quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Pessoas pequenas

Impressionou-me um documentário produzido pelo Discovery Channel sobre nanismo, cujo link disponibilizo após o texto.
Há um senso comum que nos informa que a pessoa anã é, por definição, pequena. Porém, o quanto pequena é necessário ser para que a pessoa possa ser afirmada como anã?
Cientificamente, considera-se anã a pessoa cuja altura é inferior em mais de vinte porcento à estatura média. Atualmente, considera-se anão o homem adulto menor que um metro e quarenta e cinco e a mulher adulta menor que um metro e quarenta.

Existem diversos tipos de nanismo, sendo os mais comuns os nanismos pituitário e primordial, a acondroplasia e a hipocondroplasia. Entretanto, não é exatamente por tratar sobre o nanismo enquanto condição médica que o documentário causa impressão profunda, mas por apresentá-lo também em sua condição humana.
O documentário testemunha as dificuldades enfrentadas pelos seres humanos que nascem menores do que a média de seu grupo, embora sejam tão grandiosas e capazes em sua condição de seres humanos como todas as demais pessoas não classificadas como anãs.
As pessoas que nascem com nanismo enfrentam, durante toda a vida, problemas físicos graves, sérios, como curvaturas acentuadas na coluna vertebral que, dependendo da gravidade, podem inclusive conduzir à paralisia. Não bastassem tais dificuldades médicas, por si dolorosas, ainda enfrentam preconceito e discriminação na sociedade, o que provavelmente é um problema ainda mais sofrido do que os gravames físicos.
Afinal, como sói ocorrer com tantos outros humanos que são categorizados nas herméticas caixas estéticas subjetivas do feio, os pequenos e mágicos duendes não se encaixam nos padrões de beleza estabelecidos. Os seres humanos, curiosamente, não se dão conta de que a condição do feio, na forma como transmitida pela cultura de massa, não é exceção, mas regra, De fato, a imensa maioria da humanidade encontra-se desviado do padrão de beleza estética das celebridades, paradigmas da beleza humana. O feio, para grande parte das pessoas, está sempre no outro, olvidando-se de que o outro é o mais real de nossos espelhos.
Se para uma pessoa comum, de estatura aceita como "normal", é difícil fugir à intimidação moral provocada pela estética das celebridades, obrigando-as a repetição de exercícios fatigantes e submissão a dietas e cirurgias plásticas, sob risco da própria vida, para o enquadramento na forma humana adotada como o padrão do belo, é difícil imaginar o que sente uma pessoa pequena ao ver a própria imagem diante do espelho.
Desafortunadamente, ainda parece distante e longínquo no tempo futuro o dia em que os seres humanos admirarão mais a inteligência, a cultura, a sabedoria, a arte e a graça de uma pessoa do que sua beleza ou sua propriedade, mais o conteúdo do que a embalagem.
No documentário, os anões reúnem-se em atividades restritas a eles próprios, realizam suas próprias olimpíadas e namoram-se entre si. É bastante emocionante testemunhar que, nesses encontros, a beleza é percebida entre eles, como nunca deveria deixar de ser fora dali.
E, como em tudo o mais na história das relações humanas, sempre existem os que rompem com a barreira do preconceito, os que enxergam no outro coisas que muitos não enxergam porque, na verdade, são cegos para a verdadeira natureza do belo. O documentário mostra dois belos exemplos, dois casais. Um homem normal, alto, casado com uma pequena anã, e uma mulher de estatura normal casada com um anão. Ambos inequivocamente felizes, com o amor evidente em suas faces. Aprenderam até mesmo a lidar com os inquisitivos olhares dos transeuntes que não entendem como uma pessoa alta pode amar uma pessoa pequena.
Na verdade, essas pessoas de olhares intrigados é que são pequenas. Não em sua estatura, mas em sua capacidade de amar, de entregar-se, de perceber no outro o inefável, o intangível, aquilo que somente se pode ver com o sentimento.
Em determinado momento, a mulher anã, casada com um homem de estatura normal, afirma: "Ele é maravilhoso, não sei se o mereço". Pouco depois, vê-se esse homem por ela considerado maravilhoso acompanhá-la ao hospital, onde ela seria submetida a uma cirurgia na coluna, pois o nanismo lhe provoca o risco de ficar paralisada. Ele a acompanha até a sala de cirurgia, dá-lhe um terno beijo na boca e, com os olhos lacrimejantes, diz que a ama e que tudo irá correr bem. É impossível evitar o marejar dos olhos.
É bom que o mundo possua pessoas assim, diferentes dos comuns, melhores que os comuns. Capazes de amar incondicionalmente não somente uma outra pessoa, mas uma outra pessoa fisicamente tão diferente de si mesma. Nem todos possuem essa imensa capacidade de amar o outro de forma tão livre.
Tive o prazer de conhecer uma pessoa assim, livre de amarras, uma grande amiga querida. Ela também namorou um anão, talvez o menor que conheci na vida. E creio que teriam se casado não fosse ela ter falecido jovem, num acidente de carro. Deus, se existe, certamente leva para junto de si os jovens que já cumpriram a sua missão nessa terra.
Assim como essa saudosa amiga, muitas são as pessoas que enfrentam de frente, sem medo, os escárnios e a incompreensão da sociedade e agem como acham que devem agir. São pessoas que reconhecem a beleza onde ela de fato reside. Na alma, no coração.
Como super-heróis mutantes, essas pessoas possuem olhos que enxergam muito além do alcance dos olhos comuns. Em geral, são pessoas incompreendidas, repreendidas, criticadas. São as vítimas mais contumazes da ignorância e do preconceito.
Todavia, parafraseando aquela propaganda de chocolate, elas existem. Ainda bem.

2 comentários :

  1. Lindo mim emocionei demais como é difícil ser diferente

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  2. Letícia Vanderlei, eu também me emocionei quando escrevi esse texto. Bjs.

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