sábado, 15 de setembro de 2012

O banal do amor

O escritor português José Luís Peixoto é autor de um pequeno texto chamado “O amor burguês”. Muito bonito, o texto fala sobre a ausência de poemas que descrevam o dia a dia do amor, como, por exemplo, um casal fazendo compras no supermercado. Segundo o autor, “é muito fácil confundir o banal com o precioso quando surgem simultâneos e quase sobrepostos”.
Perfeito.
De fato, ás vezes não percebemos como algo comum pode ser muito mais importante que qualquer coisa rara. Vou dar um exemplo radical: o ar que respiramos. Nada é mais importante e, ainda assim, mal nos damos conta de sua existência.

Em relação ao amor, poemas realmente não falam, em geral, sobre o banal do amor, que é a comunhão na rotina, embora seja, essa comunhão, a maior parte da relação amorosa.
Poesias costumam falar sobre as dores dos amores desprezados ou tecer loas aos sonhos aprazíveis passados com a pessoa amada em cenários paradisíacos, que raramente são materializados. Poetas nada enxergam de especial na experiência conjunta do dia-a-dia, justamente talvez por ser tão comum.
Isso se deve, provavelmente, à necessidade que o ser humano sensível possui, em contraponto à rotina sedentária, de um retorno, ainda que ilusório, à sua real natureza, inquieta e sempre em busca da concretização de sonhos, sempre perseguindo ilusões.
Em suas mentes, seres humanos românticos se veem como cavaleiros errantes salvando a donzela na torre, ainda que estejam sentados no confortável sofá da sala. Humanos não apreciam muito a realidade crua do concreto, do real, prefere revesti-la com as flores do intangível.
Não se verão poesias, e, por favor, nem delas faço aqui apologia, descrevendo a alegria que o poeta apaixonado sente ao ver o grande amor de sua vida sentado no assento sanitário, feliz ao fazer suas necessidades fisiológicas, com os sons e aromas inerentes ao ato, assim demonstrando sua boa saúde. Isso é cru demais para a sensibilidade do ser humano.
Porém, no fundo, no fundo, é isso que desejamos para e de quem amamos: saúde, felicidade, companheirismo duradouro e solidariedade nas aflições.
Poesias são oníricas, o amor é mais que isso.
Poesia contém apenas palavras; será o amor, envolvendo pessoas, que lhe transferirá a emoção do poeta.

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