segunda-feira, 26 de abril de 2021

Desculpem-me, errei: Ciro Gomes é um ignorante político

 

Em artigo publicado em setembro de 2017, aqui, produzi uma breve análise sobre o posicionamento de um certo político do cenário nacional. Supus firmemente que nunca mais retornaria ao tema, inclusive por não desejar bater palmas para o maluco dançar. Contudo, as circunstâncias assim exigem; poucas vezes somos senhores dos nossos destinos. Naquele texto, tratei de Ciro Gomes e suas então recentes declarações antipetistas e anti-Lula. Na ocasião, refutei suas afirmações e afirmei não ser possível classificar Ciro “como um jumento político, um ignorante que tateia aleatoriamente no escuro das possibilidades eleitorais”. Sustentei que, pelo contrário, tratava-se de “um político experiente que não desconhece que, em política, somente os tolos jogam para o tudo ou o nada. Esse é um dilema ético, sem dúvida, mas que é imposto pela realidade inescapável e não pela vontade individual”. Ante tal conclusão, indaguei o que teria levado Ciro a abdicar de quase um terço do eleitorado nacional. A conclusão a que cheguei na época foi a de que as declarações narcísicas decorriam de pura hipocrisia oportunista provocada por desespero. Seu sofrimento íntimo provinha, continuei, da sede de poder que parece ter sempre orientado cada passo seu, além da percepção de que o seu tempo estava passando sem a abertura de uma janela política favorável.

Passados três anos e sete meses desde a publicação do texto, indaga-se: houve mudança de comportamento por parte dele nesse tempo? A resposta, infelizmente, é não. Ao contrário disso, o quadro de egolatria e narcisismo somente se agravou. O delírio chegou ao ponto dele supor que lhe competia enviar condolências à rainha da Inglaterra por ocasião do falecimento do marido. Sem medo algum do ridículo, ainda fez propaganda disso nas redes sociais! Pouco provável que a missiva sequer tenha ultrapassado os limites das dependências do camareiro real. Porém, se assim foi e chegou às mãos da rainha, é possível imaginar Sua Majestade, sentada no trono da Inglaterra, com toda pompa e circunstância, levantando o pincenê do nariz real e, com a cara de nojo típica da nobreza, indagando ao secretário: “Who the fuck is Ciro Gomes”?

sexta-feira, 23 de abril de 2021

Religião e covid: quando a fé de alguns é o problema de muitos

 

 As necessidades coletivas impostas nesse momento trágico da pandemia produz a necessidade de reflexão sobre a questão da laicidade do Estado. Isso porque algumas ações políticas de saúde pública, necessárias para combater a covid e cujo sucesso depende da submissão de todos, à primeira vista parecem confrontar o princípio da liberdade religiosa. Como exemplo desse tipo de indagação, tem-se a questão do direito de o crente comparecer ao culto religioso em templos, o que, necessariamente, implica aglomeração de pessoas. Pergunta-se: isso se insere no direito de liberdade religiosa? É correta a recusa da vacinação em nome da religião? É justo promover o missionarismo nas ruas ou em outros locais públicos como interior de ônibus, estações ou vagões de metrô?

O tema esteve em discussão no STF recentemente, após o ministro bolsonarista Kássio Nunes Marques, atendendo o pedido de uma obscura associação de caráter religioso, conceder liminar para vedar o fechamento de templos por governos municipais e estaduais. No julgamento pelo plenário, o STF revogou a liminar e declarou que os governos podem determinar o fechamento dos templos em nome da saúde pública. No episódio, chamou a atenção o fato de o advogado-geral da União, André Mendonça, utilizar argumentos bíblicos para a defesa da abertura dos templos.

O principal ponto a considerar nessa reflexão é que o Estado é laico, natureza institucional definida como princípio constitucional. Trata-se de uma afirmação que todos conhecem, aprenderam a repetir, afirmam concordar, porém parece que poucos alcançam compreender a amplitude axiológica do conceito, seu significado e importância para o sucesso e a paz da sociedade. Não fosse assim, os questionamentos iniciais sequer existiriam.

sexta-feira, 16 de abril de 2021

Sociedade – parte II - O surgimento da sociedade civil e do Estado de Direito

  

Esta é a sexta parte da série “Indivíduo, sociedade e a interpretação da realidade”. Os textos possuem um encadeamento lógico, porém permitem a leitura autônoma. Os links para os que desejarem a leitura das cinco primeiras partes estão disponibilizados no final desse artigo.

Anteriormente, analisamos como o surgimento das feiras e das vilas fez surgir uma nova categoria de ser social, os burgueses, os primeiros humanos cuja atividade laboral era essencialmente urbana, não agrícola, ou seja, residiam e exerciam atividade profissional nos burgos (cidades), daí “burguesia”. Eram, no sentido moderno, comerciantes ou profissionais liberais.

As intrincadas relações comerciais decorrentes da ascensão da burguesia exigiu a criação de um marco regulatório mínimo para conferir segurança jurídica aos negócios entabulados. Ao gradual crescimento do poder econômico dos burgueses correspondeu equivalente desenvolvimento de sua influência política junto ao Estado, alcançando uma paulatina mitigação do poder político da nobreza pela via legislativa. Organizações civis sob o controle da burguesia, como bancos e empresas de comércio e navegação, passaram a controlar importantes recortes da vida individual e coletiva. Tal supremacia burguesa no controle da vida coletiva é o mecanismo que engendra a sociedade civil moderna, ou seja, o ancoramento da sociedade no chamado estado de direito. Estado de direito é um sistema jurídico que submete todas as pessoas e instituições sociais ao império da lei prévia, não casuísta, inclusive o soberano. Isso, ao menos em tese, possibilita ao indivíduo antagonizar o imenso poderio estatal, não tendo que se sujeitar aos caprichos do governante. A criação do estado de direito não se deve a um súbito e puro desprendimento da burguesia, por desejar o aumento da liberdade individual. O objetivo, de natureza egoísta, foi a mitigação do poder da nobreza, visto como empecilho ao incremento dos negócios particulares.

quarta-feira, 14 de abril de 2021

Cuidado: Bolsonaro perseguirá seu próprio Reichstag

 

Em 27 de fevereiro de 1933, um jovem com apenas 24 anos, de origem holandesa, decidiu solitariamente atear fogo no parlamento alemão (Reichstag). Hitler tinha tomado posse como chanceler (primeiro-ministro) apenas um mês antes e essa foi sua chance para, manejando um falso discurso anticomunista, exterminar por completo toda e qualquer oposição ao seu governo, inclusive com o silenciamento da imprensa. O resto é história e todos conhecem o resultado.

No Brasil de hoje, o presidente encontra-se nas cordas, quase nocauteado, enfrentando enormes dificuldades políticas para implementar a agenda autoritária com que sonha. Por isso, necessita desesperadamente de seu próprio incêndio no Reichstag para consolidar o poder total em suas mãos. É a única saída, não somente para permanecer no poder, mas para exercê-lo sem resistência alguma das instituições democráticas, ou seja, com autoritarismo. Ele jamais ocultou a sua intenção de romper com os princípios democráticos se tivesse poder para tanto. Em diversas entrevistas no passado, sempre sustentou que, eleito presidente, seus primeiros movimentos seriam no sentido de fechar o congresso através de um golpe de Estado. Está muito claro para quem o ouve que esse pensamento antidemocrático não se alterou com o tempo e nem com a eleição para a presidência. Pelo contrário, foi corroborado, logo após a vitória no primeiro turno da eleição, por via da voz do filho Eduardo Bolsonaro, que publicamente declarou que o fechamento do Supremo seria coisa simples, a ser resolvida com a ação de apenas um cabo e dois soldados. E foi novamente reafirmado quando, já presidente da república, apoiou e participou de manifestações bolsonaristas que pediam o fechamento do Congresso e do STF, inclusive com acompanhamento de generais.

quinta-feira, 8 de abril de 2021

“Fora Bolsonaro” precisa do exército dos ressentidos!

 

Vivemos uma experiência bastante desagradável no país já há algum tempo, iniciando com o golpe de 2016 que depôs Dilma, agudizado pela ato político conjunto de prisão de Lula com eleição de Bolsonaro em 2018, piorando a partir de 2020 por conta do início da pandemia e entrando praticamente no campo do terror coletivo no início de 2021 em virtude do aumento exponencial no número de contaminados e mortos pela covid. Acrescendo-se a isso e gerando uma trama de suspense dramático, em março de 2021 chega a notícia de anulação dos processos de Lula, uma ótima notícia, porém um complicador político em relação aos irresignados com sua possível inocência. A anulação dos processos da malfadada Lava Jato cria no ar um frisson político negativo, uma inquietação, principalmente vinda do andar de cima mas não somente, com a possibilidade de algo que deveria ser positivo para todos: o gradual retorno à normalidade institucional, jurídica e política.

A combinação de todos esses elementos (golpe, prisão, eleição, tragédia da covid e anulação dos processos) produz, nos dias de hoje, intensas movimentações políticas, as quais, entretanto, a cada momento sinalizam em direções opostas. Ora parece que caminhamos no sentido do regresso da normalidade e da racionalidade, ora toma o caminho do retrocesso para uma experiência ainda pior do que a atual. Nesse cenário de idas e vindas, ninguém pode prever minimamente o que acontecerá no dia seguinte. A indefinição quanto ao futuro imediato faz cada dia parecer definitivo, com a sensação permanente de que o céu está prestes a desabar sobre as nossas cabeças, atingindo todos, sem clemência e sem exceções. Todos os dias trazem novidades cuja leitura pode ser feita negativamente; tornam-se como nuvens negras que teimam em manter-se sobre as nossas cabeças. O que virá em seguida, perguntamo-nos a toda hora, atemorizados pela incerteza. Será o fechamento do sistema, um golpe militar? É possível que o que está ruim piorará para além desse nível, afundando-se no péssimo? Estaremos caminhando céleres pela estrada de retorno à barbárie da Idade Média? Ou, alvíssaras, a sanidade retornará aos homens públicos?

quarta-feira, 7 de abril de 2021

Sociedade – parte I – O produto do processo civilizatório

 

Esta é a quinta parte da série “Indivíduo, sociedade e a interpretação da realidade”, cujos quatro primeiros são, O indivíduo, parte I e O indivíduo, parte II, O indivíduo, parte III e O indivíduo, parte IV. Embora os textos estejam interligados por um nexo de continuidade no raciocínio, cada um deles trata de assunto pontual na análise do objeto, de modo que podem ser lidos isoladamente. Vale recordar que o objetivo desses textos iniciais é estabelecer o significado que o autor imprime a certos conceitos utilizados em sua linha de pensamento sobre determinados objetos de reflexão. Tais conceitos podem assumir significados válidos para outras pessoas e essa variação é justamente o motivo da exposição: evitar confusões semânticas. Certo ou errado, é “isso” que quero dizer quando digo “isso”.

Encerrado o exame do comportamento do indivíduo, passaremos a analisar, de modo breve e sucinto, a sociedade; sua gênese, as relações econômicas que a regem e formam sua estrutura, as contradições que afetam o seu desenvolvimento e o seu objeto. Importante destacar um ponto: os coletivos sociais foram surgindo isoladamente, em diversos tempos, locais e formatos distintos, e, paulatinamente, quando não extintos, encontraram-se, experiências culturais foram intercambiadas, esse intercâmbio provocou alterações nas culturas e, dessa miscelânea cultural, surgiram os modelos mais recentes que conhecemos. Apenas para o efeito de facilitação de raciocínio, iremos supor um início comum, num modelo geral de surgimento e desenvolvimento da civilização; é uma ficção, todavia fundada em observações arqueológicas realizadas ao redor do mundo.

sexta-feira, 2 de abril de 2021

O caso Filipe Martins: sinais de supremacismo branco no governo sempre estiveram presentes

 

Muito revelador o episódio ocorrido com o assessor especial de Bolsonaro, Filipe Martins. Para quem não sabe, Martins, apesar de muito jovem e recém-formado, tornou-se assessor especial de Bolsonaro por indicação do guru bolsonarista Olavo de Carvalho, de quem é discípulo fiel, e de Eduardo Bolsonaro.

 Antes de falar sobre o episódio em si, vale a pena uma breve exposição sobre Olavo de Carvalho, o guru de Bolsonaro e do bolsonarismo. Astrólogo, diz ser filósofo. Sem formação científica alguma, não acredita que os planetas giram em torno do Sol, discorda de cientistas consagrados como Galileu, Newton, Giordano Bruno, Einstein e acredita em coisas como terraplanismo, éter luminífero e que heterossexuais não pegam aids. Todavia, como todo conservador de extrema-direita, não acredita no aquecimento global, ou seja, entende que o planeta pode ser inteiramente explorado comercialmente, sem repercussão ecológica alguma. Absolutamente nenhum integrante respeitável da academia vislumbra valor positivo no pensamento olaviano, que basicamente obtém sua ressonância estritamente entre os leigos que frequentam as redes sociais. Sua única filha adjetiva o “amado” pai como louco, cruel, covarde, mentiroso e que odeia o Brasil e os brasileiros. Quanto a ser louco, ela possui prova: ele já esteve internado em hospital psiquiátrico. O astrológico é pródigo em ofender adversários com grosserias e palavras chulas. Uma pessoa com essa envergadura intelectual e psicológica foi o responsável pela nomeação para o ministério bolsonárico de pessoas como Ricardo Velez, Weintraub, Ernesto Araújo e, não esqueçamos, Filipe Martins, todos seus discípulos e fiéis à orientação olavista. Isso, por si só, já deveria ter sido suficiente, antes da eleição, para deixar claro para todos quem era Bolsonaro e do que seria capaz o bolsonarismo no poder. Infelizmente, não foi.

Agosto pode marcar o fim do governo Bolsonaro

O mandato presidencial de Bolsonaro não se sustentará até o fim do ano de 2021; na verdade, talvez não passe de agosto. Pensamento positivo ou desejoso? Sim, um pouco, talvez, pois esperança é a última que morre, mas não totalmente. Há base fático-argumentativa para a previsão.

A principal delas não é a recente elegibilidade de Lula, que provocou alguns espasmos em Bolsonaro, nem tão significativos assim, como usar máscaras e trocar um ministro bolsonarista inútil por outro bem parecido. Mudar presidente no voto, só em 2022, seja Lula ou qualquer outro, o que significa que os virtuais eleitos somente poderão atuar na saúde a partir de janeiro de 2023. Até lá, mantidas as atuais condições de temperatura e pressão, o vírus da covid terá desistido do Brasil por falta de corpos vivos para infectar. O fato capaz de determinar uma alteração no rumo do combate à pandemia antes de 2022 seria o afastamento de Bolsonaro e a assunção de um substituto, talvez Mourão, talvez outro mais qualificado, se o vice afundar com o presidente. Como disse, esperança...