domingo, 5 de abril de 2015

Mundo selvagem


O animal selvagem, tremendamente forte e robusto, rosna com insatisfação ao perceber um outro de sua espécie, abatido e esquálido, se aproximando da carcaça. A carcaça é três vezes maior do que o animal selvagem robusto, mas ele não deseja dividi-la. Nesse momento, o instinto de sobrevivência grita forte no espírito indomado. Não é possível à fera perceber a possibilidade de solidariedade. Seu lado irracional é mais forte e seus filhotes esperam por um pedaço daquela carne semi-putrefata.
O animal mais esquálido para à certa distância. Avalia a situação. Teme uma reação da robusta besta que está se alimentando. Está muito fraco, não pode se dar ao luxo de um combate. Nota que a carcaça é imensa, poderia alimentar um bando inteiro. Verifica que a fera está se alimentando por um dos lados da carcaça. Imagina que, se chegar pelo outro lado, não irá incomodar. Talvez nem seja notado. Sabe que terá que tentar, pois seu corpo não resistirá à fome por mais um dia. Resolve prosseguir. Irá abocanhar um pedacinho de carne e sair correndo. Não fará falta naquela imensa carcaça e quem sabe a fera perceba que não vai valer a pena uma luta por um naco tão pequeno da carne.
Cambaleante de fome, o esquelético animal circunda o terreno e se aproxima pelo lado de trás da carcaça, para não ser visto pela fera saudável. Aos poucos, se aproxima da carcaça. Logo está tão próximo que consegue sentir o cheiro acre da carne e do sangue. A partir de certo ponto, vai se arrastando lentamente. Evita ser visto ou fazer ruídos reveladores. Não quer incomodar a dona da carcaça e, afinal, teme por sua vida.
Finalmente, o animal faminto alcança a carcaça e, numa abocanhada só, arranca um pedaço de carne. Imediatamente se vira e levanta as patas de trás para dar início à fuga. Está contente. Conseguiu um pedaço de alimento. Não é muita coisa, mas poderá fornecer ao próprio corpo uma reserva de energia. Talvez até consiga vomitar um pouco para dar ao filhote quase morto que aguarda em sua toca.
Sua pata traseira se levanta, mas não chega a alcançar o chão. Seu pescoço é agarrado por presas formidáveis e seu corpo, leve e sem reação, é arremessado a metros de distância, com a carne dilacerada do pescoço denunciando que o fim é inevitável.
O animal, ainda faminto e agora moribundo, cai. Exausto e mortalmente ferido, permanece vivo por mais alguns instantes. O suficiente para, com os olhos abertos, se dar conta de que foi atacado pela besta fera. E ainda está vivo para ver a besta fera lhe dirigir um olhar misto de ira e satisfação.
Após testemunhar, impassível, a morte do atrevido animal faminto, a besta fera vira as costas, entra em sua BMW esportiva, último modelo, e arranca em direção à sua mansão.
O mundo está em ordem novamente. As coisas estão nos seus devidos lugares.

Um comentário :

  1. Muito bom seu artigo.... eu concordo que a selvageria que vemos no dia a dia nos leva a imaginar a selva, mas la a sobrivivencia eh o objetivo..e entre nos?

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