segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Processo, justiça, informação e medidas extremas


Poucas pessoas possuem acesso direto aos autos de um processo criminal. Em geral, apenas o acusado, seu defensor, o juiz, alguns serventuários e mais meia dúzia de outros interessados. Entretanto, à exceção possível do acusado, mesmo estas pessoas não estavam no local do crime e não o testemunharam, de modo que são incapazes de assegurar que a verdade formal, aquela que foi produzida nos autos a partir de relatos de testemunhas ou de outras provas, corresponde à verdade real, ou seja, ao fato efetivamente ocorrido.
Se isso é verdade para quem possui proximidade com o processo penal, acessando diretamente as provas produzidas, muito mais o será para quem não tem acesso algum. Nessa hipótese, opinar de forma categórica, defendendo veementemente a inocência ou a culpa de alguém que nunca viu na vida, de caráter e personalidade desconhecidas, constitui ação de extrema leviandade.
Em todo o mundo, mesmo em países cuja polícia técnica é saudada costumeiramente em filmes e séries de televisão, são absolutamente corriqueiros os casos de provas que culparam indevidamente inocentes, inclusive as indevidamente consideradas infalíveis provas de DNA.

É tão comum testemunhas apontarem com convicção, como culpadas, pessoas que jamais estiveram no local do crime, que é obrigatório, em diversos países, que os suspeitos sejam colocados ao lado de pessoas parecidas com eles antes de serem submetidos a reconhecimento.
A ciência já demonstrou, através de incontáveis experimentos, primeiro, que o cérebro falseia as percepções enviadas pelos sentidos e, segundo, que a memória humana falseia os elementos sensoriais armazenados no cérebro, construindo falsas memórias. Enfim, o cérebro humano falseia memórias sobre sentidos que foram falseados por ele. Sendo assim, confiar em memória de testemunha para condenar alguém por um crime é um enorme risco.
Sempre que surge um processo que atrai o clamor público, cada pessoa deve se conscientizar de que absolutamente todo o conhecimento sobre o assunto a que teve acesso possui como fonte aquilo que a imprensa publica. E também de que o fato de a imprensa acusar alguém de modo nenhum pode ser entendido como certeza de autoria de qualquer ação.
Não se deve ignorar a possibilidade, sempre presente, de que a imprensa tenha interesse próprio em distorcer intencionalmente a realidade com o objetivo oculto de destruir reputações, coisa que donos de jornais costumeiramente fizeram ao longo da história e ainda fazem, no Brasil e no mundo, na inesgotável perseguição ao poder.
Ainda que se trate de matéria jornalística legítima, a notícia publicada somente poderá ser fundada nos elementos que constam dos autos e nas declarações de pessoas vinculadas ao processo, que, como assinalado, são informações duvidosas, dado que ninguém sabe nada além do que está nos autos.
Cabe recordar que jornalista, em princípio, não é profissional do Direito e dificilmente será capaz de reproduzir com exatidão o que se passa nos autos do processo, pois carece de conhecimento técnico específico.
Além disso, jornalista é humano e, dada essa natureza, comete erros e pode se tornar tendencioso ao optar pela versão que acha mais correta ou pela qual possua simpatia ou um interesse qualquer. O exemplo da Escola Base de São Paulo bem dimensiona o tamanho do estrago que jornalistas podem produzir na vida de inocentes.
Portanto, é saudável o exercício de muita reflexão antes de adotar qualquer posicionamento na hipótese da única fonte de informação sobre o caso ser a imprensa. Não se deve acreditar que alguém seja criminoso somente porque a manchete assim o adjetiva.
Deve ser adotada a regra de ouro na análise de casos rumorosos publicados nos jornais, desejando para o outro que está sendo acusado estritamente o tratamento que se gostaria de obter se o acusado fosse você mesmo ou pessoa que você ama.
E mais: deve-se sempre ter em mente que qualquer pessoa está sujeita a ter problemas com a justiça em algum momento de sua vida. Alguns terão culpa grave, outros terão culpa leve, muitos, porém, a maioria, serão inocentes.
A aplicação da lei, em seu sentido material, é igual para todos. Ao exigir, no auge da raiva e da indignação, a condenação sumária de alguém, sem direito a recurso, mesmo um estuprador, a pessoa deve ter a consciência de que, um dia, um amigo ou um familiar seu também poderá ser enjaulado sem direito a recurso. Por conta da igualdade perante a lei, ainda que inocente, a ele será aplicada a mesma lei sumária, impossibilitando uma persecução criminal exauriente e uma defesa completa capazes de produzir a prova da inocência.
As escolhas das pessoas em relação ao modelo de sociedade que desejam devem ser criteriosamente sopesadas, não sendo conveniente adotá-las no auge da emoção. Isso é um passo certo para o arrependimento futuro.

Em resumo: deve ser evitado juntar-se a linchamentos físicos ou midiáticos. Isso não é civilizado.

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