joseph
McCarthy aterrorizou a política norte-americana com sua caçada
pseudo-moralista aos comunistas. Diversas personalidades por ele
perseguidas se suicidaram. Durante sua caçada, McCarthy era saudado
como um herói e patriota americano. Com o passar do tempo, a real
natureza de sua perseguição veio à tona e, no final, venceu a
racionalidade, tendo o senador sido lançado na lixeira da história
americana. Hoje, é visto como uma mancha na democracia americana.
Nossos macartistas, não tenho dúvida, merecerão o mesmo nível de
honra em futuro não tão longínquo assim.
O
macartismo brasileiro, inaugurado pelos Procuradores da República
Antonio Fernando de Souza, Roberto Gurgel e Rodrigo Janot, juntamente
com o então ministro do Supremo Joaquim Barbosa, teve sua bandeira
tomada e engrandecida pelo juiz Sérgio Moro, pelos procuradores da
república e pelos delegados federais da operação Lava Jato. A
tibieza dos tribunais superiores à vara federal de Curitiba serviu
como catapulta ao fortalecimento da evidente pretensão da Lava Jato
de destruir as políticas de empoderamento da população mais
desfavorecida do país, de arruinar a maior agremiação partidária
de representação da esquerda nacional e de extinguir as pretensões
geopolíticas brasileiras.
Se
levado em conta o mensalão, processo que se iniciou nos idos de
2006, nosso macartismo já conta com onze anos de perseguições,
aplicação do direito penal do inimigo, mitigação dos direitos
processuais dos acusados, escandalização midiática de ninharias e
valorização de iniquidades, como o obscurantismo fascistóide e
preconceituoso do tipo praticado por movimentos como MBL. Sérgio
Moro, hoje, nosso “herói” no combate à corrupção, possui como
maior missão provar que Lula é dono de um apartamento e de um
sítio, ambos de classe média, o que comprovaria ser ele o chefe da
maior quadrilha de políticos corruptos da história nacional. Parece
piada, mas é a pura verdade. Enquanto isso, políticos de menor
expressão são pegos com milhões de dólares, suficientes para
comprar diversos castelos na Europa. Mas o que importa mesmo é um
sítio em Atibaia ou um apartamento em Guarujá em nome de terceiros.
Será burrice, esperteza ou fingimento?
Aliás,
a crença na sinceridade do movimento falso-moralista que está em
andamento no Brasil exige uma infindável séria de fingimentos da
consciência.
Deve-se
fingir que as relações políticas se desenvolvem num ambiente de
verdadeira democracia, no qual a parte majoritária dos candidatos
aos cargos eletivos é movido por sincero espírito público.
Deve-se
fingir que as campanhas dos políticos eleitos não são milionárias,
ou mesmo bilionárias, e que não são custeadas pelas corporações
interessadas na eleição de “despachantes” que representem seus
interesses no parlamento.
Deve-se
fingir que o povo de fato é representado pelos parlamentares eleitos
e não que estes representam as bancadas corporativas que os
elegeram.
Deve-se
fingir que, nesse salutar ambiente democrático ilusório, o
presidente escolhido pelo povo possui efetivo poder de mando ainda que eleito sem base de apoio
parlamentar.
Deve-se
fingir que os corruptos não se encontram entranhados na burocracia
administrativa desde os tempos de Cabral, sendo irrelevante o nome e
o partido do candidato eleito para o Executivo.
Deve-se
fingir que o presidencialismo de coalização não implica nomeação
de centenas ou milhares de indicados políticos em relação aos
quais não é possível aferir a idoneidade moral e ética, sem que
isso demonstre que a ação delituosa do indicado seja
responsabilidade de quem simplesmente assinou um ato de nomeação
que visava um fim político.
Deve-se
fingir que toda a corrupção nacional está relacionada a um único
partido.
Deve-se
fingir que é possível governar sem o PMDB, esteja ele na chapa
presidencial ou não.
Deve-se
fingir que o PMDB não está na coalização governamental desde o
fim da ditadura militar.
Deve-se
fingir que o único partido que fortaleceu os instrumentos de combate
à corrupção é, de fato, o mais corrupto do país.
Deve-se
fingir que os membros do judiciário, do ministério público e da
polícia federal são todos irrepreensivelmente honestos.
Deve-se
fingir crer na isenção e imparcialidade de um delegado ou de um
promotor que faz campanha em redes sociais contra uma pessoa que
investigam em inquérito policial ou acusação e de um juiz que atua
na ação penal como acusador e que possui notórias ligações de
amizade com o candidato derrotado na eleição presidencial.
Deve-se
fingir que não há interesse externo nenhum – nem em nosso
petróleo, nem em destruir a reputação de nossas empreiteiras no
exterior, nem em acabar com nossa indústria naval, nem em evitar a
redução dos juros da dívida pública - estimulando as estranhas
ações de combate à corrupção no modelo “terra arrasada,
incendiada e salgada”.
Deve-se
fingir que a destruição de nossa economia, que coincide com o
início da “guerra santa” do falso moralismo, é um reflexo da
péssima condução da economia pelo governo que se pretende destruir
e não da ação dos interesses corporativos interessados e na
irresponsabilidade total na condução das investigações.
Deve-se
fingir que a destruição de nossa economia, pondo fim a milhões e
milhões de empregos, é um preço justo a pagar pelo fim da
corrupção, ainda que se saiba que o prejuízo social é várias
vezes maior com a “guerra santa” do que com o vício. E o
prejuízo das famílias? Trata-se de efeito colateral aceitável.
Deve-se
fingir que a economia está melhorando, ainda que com números
infinitamente inferiores aos que se via no “governo do partido
maldito”.
Deve-se
fingir que os delegados, procuradores e juízes que praticam a
“guerra santa contra o partido maldito” não revelam suas
inclinações partidárias em redes sociais.
Deve-se
fingir que o maior dos problemas não está em nosso sistema
política, que autoriza a eleição de um presidente com milhões de
votos e sem a maioria parlamentar.
Deve-se
fingir que Dilma foi “burra” ao sugerir a convocação de uma
constituinte política exclusiva.
Deve-se
fingir, em suma, que o povo é burro e sem discernimento, quando as
pesquisas eleitorais começarem a indicar os erros de estratégia da
“guerra santa”.
São
incontáveis os fingimentos necessários à crença de que o combate
à corrupção, primeiro com o Mensalão, depois com a Lava Jato, são
inocentes, imparciais e buscam atacar a corrupção.
Como
já destaquei em texto anterior, é importante refletir sobre o custo
de aquiescer com a perda de direitos, ainda que na hipótese de
prisão do pior dos traficantes. Campanhas moralistas são
inapelavelmente daninhas para a sociedade. Concordar com a perda de
direitos, em nome de uma pretensa segurança, constitui um
bumerangue, que, lançado contra supostos inimigos públicos, sempre
retornará em desfavor de inocentes.
Hoje,
o fingimento moralista faz acreditar na honestidade e integridade do
discurso moralista de um Sérgio Moro. Amanhã, a conversa será com
o guarda da esquina.
Quantos
mais terão que ser sacrificados no altar do fingimento moralista?
Interessante....
ResponderExcluirInteressante
ResponderExcluirComo faço para seguir o blog? Brigada!
ResponderExcluirOlá, Safira.
ExcluirPara seguir o blog, basta clicar no botão "seguir" que fica na coluna direita da página.
Vá rolando a página inicial até encontrá-lo.
Obrigado pelo comentário e por passar a seguir o blog.
Grande abraço.
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