Críticos do socialismo
costumam afirmar, como uma das mais fortes razões para o repúdio, que o
socialismo real, aquele materializado principalmente nas experiências
soviética e chinesa, normalmente é fundado em governos
aristocráticos e no culto à personalidade, acabando por redundar
num totalitarismo sanguinário, que mata milhões de pessoas para a
manutenção do poder.
Não há dúvida quanto
ao horror soviético. Stalin, sozinho, chacinou nove milhões de
cidadãos russos. Tampouco cabe negar o maléfico comunismo chinês,
com Mao Tsé Tung sendo responsável pela morte de setenta milhões
de pessoas. De fato, ambos os regimes foram totalitaristas, marcado
por cidadãos instados ao dever da vigilância recíproca e
patrulhamento ideológico de uns em relação aos outros, causadora
de intensa paranoia social, porém com o efeito de manter todos no
direcionamento pretendido pelos camaradas governantes. Nessa
situação, o sentido de pertencimento à comunidade se esvai,
restando o cidadão atomizado, preocupado exclusivamente em buscar, de forma egoísta, meios de sobreviver, ainda que à custa da delação do vizinho.
restando o cidadão atomizado, preocupado exclusivamente em buscar, de forma egoísta, meios de sobreviver, ainda que à custa da delação do vizinho.
Não se pode negar a
história. Claro que o defensor do socialismo dirá que as
experiências soviética e chinesa são a degeneração da utopia
socialista e que estão muito longe do socialismo em tese, defesa
fragilizada pela ausência de experiência real que lhe dê sustento.
Sinuca de bico para o socialista, pois essa experiência real
paradigmática jamais existiu, dado que as condições materiais do
surgimento do socialismo ainda não foram criadas. O capitalismo
precisa atingir seu ápice, requisito fundamental e indispensável
para o passo em direção à evolução social prevista por Marx. O
futuro dirá.
Porém, parece faltar
ao crítico do socialismo um visão mais abrangente da realidade
capitalista. O defensor do capitalismo aparenta não perceber os
vícios e defeitos da sociedade como um ônus do sistema que advoga.
Em sua defesa, pode-se dizer que é, de fato, difícil para o
elemento do conjunto obter uma visão da totalidade do conjunto que
integra.
O fato, porém, é que
o capitalismo também possui seus horrores.
A antiga divisão do
mundo em capitalista, comunista e terceiro-mundista ruiu
completamente junto com o Muro de Berlim. Hoje, o sistema capitalista
reina soberano no mundo, possuindo como parceiro somente o terceiro
mundo, que hoje deveria ser mais apropriadamente denominado de
segundo mundo. Chamar de "parceiro" é um eufemismo, claro.
O terceiro mundo é parceiro do capitalismo na mesma proporção em
que o Brasil era parceiro de Portugal enquanto colônia.
Enfim, se há hoje
comunismo no mundo, está restrito a países sem relevância
geopolítica, como Cuba.
O único que seria
potencialmente relevante, a China, não cabe mais na classificação.
Possuindo economia francamente aberta, não pode ser considerado
comunista.
À luz dessa nova
hegemonia capitalista, um dos primeiros problemas que se apresenta ao
observador com relação ao capitalismo, e que o aproxima da crítica
ao socialismo, é que ele igualmente tende a formar uma elite
governante, embora plutocrática e não, como no socialismo real (não no utópico),
aristocrática.
O capitalismo está
acima dos estados e dos interesses nacionais. A classe política que
representa os países somente de forma subalterna e indireta pode ser
afirmada como possuidora de algum poder de direção do capitalismo.
O sistema, na verdade, é controlado, com mãos de ferro, por um
número absurdamente pequeno de pessoas. Mais precisamente, cento e
sessenta e uma pessoas determinam os rumos do capitalismo mundial,
não somente como administradores dos maiores conglomerados do
planeta, como também na condição de partícipes de grupos de
política global ou de governos, como o FED (banco central
americano), o Banco Mundial ou o FMI, assim orientando e dominando os
grandes centros de decisão da política econômica.
Não, seria ótimo, mas
não há qualquer equívoco no número. São apenas cento e sessenta
e uma pessoas que mandam na economia mundial, tanto na área privada,
como nos governos, segundo lista publicada pelo Censored 2014 da
Seven Stories Press (link abaixo).
Essas pessoas dirigem
instituições consideradas “grandes demais para falir”, o que
lhes autoriza a plenitude em suas decisões, cientes que poderão
fazer absolutamente tudo o que quiserem, arriscar qualquer projeto,
experimentar toda loucura (como derivativos, subprimes, manipulação de câmbio e por aí), sem
que disso decorra qualquer consequência pessoal ou para os
conglomerados que representam. Na última grande crise que
provocaram, por exemplo, os governos do mundo bancaram o prejuízo,
temendo o chamado “risco sistêmico”. Perceba-se que investidores
perdem dinheiro e grandes empresas quebram com as crises, mas isso
faz parte do negócio capitalista. A elite dirigente jamais perde
riqueza. Não se trata de informação privilegiada, mas de ciência
prévia do fato relevante por ser o criador do fato. Os amigos,
alguns, é que recebem informação privilegiada.
Dessa pequeníssima
elite dirigente, cento e quarenta são homens e são brancos (87%),
oitenta estudaram nas mesmas dez universidades (50%), setenta e dois
são dos Estados Unidos (45%).
E não hesitam por um
minuto sequer em adotar políticas que certamente causarão
desemprego, miséria, fome e, inclusive, guerras.
Por conta da orientação
dessa elite dirigente capitalista, a metade mais pobre da população
global, três bilhões e meio de pessoas, possui menos de dois
porcento da riqueza do planeta. Um bilhão, duzentos e noventa
milhões de pessoas são consideradas miseráveis, vivendo em pobreza
extrema, com menos de um dólar e vinte e cinco centavos por dia.
Outros um bilhão e duzentos milhões de pessoas são consideradas
apenas... "pobres", pois vivem com menos de dois dólares
por dia.
A política capitalista
é diretamente responsável por trinta e cinco mil pessoas mortas
todos os dias. De fome. Um milhão e cinquenta mil pessoas morrem de
fome todos os meses.
Assim como não se pode
adotar o negacionismo em relação aos males do socialismo real,
tampouco cabe negar os horrores do capitalismo. São doze milhões,
setecentos e setenta e cinco mil pessoas que morrem de fome por ano.
Trata-se de um mal
muito maior do que as doenças que mais matam no mundo. O câncer,
por exemplo, mata cerca de sete milhões e meio de pessoas por ano. A
aids cerca de um milhão e meio. O trânsito por volta de um milhão
e trezentas mil pessoas. São meros espirros frente à fome gerada
pelo império da lucratividade.
Como afirmado no
início, Stalin foi responsável por cerca de nove milhões de
russos mortos... só que em trinta anos. São cerca de trezentos mil por ano. Pois o
sistema capitalista, apenas nos últimos vinte anos, permitiu a
morte, por fome, se levarmos os números atuais (o que não é real mas permite uma dimensão histórica do impacto da miséria) de duzentas e cinquenta e cinco milhões de pessoas,
pondo Stalin absolutamente no chinelo em matéria de mortandade.
Nesse período, nem tão
longo assim, o capitalismo matou mais do que a Primeira Guerra
Mundial (estimativa de dezenove milhões de mortos), a Segunda Guerra
(sessenta milhões), Guerra do Vietnã (dois milhões) e todas as
guerras modernas (Iraque, Afeganistão, Balcãs, etc). Na verdade,
matou mais do que todas elas somadas.
Em todo o século XX, o
tabagismo matou cem milhões de pessoas, cerca de um milhão por ano
em média. O capitalismo, portanto, é bem mais intragável e daninho
à saúde. Quase treze vezes pior, para ser mais exato.
E estamos falando
somente das mortes por fome. As guerras, todavia, são produto direto
das crises capitalistas e suas vítimas bem podem ser incluídas
nessa soma como resultado de falhas do sistema.
A conta passaria,
facilmente, de um bilhão e trezentos milhões de mortos em cem anos (repita-se: considerando-se o número atual de mortes por fome).
Se o sucesso de um
sistema for medido pelo número de mortos que permite, o capitalismo
está perdendo esse jogo... e de muito.
E todas essas milhões
de pessoas morrem de fome todos os anos em função das diretrizes
econômicas de apenas cento e sessenta e uma pessoas. O principal
objetivo desses dirigentes, além de possibilitar uma acumulação
inacreditável de riqueza, é dar conforto à porção da população,
formada por cerca de um bilhão de pessoas, que lhe dá sustentação
política. Trata-se de uma parcela da população que não é elite,
nem é dirigente, gostando de se imaginar, porém, mais semelhante a
quem está acima do que aos que estão abaixo dela. O que os
dirigentes querem é que esse bilhão de pessoas tenha a ilusão de
poder por terem a condição de adquirir o tablet de última geração,
o modelo mais bacana de celular, o vestuário de marca, um automóvel
diferenciado.
Trata-se da classe
média, que, em grande parte, perde o sentido de pertencimento à comunidade, pois não se enxerga no favelado, agindo, assim, de forma atomizada, com preocupação praticamente exclusiva em buscar, de forma egoísta, a manutenção do seu status de sobrevivência, ainda que à custa da manutenção da miséria do vizinho pobre. Embora as condições sejam obviamente outras, esse comportamento é semelhante ao do cidadão aterrorizado pelo totalitarismo.
E parcela da população miserável, por sua vez, também de forma atomizada, reage ao terror totalitário da exclusão, convertendo-a em violência. Numa outra espécie de negação, esquece-se que o crime é uma espécie de guerra civil, deitando raízes no tipo de sociedade desigual que escolhemos. Condena-se a pessoa à fome e criminalizamos a tentativa de matar a fome, privilegiando a propriedade em detrimento da vida. Claro, é mais fácil explicar a violência na base da falha de caráter, da culpa do criminoso, como se essa culpa fosse uma espécie de criação divina, produzida a partir do nada.
Dizem que o capitalismo
é o melhor sistema econômico possível de ser imaginado.
Pode ser, mas o fato
inescapável é que, sob esse sistema, 243 (duzentas e quarenta e
três) pessoas morreram de fome nos dez minutos que você gastou para
ler esse texto (e o contador continua girando).
Dados extraídos da
Wikipédia e de artigo nesse link:
http://www.viomundo.com.br/denuncias/conheca-melhor-quem-a-economist-representa.html
Dados muito bem expostos e argumentados
ResponderExcluirrevisionismo, esquerdismo burgues posmod capitalista... nos comunistas somos contra esquerdismos
ResponderExcluirPor que os países do continente Africano não se desenvolvem apesar de toda a ajuda externa? A abertura de mercado têm um efeito mais positivo do que o planejamento internacional financiado por impostos, que acaba por criar dependência e posterior miséria. Assim, as instituições inter-governamentais que você citou não representam o capitalismo, embora tenha razão em criticá-las. E Isso tudo não tem nada a ver com capitalismo. Pois capitalismo não é a burocracia internacional, nem existe ''política capitalista'', o próprio termo político contrasta com a palavra capitalismo. Tratar o capitalismo como culpado de eventuais mazelas é um erro de lógica e semântica.
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