Poucas
pessoas possuem acesso direto aos autos de um processo criminal. Em
geral, apenas o acusado, seu defensor, o juiz, alguns serventuários
e mais meia dúzia de outros interessados. Entretanto, à exceção
possível do acusado, mesmo estas pessoas não estavam no local do
crime e não o testemunharam, de modo que são incapazes de assegurar
que a verdade formal, aquela que foi produzida nos autos a partir de
relatos de testemunhas ou de outras provas, corresponde à verdade
real, ou seja, ao fato efetivamente ocorrido.
Se
isso é verdade para quem possui proximidade com o processo penal,
acessando diretamente as provas produzidas, muito mais o será para
quem não tem acesso algum. Nessa hipótese, opinar de forma
categórica, defendendo veementemente a inocência ou a culpa de
alguém que nunca viu na vida, de caráter e personalidade
desconhecidas, constitui ação de extrema leviandade.
Em
todo o mundo, mesmo em países cuja polícia técnica é saudada
costumeiramente em filmes e séries de televisão, são absolutamente
corriqueiros os casos de provas que culparam indevidamente inocentes,
inclusive as indevidamente consideradas infalíveis provas de DNA.
É
tão comum testemunhas apontarem com convicção, como culpadas,
pessoas que jamais estiveram no local do crime, que é obrigatório,
em diversos países, que os suspeitos sejam colocados ao lado de
pessoas parecidas com eles antes de serem submetidos a
reconhecimento.
A
ciência já demonstrou, através de incontáveis experimentos,
primeiro, que o cérebro falseia as percepções enviadas pelos
sentidos e, segundo, que a memória humana falseia os elementos
sensoriais armazenados no cérebro, construindo falsas memórias.
Enfim, o cérebro humano falseia memórias sobre sentidos que foram
falseados por ele. Sendo assim, confiar em memória de testemunha
para condenar alguém por um crime é um enorme risco.
Sempre
que surge um processo que atrai o clamor público, cada pessoa deve
se conscientizar de que absolutamente todo o conhecimento sobre o
assunto a que teve acesso possui como fonte aquilo que a imprensa
publica. E também de que o fato de a imprensa acusar alguém de modo nenhum
pode ser entendido como certeza de autoria de qualquer ação.
Não
se deve ignorar a possibilidade, sempre presente, de que a imprensa tenha interesse
próprio em distorcer intencionalmente a realidade com o objetivo
oculto de destruir reputações, coisa que donos de jornais costumeiramente fizeram ao longo da história e ainda fazem, no Brasil e no mundo, na inesgotável perseguição ao poder.
Ainda
que se trate de matéria jornalística legítima, a notícia
publicada somente poderá ser fundada nos elementos que constam dos
autos e nas declarações de pessoas vinculadas ao processo, que,
como assinalado, são informações duvidosas, dado que ninguém sabe
nada além do que está nos autos.
Cabe
recordar que jornalista, em princípio, não é profissional do
Direito e dificilmente será capaz de reproduzir com exatidão o que
se passa nos autos do processo, pois carece de conhecimento técnico
específico.
Além
disso, jornalista é humano e, dada essa natureza, comete erros e
pode se tornar tendencioso ao optar pela versão que acha mais
correta ou pela qual possua simpatia ou um interesse qualquer. O exemplo da
Escola Base de São Paulo bem dimensiona o tamanho do estrago que
jornalistas podem produzir na vida de inocentes.
Portanto,
é saudável o exercício de muita reflexão antes de adotar qualquer
posicionamento na hipótese da única fonte de informação sobre o
caso ser a imprensa. Não se deve acreditar que alguém seja
criminoso somente porque a manchete assim o adjetiva.
Deve
ser adotada a regra de ouro na análise de casos rumorosos publicados
nos jornais, desejando para o outro que está sendo acusado
estritamente o tratamento que se gostaria de obter se o acusado fosse
você mesmo ou pessoa que você ama.
E
mais: deve-se sempre ter em mente que qualquer pessoa está sujeita a
ter problemas com a justiça em algum momento de sua vida. Alguns
terão culpa grave, outros terão culpa leve, muitos, porém, a maioria, serão
inocentes.
A
aplicação da lei, em seu sentido material, é igual para todos. Ao
exigir, no auge da raiva e da indignação, a condenação sumária
de alguém, sem direito a recurso, mesmo um estuprador, a pessoa deve
ter a consciência de que, um dia, um amigo ou um familiar seu também
poderá ser enjaulado sem direito a recurso. Por conta da igualdade perante a lei, ainda que inocente, a ele será aplicada a mesma lei sumária, impossibilitando uma persecução criminal exauriente e uma defesa completa capazes de produzir a prova da inocência.
As
escolhas das pessoas em relação ao modelo de sociedade que desejam
devem ser criteriosamente sopesadas, não sendo conveniente adotá-las
no auge da emoção. Isso é um passo certo para o arrependimento
futuro.
Em
resumo: deve ser evitado juntar-se a linchamentos físicos ou midiáticos. Isso não é
civilizado.
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