Em
editorial, o jornal "O Globo" finalmente pediu desculpas ao
povo por seu explícito apoio ao golpe militar de 1964. Cinquenta
anos depois, "O Globo" reconhece que o seu posicionamento,
à luz da história, foi incorreto.
Vindo
de "O Globo", não se poderia esperar perfeição no
reconhecimento de um erro. De fato, ao lado de se desculpar, a
publicação tenta se justificar na afirmação de que, na ocasião,
o povo estaria contra o governo de Jango.
Inicialmente,
destaca-se que o jornal sempre denominou de "revolução" o
que agora reconhece ter sido um golpe. Quanto à sua afirmação de
que o povo estaria contra o governo de Jango e por isso a adesão do
jornal, o que se constata é que a Globo, mesmo enquanto pede
desculpas, repete o seu melhor produto: mentira.
Eis
os dados do Ibope de pouco antes do golpe militar (1):
a)
69% dos entrevistados avaliavam o governo Jango como ótimo (15%),
bom (30%) e regular (24%). Apenas 15% o consideravam ruim ou péssimo,
fazendo eco aos jornais;
b)
49,8% cogitavam votar em Jango, caso ele se candidatasse à
reeleição, em 1965 (seu mandato expirava em janeiro de 1966); 41,8%
rejeitavam essa opção;
c)
59% apoiavam as medidas anunciadas pelo Presidente na famosa
sexta-feira, 13 de março.
Como
se vê, os dados estatísticos contrariam a versão platinada de que
o povo estaria contrariado com Jango a ponto de apoiar um golpe ou
iniciar uma revolução.
Na
verdade, o povo estava tranquilo e foi a grande imprensa (Estadão,
Folha e outros juntos com a Globo) que criou um clima de rebelião,
insuflando os militares ao golpe. Por conta dessa funesta intervenção
midiática, deu no que deu e o povo foi obrigado a amargar 21 anos de
ditadura militar. O povo agradece o pedido de desculpas, mas o
considera insuficiente para reparação de décadas de violência
ditatorial simbólica e material.
A
tragédia, porém, não termina no insincero pedido de desculpas, mas
se repete como farsa.
Há
evidente similaridade entre o experimento jornalístico daqueles
tempos e o que testemunhamos hoje: uma fração minúscula da
população que se considera “iluminada”, e que detém grande
poder de influência na distribuição da informação, posiciona-se
contra um governo de esquerda e usa toda a sua influência junto ao
povo para extirpá-lo do poder.
Se
naqueles tempos buscou-se insuflar a caserna, hoje se sacode o
vespeiro do aparato polícial-judiciário.
A
atual crítica política, totalmente construída pela imprensa, está
longe de ser constituída a partir de elementos verdadeiros,
racionais e lógicos. A maior parte das manchetes e reportagens é
histérica e desvinculada da realidade.
Sempre
sob uma perspectiva fascista, nenhum tipo de avanço é reconhecido
pela imprensa. Reina um tipo de fundamentalismo antipetista que
insensibiliza os jornalistas da grande imprensa relativamente à
credibilidade de qualquer índice positivo, somente os negativos são
atribuídos às ações do governo. A violência simbólica é
tamanha que, caso seja impossível ocultar um número positivo,
nenhum crédito é concedido à gestão do atual governo, sempre se
atribuindo o dado positivo às bases construídas em governos
anteriores. A ênfase é focada nos governos tucanos ou às
“condições favoráveis” do mercado internacional.
Por
má-vontade ou má-fé, o chamado “mensalão” é
superdimensionado como o maior escândalo de corrupção da história
do país. Nenhum destaque foi concedido na época, nem é concedido
hoje, às falcatruas ocorridas durante o intenso processo de
privatização orquestrado pelos governos tucanos, que gerou desvio
mais de vinte e cinco vezes superior aos valores do mensalão.
A
partir dessa visão pirracenta e pueril, a pretensão do PT de
permanecer no poder é mancheteada como antidemocrática, fingindo-se
desconhecer que partidos políticos, em qualquer lugar do mundo,
existem justamente com o objetivo de manter no poder indefinidamente
um determinado projeto para a sociedade, enquanto os eleitores
decidirem que assim deve ser. Dissemina-se a falsa ideia de que
partidos políticos, republicanamente, deveriam abdicar
voluntariamente do poder depois de certo tempo, como se isso não
fosse solução a ser decidida pelos eleitores.
No
reverso da medalha, nada se fala sobre um possível projeto de
perpetuação no poder pelo PSDB no governo de São Paulo, que
concentra o segundo maior orçamento público do país, atrás apenas
do governo federal. Em São Paulo, a perpetuação no poder pelo PSDB
é bem mais antiga do que a do PT no âmbito federal, mas isso não
interessa à imprensa.
Paralelamente,
transmite-se ao povo a ingênua e fraudulenta ideia de que a mera
retirada do PT do governo, por si só, seria capaz de solucionar as
grandes questões nacionais, de governo e de corrupção, mesmo sem
alteração de monta no atual sistema político absolutamente
corrompido e corrompedor.
São
jornalistas que atuam como dublês de “illuminati”, mas cuja ação
não é pautada em convicção política ou intelectual, de modo
nenhum. Como diriam os americanos: é a economia, estúpido!
A
questão é, e sempre será, dinheiro e poder.
Trata-se
de retirar o cão pastor atual, que de algum modo está incomodando,
ainda que pouco, e colocar em seu lugar, para tomar conta do rebanho
de ovelhas, um lobo da própria alcateia, o “nosso lobo”. Caso o
“nosso lobo” chegue ao pastoreio, então diminui-se a pressão:
menos manchetes escandalosas, menos jornalismo investigativo, menos
pessimismo nos artigos e menos “especialistas sem espírito” na
tevê analisando fatos deletérios do governo. Todavia, as ovelhas
continuarão a ser mortas, agora pelo "nosso lobo" e em
número maior do que antes, mas isso não vem ao caso.
Especialista
sem espírito é aquele que possui amplo conhecimento sobre sua área
e praticamente nenhum sobre a totalidade da sociedade. É um cego
parcial, incapaz de perceber a dimensão e alcance dos remédios que
propõe, mas totalmente servil aos propósitos de quem os convoca.
E,
claro, o circo deve continuar em sua missão de distrair: mais
qualidade nas novelas, mais samba e mais futebol.
Alçado
ao poder o "nosso lobo", nada muda de fato e pode até
piorar muito, mas tudo se transforma pela força alquímica das
manchetes, capazes de transformar “corrupção de políticos do
PSDB paulista” em “cartel de empresas em licitações” ou
"crise hídrica de São Paulo por falta de planejamento" em
"falta d'água por estiagem prolongada".
Os
“iluminados” da mídia, repetindo o padrão Goebbels de contar a
mesma mentira mil vezes, alteram não somente a realidade, como
também as mentes de parcela do povo, principalmente as da classe
média, sôfrega por acreditar nessa “verdade”. Pior, passa a
considerar que essa é sua própria verdade subjetiva, à qual chegou
após profunda “análise” da conjuntura do país. Como diriam os
nossos jovens, só que não (SQN).
Não
se trata de verdade, mas de ilusão. Uma ilusão que se perpetua
nessa amostra populacional, a classe média, pela existência de um
medo íntimo e inconfessável, talvez até subconsciente, de que os
pobres, migrando para a classe média, ainda que média baixa, passem
a ter acesso aos mesmos bens de consumo que eles. Isso, que horror,
os igualaria.
O
temor não é o de perder o atual poder aquisitivo, mas o de perder o
status distintivo de sua classe. O medo é de ser igual.
As
pesquisas em geral confirmam que os pobres, essa classe que
efetivamente representa o Brasil, pois constituem a maioria do povo e
dos cidadãos, são favoráveis ao governo. Por quê? Simples: porque
agora conseguem comprar geladeira, micro-ondas e, pasmem, até carros
e casas.
Os
grandes jornais pertencem à classe alta, aquela que deseja arrumar
um emprego para o “nosso lobo”. Além disso, são dirigidos por
administradores oriundos da atemorizada classe média. Daí a
explicação para a manipulação e disseminação de um temor difuso
e indizível de repugnância pela ascensão social dos pobres.
Reinventam
o mito do comunista comedor de criancinhas. Assim como em 1964,
repete-se hoje o mesmo padrão de criar uma verdade social paralela,
alternativa, inexistente no sentimento da imensa maioria do povo,
porém perfeita para criar um ambiente de instabilidade institucional
e política.
Esticam
a corda ao máximo possível. O problema é que um dia a corda poderá
romper de forma inesperada. Inesperada até para eles, que a
esticaram. A ida dos jovens para as ruas, negando a política, foi um
indicador disso.
Imagine-se
um cenário de manutenção do PT no governo por mais um, dois ou
inimagináveis três mandatos, de forma democrática, pelo voto, e
sem alteração no sistema político. Nesse cenário, tudo é
possível a partir da radicalização política promovida ante o
desespero antidemocrático da mídia, inclusive uma nova ditadura,
militar ou não, de direita ou não.
A
nova onda é o golpe judiciário, já testado em republiquetas.
Percebam
que os jovens manifestantes não estão falando em política. Pelo
contrário, eles rejeitam a política e os políticos tradicionais.
Dizem não às bandeiras dos partidos, mesmo os da esquerda
considerada autêntica. A linguagem deles é a da anarquia (em seu
sentido real, de ausência de governo), do coletivismo e da
multiplicidade. É um caldo perigoso sem uma liderança política.
A
grande imprensa (leia-se, a elite) pode estar dando um tiro no pé.
O
melhor caminho para o país não passa pela mera desconstrução do
PT. Esse partido, independentemente da imagem que tentam transmitir,
não representa o que há de pior na nossa política. O PT representa
a política brasileiro que sempre ocorreu. O PT materializa a nossa
realpolitik, uma política cujo corpo somente se movimenta alimentada
por conchavos e patrimonialismo.
O
PT não é a jabuticaba, mas o seu suco, a sua geleia. O PT é o
produto final de um sistema preparado para germinar jabuticabeiras.
Necessitamos
de uma vontade política seriamente direcionada para uma forte
alteração na legislação político-partidária. Uma que torne
desnecessária ao executivo a compra da governabilidade ao
legislativo. Que dispense paladinos do judiciário de usurpar as
funções do legislativo em nome da moralidade e da ética. Que
garanta que o partido político eleito materialize a promessa
ideológica de seus estatutos. Que não permita que partidos
políticos, que deveriam representar o pensamento de segmento da
população, tornem-se simples veículos de aluguel para políticos
aventureiros e carreiristas.
A
Rede Globo e os outros jornalões mentiram em 1964, continuam a
mentir hoje e continuarão a mentir nas próximas décadas, enquanto
existirem as condições políticas e legislativas que permitam a
publicação irresponsável dessas mentiras e a criação de um falso
estado de crise política provocativa de instabilidade no país,
sempre prejudicial.
O
povo, o cidadão, necessita entender que o interesse dessas
corporações não foi, não é e jamais será idêntico ao seu. Se
elas atacam sistematicamente algo ou alguém, a melhor orientação
para o povo é suspeitar, abrir os olhos e levantar as orelhas.
Pode
não ser nada, mas pode ser tudo.
1
- dados extraídos de
http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/globo-o-odor-da-saturacao-por-saul-leblon
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