Caro
Leandro Karnal,
Como
seu (ainda) admirador, não poderia deixar de criticar, não somente
o encontro com Moro, como as justificativas que você apresenta
supostamente para “quem gosta de você”.
Em
primeiro lugar, deixo claro que considero ser absolutamente um
direito de qualquer pessoa tecer amizades com quem quer que seja,
assim como expor as opiniões que possui. Claro que nossas amizades e
nossas opiniões são capazes de provocar reflexos na opinião do
outro e, na verdade, apreciamos as pessoas, e delas nos tornamos
amigos, muito em função de nossas posturas frente à realidade,
assim como em decorrência das pessoas que nos cercam. Somos como nos
apresentamos. Para um Zé Ninguém, a repercussão dos
posicionamentos será quase nenhuma e poucos se importarão sequer em
criticar. Apenas passarão a manter uma distância segura. Para os
que vivem o dilema da fama, para as figuras públicas, a conta é
muito maior. Se a opinião de um famoso possui uma incrível
densidade e poder de persuasão coletiva, por isso mesmo exigindo
responsabilidade ética para sua emissão, que dizer da palavra de um
intelectual?
O
intelectual, ao menos em princípio, possui um aparato cognitivo,
capaz de produção de análise sobre a realidade, muito acima da
média dos seres humanos, por assim dizer, “comuns”. Não precisa
ser um historiador, no entanto, para compreender que o Brasil vive
uma fase atípica em sua política e democracia. A democracia, sob
esdrúxulas e espúrias motivações, foi estuprada pelos senhores do
poder (e não estou falando dos políticos profissionais). A
percepção de que o voto seria insuficiente para retornar à agenda
político-econômica anterior precipitou o golpe pela via
mdiático-jurídico-parlamentar. Criminalizaram, mais uma vez, as
políticas voltadas para o andar de baixo, como antes já fizeram com
Vargas ou com Jango.
Há
momentos, Karnal, em que precisamos escolher o lado certo da
História. O lado certo estava com os abolicionistas, não com os
escravagistas. Estava com as sufragistas, não com o patriarcado que
pretendia manter as mulheres sem poder decisório na sociedade. Com a
resistência, não com os nazistas.
O
estupro da democracia no Brasil, em larga medida, foi possibilitada
pela ação do juiz Sérgio Moro, que você apelidou de
“inteligente”. Não duvido dessa inteligência. Seria o mesmo que
duvidar da inteligência de Heidegger. Todavia, não é possível
fechar os olhos para o fato de que Heidegger abraçou o nazismo.
Conversar com um racista inteligente é possível. Eu o faria.
Richard Dawkins por diversas vezes conversou ou debateu com
religiosos. Confraternizar, rir e chamar de amigo, contudo, coloca
essa conversa em outra dimensão. A da pusilanimidade moral e
intelectual ou simplesmente a adesão à vilania.
A
“inteligência” de Sérgio Moro, que você saúda, é voltada
para a corrupção da interpretação da lei; à deformação do
processo penal, transformado em perseguição ao inimigo político; à
seletividade dos vazamentos de atos processuais que, em tese,
deveriam ser sigilosos; enfim, ao mais puro exemplo de como
reproduzir o macartismo em terras tupiniquins.
Óbvio
que somos livres, inclusive, se assim quisermos, para encetarmos
amizade entre os porcos. Porém, e por favor, evite a dramatização
barata. Você não está sendo perseguido ou patrulhado por quem “não
gosta de você”. Pelo contrário, as manifestações são de
admiradores seus, surpresos por sua inocência ou pela cara-lavada de
vangloriar-se de amizade por alguém que, hoje, é visto por parcela
substancial da sociedade brasileira como um inimigo da democracia,
como um baluarte contra os avanços sociais e contra o combate à
pobreza, como alguém que utiliza o aparato institucional para
eliminar adversários políticos.
Talvez
você não perceba nenhuma conexão entre a derrocada da economia
brasileira (com todas as tragédias individuais que dela resulta) e
os atos do Sr. Sérgio Moro e famigerada Lava Jato, mas parte
significativa do povo assim entende o que está ocorrendo com o
Brasil.
Sim,
Karnal, estamos divididos, o ódio está presente. A responsabilidade
maior, no entanto, repousa naqueles que resolveram que a democracia
era um direito grande demais para os brasileiros e resolveram
cassá-la. Compete a quem esbofeteou a face de 54 milhões de
brasileiros pedir desculpas e recolocar as coisas no seu devido
lugar. Quem foi esbofeteado está gritando, mas é o grito dos
indignados.
No
fim das contas, Karnal, o preço de singelas desculpas pode ser um
preço módico a pagar. Uma convulsão social seria bem pior. Nesse
momento, os brasileiros estão se alinhando: há o lado do “coxismo”
– golpistas – e há o lado dos democratas. Sérgio Moro não é
democrata. Ao se alinhar a ele, você passa a mensagem de que
tampouco o é.
Não
fique com raiva de quem o critica. Posicione-se, como você sempre
faz. A resposta que você deu não é uma posição, é uma
arrogância: você está dizendo que os adeptos do ódio te impediram
de manifestar um posicionamento. Não é verdade. Foram os indignados
que se manifestaram sobre a foto, não raivosos. O principal
fomentador do ódio no país não criticou a foto, pois nela estava
com você, sorridente, brindando com uma taça de vinho.
Pense
nisso e, por favor, volte à sanidade.
publicado originalmente no Facebook do autor em 12/03/2017.
publicado originalmente no Facebook do autor em 12/03/2017.
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