terça-feira, 24 de setembro de 2013

O refluxo do "mensalão"


O jurista Ives Gandra Martins, de 78 anos, possui 56 anos de advocacia e é professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra. É autor de dezenas de livros já publicados, inclusive em parceria com alguns ministros do STF.
Com um currículo desse, dele se pode afirmar tudo, menos que seja petista. Pelo contrário, Ives Gandra situa-se, no espectro político, em polo oposto ao do PT.
Em longa entrevista concedida à Folha de São Paulo, de uma página inteira e que, apesar disso, não mereceu qualquer destaque na capa do periódico, ele sustenta que o processo do chamado "mensalão", possui duas interpretações possíveis. Uma delas é positiva, pois abre a expectativa de "um novo país" em que políticos corruptos seriam punidos. A outra, todavia, é ruim e perigosa, pois o STF teria abandonado o princípio fundamental de que a dúvida deve sempre favorecer o réu.

Gandra assevera ter lido todo o processo, cuja cópia lhe foi enviada por José Dirceu. E não hesita em afirmar categoricamente e sem meias palavras: o ex-ministro José Dirceu foi condenado sem provas e, para que isso acontecesse, foi necessário que o STF adotasse, de forma inédita, a teoria do domínio do fato.
O jurista pontifica que a adoção dessa teoria, como realizada pelo STF, constitui uma fonte de insegurança jurídica "monumental": a partir de agora, uma pessoa completamente inocente pode ser condenada com base apenas em presunções e indícios. Gandra sustenta que a teoria não é aplicada na forma como compreendida pelo STF nem mesmo em seu país de origem, a Alemanha,
Para Ives Gandra, o motivo da existência do princípio penal "in dubio pro reo", num regime democrático, é impedir a prática de injustiças ante o enorme poder do Estado. Em acréscimo, relembra que a Constituição assegura a ampla defesa, reforçando que o adjetivo "ampla" é de uma densidade impressionante.
Segundo ele, o processo penal não objetiva, fundamentalmente, a defesa da sociedade, mas a defesa do acusado. Em outras palavras, o princípio do "in dubio pro reo" e da ampla defesa visam evitar os linchamentos e as injustiças praticadas contra inocentes, tanto pelo Estado, como pela maioria da população em relação às minorias.
Não há dúvida de que, ocasionalmente, sirva como instrumento de impunidade em relação a culpados, mas esse é o preço a pagar se a sociedade humana pretende sinceramente que a civilidade vença a barbárie.

Nenhum comentário :

Postar um comentário