domingo, 9 de outubro de 2016

A esquerda precisa centrar no legislativo


A presidência de coalizão era, continua sendo e será ainda por muito a única alternativa política no Brasil para o exercício do poder executivo. Trata-se de um arranjo maquiavélico, de fato, possuindo o mesmo efeito bumerangue pontificado por Maquiavel sobre as tropas compostas por mercenários: um dia elas se voltam contra o contratante. Afinal de contas, às vezes a intermediação deixa de ser necessária ou conveniente e os mercenários resolvem tomar a liderança daquele a quem mantinham no poder. A força física é dos mercenários e não do comandante.
Não havia qualquer outro caminho político para o PT governar senão aderir ao modelo existente. Isso continuará assim pelo tempo que demorarmos a providenciar uma reforma política consistente, que consiga de algum modo evitar a eleição de um presidente sem base de apoio do próprio partido ou da chapa que o elegeu.
A ideia de redução do número de partidos não é boa. Qualquer ação no sentido de impedir a criação de novos partidos se constitui em traição à liberdade e à democracia. Aos novos partidos e aos partidos pequenos cabe apenas, quando muito, a limitação ao acesso a certos direitos, como financiamento público e presença nas telecomunicações, que devem ser proporcionais à representação política alcançada junto aos eleitores.

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

O Efeito Dunning-Kruger na qualidade do debate político


O primeiro atributo necessário à pessoa que busca um conhecimento honesto sobre qualquer assunto é a humildade de reconhecer a própria ignorância. O segundo é admitir a existência de um sem números de pessoas - sábios, pensadores e cientistas - que se debruçaram sobre o tema exaustivamente e, a partir de uma reflexão profunda, produziram e divulgaram obra do pensamento através da qual exteriorizam, não somente os contornos, a superfície, mas uma visão de profundidade sobre todos os aspectos da questão, alguns inclusive apresentando as respostas possíveis para a solução do problema. O terceiro é aceitar os ensinamentos desses sábios para, a partir deles, construir uma identidade intelectual própria sobre a matéria.
É perfeitamente saudável questionar o trabalho intelectual de pensadores e cientistas, todavia exigindo-se, primeiro, o conhecimento da obra criticada e, segundo, uma capacidade técnica própria - cognitiva e intelectual - para produzir conclusão contrária, a ser demonstrada de forma racional e lógica. O "achismo", nesse campo, é inadmissível. Pode-se dizer caber a qualquer um não aceitar determinada conclusão, mas não se pode aceitar essa recusa como refutação. É apenas pirraça intelectual que, se não freada pela humildade, transmuta-se em mera arrogância autoritária.

sábado, 27 de agosto de 2016

Política e manipulação da vontade II


No ano de 2013, alcançando 42% do total de votos, Angela Merkel consegue seu terceiro mandato consecutivo como mandatária da Alemanha. A chanceler integra um partido conservador, algo como o PSDB daqui. Os conservadores estão no poder alemão desde 1990, ou seja, há 23 anos consecutivos.
Nos Estados Unidos, em vários momentos da história os partidos Democrata ou Republicano permaneceram longos períodos no poder, através de reeleições sucessivas, embora com presidentes diferentes.
Nesses países não se imagina que a ausência de rotatividade partidária no poder é “antidemocrática” ou que os partidos possuam um projeto de eternização no poder através do qual tentam “manter-se no poder a qualquer custo”.

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

O golpe da burocracia

A burocracia público-administrativa brasileira, não eleita pelo povo, que acessa o poder sem um voto sequer, sem participação popular no processo de escolha e por uma via que somente pode ser considerada avaliadora e meritocrática em momento estanque no tempo - a época da prestação do concurso público - está obtendo sucesso em derrubar um governo eleito democraticamente e em reduzir as garantias e liberdades individuais.
Em outras palavras, o ano de 2016 entra para história nacional como o ano em que a burocracia deu um golpe civil no Brasil.

sábado, 6 de agosto de 2016

Gilmar Mendes e a extinção do PT

Estudo acadêmico sobre o perfil dos "antipetistas puros" (excluídos os "impuros", ou seja, os que manifestam sentimentos positivos em relação a outros partidos) chega à seguinte conclusão: antipetistas não são conservadores; tendem a ser relativamente ricos; acreditam que o PT administrou mal a economia; manifestam sentimentos anticorrupção (desde 2006); e, mais importante, possuem atitudes negativas contra políticas de ação afirmativa que beneficiam afrobrasileiros. (extraído de Ciência Política, Sentimentos partidários e antipetismo, 2016, pág. 12)

quarta-feira, 27 de julho de 2016

O lobo do autoritarismo


Como realizar uma análise crítica, isenta, sobre as ocorrências sociais, eventos antecedentes e possíveis consequências?
Possivelmente, o melhor instrumento para essa análise é a interpretação sistemática, focando o comportamento da totalidade para entender as ações individuais.
Dentre os diversos mecanismos disponibilizados pela hermenêutica jurídica para a análise da aplicação do ordenamento legal a interpretação sistemática se destaca, pois tal método leva em conta a inserção do dispositivo legal a ser aplicado na totalidade do conjunto normativo de um dado território.
Em outras palavras: a interpretação sistêmica afirma que não se deve aplicar uma lei de forma pontual, a partir de sua leitura isolada do restante do arcabouço jurídico no qual se insere, pois esse precedente normativo é seu fundamento de criação e validade, portanto deve ser considerado. Caso contrário, a aplicação isolada de um artigo de lei, sem considerar a legislação como um todo, é capaz de conduzir a uma situação inversa, e injusta, relativamente à hipótese de cabimento pretendida pelo legislador.

domingo, 19 de junho de 2016

Sob a batuta de piratas, nasce um novo Brasil


No Brasil, vice-presidentes não são eleitos, sendo apenas integrantes da chapa vitoriosa. Pode não ser desejável, mas nossa tradição política não é de valorização da figura do vice de qualquer coisa, que em geral é apena um elemento decorativo, seja no âmbito federal, como em estados, municípios e mesmo em condomínios residenciais. Poucos lembrarão quem era o vice do prefeito ou do governador no qual votou. O mesmo fenômeno, com um grau talvez um pouco menor, ocorre quanto ao candidato a vice-presidente.
Quantos lembrarão quem era o vice nas chapas de Geraldo Alckmin ou José Serra à presidência? Ou quem era o vice de Marina nas eleições em que foi candidata? Sem titubear, cravo que o número desses privilegiados da memória será próximo de zero.
Em geral, a população somente lembrará de vices que, por destino, tornaram-se titulares, como Sarney ou Itamar Franco, mesmo assim provavelmente deles se lembrarão como presidentes e não como vices que se tornaram presidentes.

terça-feira, 17 de maio de 2016

As ilusões construídas por Jabor


No Estadão de hoje (17/5), o ex-cineasta Arnaldo Jabor comete um texto intitulado "As ilusões perdidas". Trata-se de um rebotalho, um vomitório, composto por um mix de egolatria, iconoclastia e aparente frustração inconfessa acerca de si mesmo.
Nele, como de hábito, Jabor se autoidolatra, coisa que muito aprecia fazer, simultaneamente à pretensão de desqualificar toda e qualquer mente que erga bandeiras em prol do movimento político de esquerda. Dada a excepcional qualidade de várias das mentes que pensam a esquerda, como Noam Chomsky, Zygmunt Bauman, Marilena Chauí, Fernando Morais, Luís Fernando Veríssimo, Fábio Konder Comparato, Bandeira de Mello, Ladislau Dowbor, Marcio Porchman, David Harvey, Slavoj Zizek e inúmeros outros, a tarefa jaboriana não é nada fácil. Hércules ficaria invejoso.
Ainda em decorrência do alto nível dos intelectuais mencionados, fora os que foram omitidos, é também possível mensurar a extensão da arrogância supostamente intelectual de Arnaldo Jabor. É quase similar a do louco que pretende ser Bonaparte, nome que, aliás, lhe cairia muito bem: "bom à parte".

sexta-feira, 13 de maio de 2016

Impeachment de Dilma, o fruto maduro da ação de esvaziamento da política

Classifica-se de “grau zero” o instante, o ponto, o momento a partir do qual o objeto pensado perde o seu significado, sendo aniquilado em seu sentido axiológico, esvaziando-se completamente de sentido e finalidade. Instaurado esse niilismo essencial, o objeto pode continuar formalmente a existir, porém encontrando fundamento de validade em outra dimensão da realidade estrutural e com alteração das regras até então estabelecidas. No fundo, deixa de existir e o que subsiste é coisa distinta, de outra essência e com outra finalidade.
Nesse sentido, grau zero da política seria o momento a partir do qual a política se despe de sua finalidade histórica de instrumento de mediação entre os diversos interesses conflitantes na sociedade em torno dos modos de direcionamento das demandas públicas. Através da política se evita a necessidade de utilização da força física, bruta, como meio de vencer as discussões públicas, o que sempre privilegiará os mais fortes em detrimento dos desfavorecidos, desequilibrando a balança social.

segunda-feira, 9 de maio de 2016

Para fortalecer a democracia, o fim das eleições


Tempos bicudos, como este que atravessamos no Brasil, são interessantes por que nos obriga a pensar, a refletir sobre a realidade. Não por acaso, durante o período da ditadura militar a arte brasileira explodiu, superando-se em beleza e em inteligência. Tudo pela necessidade de produzir crítica política disfarçada em pinceladas e versos. É na dificuldade que a criatividade aparece com mais força.
Esse período da vergonha política brasileira me reacendeu uma antiga reflexão sobre a democracia fundada no sufrágio universal.
Que há algo de muito errado com a democracia e que a política não mais representa os interesses dos cidadãos, trata-se de sensação comum a grande parte da população, não só do Brasil, mas mundial.

sexta-feira, 6 de maio de 2016

No olho do furacão


Então... estou calmo. Estranhamente calmo.
Não é como a calmaria que sucede a violenta tempestade. É a calma típica do deprimido, da quem sente a impotência. É mais como a tranquilidade transitória de quem está no olho do furacão e sabe que, breve, muito breve, será atingido pela fúria indomada dos ventos. Há um aperto indistinto no coração, aquele que nos acomete quando estamos plenamente cientes da inevitabilidade do que virá e, justamente por sua natureza inevitável, nada, absolutamente nada podemos fazer em relação ao futuro. Woddy Allen, jocosamente, se dizia bastante preocupado com o futuro, já que é lá que pretende passar o resto de sua vida. Eu também, Woody, eu também, juntamente com minha família e todas as pessoas que amo. Como chegamos a esse ponto? De que forma deixamos escapar essa oportunidade única de nos livrarmos dessa pecha pejorativa de país do futuro, de país em vias de desenvolvimento? Quase chegamos lá e... de repente, voltamos aos anos 1990. Por que?

domingo, 24 de abril de 2016

Sinuca de bico


Os adeptos do jogo de sinuquinha sabem bem o que é uma sinuca de bico. É quando a bola branca se encontra posicionada de tal forma que impede que a bola do jogo seja atingida diretamente. Nesse caso, o jogador tem que utilizar a tabela, ou seja, atingir sua bola em dois ou mais toques. É sempre uma situação difícil de sair, mas não impossível, dependendo muito da habilidade do jogador. Jogadores pouco habilidosos tendem a perder a jogada, enquanto jogadores experientes conseguem usar bem a tabela e sair da dificuldade.
Fica a indagação: Dilma é uma jogadora habilidosa? Conseguirá usar a tabela e sair da dificuldade do processo de impeachment?

segunda-feira, 18 de abril de 2016

Golpe de hoje, esperança do amanhã


O desenho do golpe esperado ocorreu: o processo de impeachment vai prosseguir no Senado.
O partido que lidera o golpe, o PMDB forneceu um total de 59 votos favoráveis ao golpe e dois contra. O PMDB do Rio colaborou com nove votos a favor do processo e dois contra. Um massacre.
O "líder do governo", Leonardo Picciani encenou, de modo pouco convincente, o papel de homem fiel ao governo do qual é líder, votando contra o impeachment, logo após ter orientado seus liderados a votar a favor.
No dia 08 de dezembro de 2015, em texto publicado no blog, esse resultado foi previsto, inclusive em relação ao desembarque maciço do PMDB.
O texto não foi bem aceito, muito provavelmente, e de modo compreensível, porque não era o momento para pessimismos, ainda que fundados em realidade patente e cristalina (talvez ainda não seja). Eis o link: http://marciovalley.blogspot.com.br/2015/12/o-impeachment-passara-dilma-perdera.html e o trecho que previa o comportamento do PMDB no golpe:

domingo, 3 de abril de 2016

Porta dos Fundos, delação, linchamentos e midiotas



Assisti a esse ótimo vídeo do grupo Porta dos Fundos intitulado "Delação". Recomendo.
Vivemos um momento histórico peculiar no Brasil, um momento muito perigoso, no qual direitos e garantias individuais são atropelados em nome da perseguição a um segmento político da população, semelhante ao que houve nos EUA, na década de 1950, com o macartismo (perseguição aos comunistas) e na Alemanha, na década de 1930 (perseguição aos judeus).
Escolhido o inimigo, surrupiam-se seus direitos mais básicos. Trata-se da aplicação prática do Direito Penal do Inimigo, através do qual se nega ao adversário aquilo que é absolutamente normal e corriqueiro ser concedido àquele que é considerado semelhante.
Qualquer idiota entra num linchamento,

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Súplica aberta, em nome dos despossuídos, ao detentor do verdadeiro poder


Sr. chefe do clã Roberto Marinho, antes de mais nada, deixe-me esclarecer que, a partir da morte do patriarca Roberto Marinho, não se sabe bem quem manda no conglomerado Globo, se é o Roberto Irineu, o João, o José ou outro qualquer oculto do público (Kamel, Schroder, talvez Bonner? Não, o Bonner do "Homer Simpson" não pode ser...), sendo essa a razão que me conduz a direcionar a presente súplica a um indeterminado "chefe do clã", seja quem for.
Sr. chefe do clã, o senhor, claro, não me conhece e, provavelmente, jamais conhecerá. Pertencemos a mundos que jamais se tocam, sequer tangenciam. Parafraseando o famoso livro, sua classe é de Vênus, a minha é de Marte. O senhor é um bilionário, um empresário altamente poderoso, que integra o milésimo superior da população humana e se relaciona com as pessoas mais poderosas do planeta. Basta o seu simples desejo e estará apreciando um Macallan, 1946, baforando um Gurkha Black Dragon ou um Cohiba Behike, enquanto aguarda o prato mais caro pedido no Restaurant Le Meurice, em Paris. Não se surpreenda, não conheço nada disso, pesquisei no São Google, o pai dos descerebrados.

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Entre a prisão e o ócio remunerado, que tipo de sociedade desejamos?



Presumindo-se que todos ainda sejamos capazes de sonhar, que tipo de sociedade nós, brasileiros, desejamos para viver? Que espécie de comunidade humana reside em nossas utopias mais longínquas?
Assim como todo objeto de estudo, sociedades podem ser categorizados de diversas formas. Costumam ser rotuladas como abertas ou fechadas, capitalistas ou comunistas, democráticas ou ditatoriais, modernas ou primitivas, e diversas outras, sendo possível avançar em infinitas divisões categóricas mais adequadas ao estudo que se pretende.
No presente caso, interessa a divisão próspera ou opressiva, mais adequada e abrangente do que, simplesmente, feliz e infeliz, que também caberia, porém dizendo menos do que se pretende.
Embora semanticamente a palavra opressão