quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Desejos e loucura


Alguns pensadores afirmam que todo desejo possui íntima relação com a loucura. Estarão loucos nessa afirmação? Penso que não. De fato, um indivíduo de perfeita sanidade agirá estritamente segundo os ditames impostos pela razão e pela lógica. E a razão e a lógica, concordam epicuristas e estóicos, e também o vulcano Spock, da série Star Trek, aconselham à ausência de desejos ou, no mínimo, à sua contenção, pois todos os desejos contêm em si a semente da frustração e da infelicidade.

Todo desejo não satisfeito gera, em diferentes gradações, frustração, que por sua vez é mãe da infelicidade. Do universo de desejos, somente alguns serão realizados, ou seja, os desejos são infinitos, enquanto as satisfações são finitas. As chances de frustração, assim, serão sempre maiores do que as de satisfação.
Esse é o vínculo entre desejo e loucura, pois há algo de insano em produzir desejos e mais desejos cujas chances de realização são ínfimas. O estado ideal do ser humano, nesse sentido, seria evoluir para algo extremamente racional como os vulcanos e vivenciar a ataraxia, a ausência total de apetites e emoções.
Claro que é um absurdo imaginar um ser humano totalmente desprovido de anseios, já que alguns são inerentes à própria existência, como as necessidades básicas de água e alimentos. Então, como equacionar a inexorabilidade dos desejos de baixa possibilidade de realização com a eterna busca de felicidade pelo ser humano?
A primeira dica, óbvia, é evitar desejar o impossível. O impossível jamais se concretizará e a chance de frustração é de exatos cem por cento. Não adianta, por exemplo, pretender, aos sessenta anos, possuir a aparência de vinte. Ao menos nesse momento tecnológico, esse desejo é impossível. Fujam disso, vaidosos!
Afastados os desejos impossíveis, evite também os de difícil realização. Por que desejar algo tão difícil, que exigirá sacrifícios enormes e que provavelmente jamais se concretizará? A chance mais palpável disso é resultar em frustração e infelicidade. Um brasileiro pobre vai ao cinema, se encanta pela Angelina Jolie e bota na cabeça que irá viajar aos Estados Unidos para separá-la do Brad Pitt, fazê-la amá-lo e convencê-la a se casar com ele. É possível? Teoricamente, sim. Qual a chance estatística disso se realizar? Sei lá. Uma em um trilhão? É melancolia garantida. O que eu recomendaria para esse pobre brasileiro? Cara, dê uma olhada naquela bela morena, sua vizinha. Não é a cara da Angelina Jolie? Invista nela, mermão! Aliás, em termos de mulher de Brad Pitt, eu era mais a Jennifer Aniston, mas, claro, reprimi esse desejo sob o olhar furibundo de minha esposa munida de seu rolo de macarrão. Ah, nada como a sabedoria.
Para resumir, persiga a felicidade através de desejos simples e facilmente alcançáveis. Dê, sobretudo, prioridade aos desejos que você mesmo possa satisfazer, sem necessitar de auxílio alheio. Por exemplo, se alguém que mora perto do mar ou de um rio, sente um ímpeto de pescar e tem uma certa condição financeira, basta ir a uma loja de pesca, comprar uma vara e os demais apetrechos e ir à luta, ou melhor, à pesca. Essa pessoa não necessita do auxílio de ninguém para isso, de modo que esse desejo de pescar é facilmente alcançável e possui baixa possibilidade de frustração. Claro, ele poderá não pescar peixe algum, mas isso é outro desejo.
Caso algum forte desejo necessite de auxílio, dê prioridade aos que possam ser auxiliados por pessoas muito próximas e amigas, pois elas estão mais facilmente predispostas a te ajudarem.
Lembre-se que desapego não é somente deixar de dar importância ao que já se tem, mas também ao que se pretende ter. Desapego é uma espécie de desejo, porque desejar é querer e, em última análise, desapego é querer não querer. O desapego, porém, é um desejo do tipo fácil, pois depende somente da pessoa e da extensão de sua força moral. Existem pessoas que, para não sofrerem a tentação do consumo inútil, mudam para casas minúsculas para assim não terem muito espaço para porem coisas.
Enfim, a relação entre loucura e desejo pode ser mitigada pela natureza dos próprios desejos. Desapegue-se dos desejos impossíveis, difíceis e complicados. Seja simples, deseje coisas simples. Quanto mais simples o desejo, menor a loucura, menor a possibilidade de frustração, menor a infelicidade.
A felicidade, afinal, não está em algo desejado ou obtido fora de cada um de nós, mas na paz de espírito oriunda do conhecimento nascido dentro de nós sobre nós mesmos.
Desejo, para todos, que tenham menos e mais simples desejos.

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