domingo, 21 de março de 2021

Direito de opinião, crítica pública e cancelamento

O direito à liberdade de opinião e expressão do pensamento é uma conquista inarredável da modernidade; não se pode compactuar com sua mitigação, muito menos extinção, somente se admitindo sua extensão em direção, num futuro capaz de lidar melhor com as diferenças, à liberdade total.

 A liberdade de manifestação da opinião e de expressão encontra-se dentre os direitos mais sagrados da humanidade, possivelmente superior em importância ao direito de propriedade, encontrando proteção em âmbito internacional pelo artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos:

Artigo 19 - Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; esse direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.

No território brasileiro, a manifestação de opinião e expressão é garantida pelos incisos IV e IX do artigo 5º da Constituição, segundo os quais, respectivamente, são livres “a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” e “a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.

Trata-se de um direito cujo exercício parece ser natural ao ser humano moderno. Caso indagássemos nas ruas sobre o que pensam sobre a validade do direito de opinião, certamente nove em dez entrevistados diriam tratar-se de um bem sagrado do ser humano, um direito ínsito à própria existência da pessoa. Contudo, na maior parte da história esse direito não existiu ou, quando existiu, foi permitido de forma absolutamente limitada. Expressar opiniões já matou muita gente ao longo do “corre” da humanidade, para utilizar uma gíria desse momento “grande irmão”.

sexta-feira, 19 de março de 2021

Pessoas “normais” não são de esquerda; que pena!

É absolutamente descabida, por falsa, a ideia que se tenta passar de que os valores do bolsonarismo e do esquerdismo estão ambos num mesmo saco axiológico. Isso somente serve aos desonestos intelectuais, que possuem interesse em confundir o debate político e pouco se importam com as consequências dessa salada que inventam.

A sociedade brasileira enfrenta o grave problema social representado pelas rupturas familiares e sociais por conta da opinião política. Isso é um fato. Um grande entrave para a correta problematização dessa questão, porém, reside justamente no reducionismo de afirmar a “política”, de forma abrangente, como a causa dos afastamentos. Passa-se, assim, a falsa ideia de que os rompimentos são motivados por causa banal, fútil, que é a “política”. Nem de longe isso está correto.

Vários são os exemplos de pessoas que jamais romperam seus relacionamentos, embora familiares e amigos tenham optado por caminhar em espectro político-ideológico distinto. Pessoas de direita jamais antes se afastaram dos amigos e familiares esquerdistas, assim como esses nunca deixaram de falar com os que votaram sucessivamente na direita; em Collor, FHC, Alckmin, Serra ou Aécio. Nem mesmo os mais antigos, que aderiram ao golpe militar, se afastaram dos esquerdistas que conheciam. Pelo contrário, era comum, na época, os direitistas protegerem “seus comunistas”, sendo exemplo disso Roberto Marinho, que, apesar de adesista de primeira hora ao golpe, costumava dizer, acerca dos jornalistas da Globo, que “dos meus comunistas cuido eu”, não admitindo a interferência dos militares.

terça-feira, 16 de março de 2021

Já passou da hora de pôr fim ao antipetismo doentio

Isso não impede, contudo, que o antipetismo continue a produzir aberrações políticas com o propósito de evitar o retorno do PT ao poder. Mantida essa loucura, o Bolsonaro de hoje, amanhã poderá ser outro aventureiro de índole maligna, antidemocrática e com visão unidirecional, voltada somente para os interesses do mercado.

 

Fachin anulou todos os processos contra Lula em andamento na Justiça Federal de Curitiba, declarando a competência da Vara Federal de Brasília. Sabe-se que sua intenção não foi a de beneficiar Lula, mas impedir a total implosão da Lava Jato e preservar Moro. Isso não importa, ao menos não nesse momento. O mais importante é que esses procedimentos injustos e, na verdade, criminosos foram derrubados. Uma justiça mais completa, com a apuração do comportamento criminoso, inclusive traição à pátria, praticado por agentes públicos que deveriam zelar pela materialização da justiça fica para mais tarde, e, não tenham dúvida, esse dia chegará.

No dia seguinte, Gilmar tentou julgar a suspeição de Moro, decisão que poderia ampliar a vitória de Lula, pois o vício do julgador contaminaria todos os atos praticados, inclusive a instrução processual, ou seja, as provas produzidas, que a decisão de Fachin tentara salvar da nulidade. Quando o julgamento estava 2x2, houve o pedido de vista feito pelo ministro Nunes Marques, deixando a finalização do julgamento para data indefinida no tempo. A perspectiva, porém, é de que votará a favor da tese da defesa. Além disso, existe grande chance de que a ministra Carmem Lúcia, que já votara contra Lula, voltará atrás, produzindo novo voto em favor do ex-presidente. E, o mais incrível, há quem preveja que o próprio Fachin reverá o próprio voto como relator e acompanhará o voto de Gilmar pela suspeição, o que pode redundar num acachapante 5x0 contra Moro, deixando para além de qualquer dúvida ter sido ele um julgador parcial, comprometido com o resultado da ação e beneficiário dela, ao se tornar ministro do governo que ajudou a eleger. Não se pode afastar, porque ninguém está isento de suspeitas quando atua em situações suspeitas, a possibilidade de pura e simples corrupção, dada a montanha de dinheiro que transitou das contas bancárias dos acusados para as de seus advogados, até então desconhecidos, que ficaram milionários ao representá-los nos famosos acordos de delação. Vamos aguardar.

O indivíduo – parte IV – A gênese de toda “bondade” e de toda “maldade”

O mal, como uma criação da consciência inexistente na natureza, existe no vazio do bem, ou seja, do mesmo jeito que a escuridão é o vazio de luz, a ausência da ideia do bem é ocupada pela ideia do mal. Sem a consciência reivindicadora do bem perene, existem apenas os fatos da natureza e eles configuram meramente causa e efeito, sem dimensão moral. O fato natural que destrói é o mesmo que cria.

Nos três artigos anteriores, O indivíduo, parte I e O indivíduo, parte II e O indivíduo, parte III, o comportamento individual foi analisado a partir da influência dos instintos ancestrais que favorecem a prática do egoísmo, do altruísmo, da religião, além de indagarmos os motivos da submissão do povo a uma elite muito pouco numerosa que, ao longo dos anos, exerce o controle social para beneficiar-se do esforço coletivo, o que consegue ao custo da miséria de grande parte da população. Neste último artigo sobre o indivíduo, as ações individuais serão sopesadas a partir de seus efeitos concretos no mundo, efeitos estes que são categorizados como “bondade” ou como “maldade”. Enfim, falaremos sobre o certo e o errado e, portanto, sobre ética e moral.

Antes de iniciar o tema propriamente dito, importante relembrar que, embora nos classifiquemos como animais racionais, e somos de fato, a distinção entre animais racionais e irracionais opera no campo do grau e não da substância. A diferença reside na extensão do processo evolutivo quanto ao uso da inteligência, da razão e da lógica. Incontáveis experimentos demonstram que muitos animais considerados “irracionais” são capazes de raciocínios abstratos extensos, como macacos, papagaios, corvos, polvos, cetáceos e muitos outros. Além disso, foi apenas a força do acaso que determinou que o planeta Terra possuísse hoje somente uma única espécie considerada inteligente; já fomos várias, ao mesmo tempo e, por vezes, no mesmo lugar.

sábado, 6 de março de 2021

Tragédias coletivas, o alimento de Bolsonaro

A vida política de Bolsonaro se alimenta da tragédia; foi assim no exército, continuou na vida parlamentar, manteve-se na candidatura presidencial e persiste no exercício do mandato.

A vida política de Bolsonaro se alimenta da tragédia; foi assim no exército, continuou na vida parlamentar, manteve-se na candidatura presidencial e persiste no exercício do mandato.

Nesse momento, contam-se 256 mil brasileiros mortos por problemas decorrentes do coronavírus, além de outros quase 11 milhões de infectados pelo mesmo vírus. Tudo em cerca de apenas um ano de pandemia.

Segundo a BBC Brasil1, o número de mortos pela covid é seis vezes superior ao do total de homicídios ocorridos em todo o Brasil no ano de 2020. As mortes por acidente de trânsito, em 2019, montaram a 30 mil pessoas2, 8 vezes menos do que as mortes causadas pelo coronavírus. A covid matou mais pessoas em um ano do que todas as mortes de brasileiros por câncer no ano de 2018, cerca de 225 mil3.

Na comparação com outras doenças infecto-contagiosas, com base nas ocorrências do ano de 20194, foram registrados 1.544.987 casos de dengue, com 782 mortos; 10.708 contaminados por zika, sendo 3 mortes; e 132.205 registros de chikungunya, do que resultou 92 mortes. Somadas, essas doenças mataram 877 mortes no ano de 2019, o que significa 0,003% do total de mortos pelo coronavírus. Os mortos brasileiros pelo coronavírus são quase 300 vezes mais numerosos do que a soma anual de todos os óbitos por dengue, zika e chikungunya no mesmo período.

A covid já matou muito mais brasileiros do que a mais sanguinária guerra travada pelo país, a do Paraguai, que matou algo em torno de 8.300 soldados brasileiros por ano (50 mil, no total, em seis anos de conflito)5. Na 2ª Grande Guerra menos de 500 soldados brasileiros tombaram.

quarta-feira, 3 de março de 2021

O indivíduo – parte III – Os coletivos e a servidão voluntária


Continuamos, aqui, a análise do comportamento do indivíduo iniciada nos dois textos anteriores: O indivíduo – parte I – Egoísmo, altruísmo e dívida simbólica e O indivíduo – parte II – A doutrinação religiosa.

Ao fim do artigo anterior, concluímos que, se por um lado a quebra do contrato entre o indivíduo e a instituição religiosa revela-se problemática, envolvendo o temor da punição eterna, por outro o mesmo não ocorreria, ao menos não tão pesadamente, em relação à ruptura do liame entre a pessoa e as instituições seculares que dominam a sociedade, embora, de fato, em geral e desde sempre, os coletivos humanos tomem a feição de estruturas extremamente opressoras e repressoras. Opressoras, porque produzem exigência desequilibrada (sem a devida contrapartida) de um enorme dispêndio de energia física e psíquica de seus membros, e repressoras, significando que repelem, violentamente, toda e qualquer tentativa de mudança.

Ao lado disso, os agrupamentos humanos são majoritariamente dominados, em todas as épocas e lugares, por um reduzido grupo de pessoas que se beneficiam amplamente da energia dos demais e em detrimento desses. A indagação que daí emerge é: o que leva as pessoas a se submeterem ao poder da elite soberana?