sábado, 17 de setembro de 2022

Eleitores nem-nem e indecisos não podem ir para Paris

No momento em que escrevo (17/09/2022) faltam 14 dias para a eleição. A média das pesquisas mais recentes e idôneas indicam, grosso modo, que Lula está próximo de 50% dos votos válidos, enquanto Bolsonaro passa um pouco de 30%, com Ciro e Tebet disputando o 3º lugar, somando ambos cerca de 12% do eleitorado.

Uma leitura das pesquisas mais elastecida no tempo, todavia, demonstra que, ao longo do último ano, repetidamente Lula apresenta um percentual bastante próximo de 50% dos votos válidos, um pouco aquém ou um pouco além, estando a vitória no 1º turno invariavelmente próxima dos limites da margem de erro. Assim, embora haja uma sinalização da possibilidade de que a decisão final seja carregada para o 2º turno, igualmente indicam que qualquer espirro eleitoral em seu favor determinará a vitória de Lula no 1º turno. Em outras palavras, a possibilidade de vitória no 1º turno está na caixa de Schrödinger fazendo companhia ao gato. As chances de ocorrer ou não são equivalentes.

Justamente em função dessa proximidade, com chance real de pôr um fim no mandato do atual presidente logo no 1º turno, as redes sociais entraram em polvorosa, com eleitores e simpatizantes da candidatura do ex-presidente pressionando os eleitores, principalmente os que se inclinam a votar em Ciro Gomes, para que adiram ao voto útil em Lula, assim pondo um ponto final precoce no bolsonarismo no poder. O motivo pela preferência pelos eleitores de Ciro é que, em princípio, são considerados eleitores de esquerda, portanto, contrários a Bolsonaro. Tebet e a maioria dos demais candidatos que apresentam mais do que traço nas pesquisas, ainda que tenham adotado um discurso de oposição, estiveram até recentemente com os pés atolados no bolsonarismo, o que, em princípio, implica serem adeptos do mesmo modelo, talvez apenas um pouco menos fétido.

Os simpatizantes de Ciro reagiram emocional e violentamente ao movimento do voto útil. Em geral, as "opiniões" por eles apresentadas como contraposição ao voto útil se identificam com os lugares-comuns que vêm sendo utilizados há anos pelos bolsonaristas e demais antipetistas: invocação de corrupção de Lula e do PT, perigo comunista, "vai pra Cuba", "vai pra Venezuela", "Lula é neoliberal", "Lula enriqueceu os banqueiros", "Lula não foi absolvido, foi descondenado", "Lula foi julgado culpado por três instâncias", "o PT busca a hegemonia", e outros "argumentos" nesse nível de inteligência política. Basicamente, repetem o que o próprio Ciro não perde oportunidade de falar.

Um primeiro ponto a levantar sobre a questão do voto útil, é que o voto do eleitor é indiscutivelmente uma escolha subjetiva, a ser resolvida no âmbito de sua consciência de modo absolutamente livre de coação. Ninguém pode ser obrigado a votar nesse ou naquele candidato, o que, inclusive, constitui crime eleitoral. Todavia, não se pode perder de vista que tentativas de convencimento não violam a liberdade de consciência da pessoa e é legal, sendo esse justamente o objetivo das campanhas eleitorais, que nada mais representam do que propaganda do candidato, com todos os artifícios mercadológicos e publicitários utilizados para vender sabonetes. Dentro do atual ordenamento jurídico eleitoral, criticável porém vigente, compete ao eleitor buscar informações reais sobre o candidato, não sendo recomendado que se ampare na peça publicitária das diversas campanhas ou mesmo em movimentos espontâneos, como o do voto útil. Cada eleitor é responsável pela própria escolha.

Um segundo ponto é que não se observa, no movimento pelo voto útil, manifestações significativas pela desistência da candidatura de nenhum candidato. O apelo pelo voto útil, em si, não se dirige a candidatos, mas à consciência do eleitor, constituindo ferramenta eleitoral absolutamente legítima, pautada nos princípios constitucionais da democracia e da liberdade de manifestação de opinião. Pedir uma reflexão pelo voto útil não importa em coação do eleitor para votar no candidato beneficiado. O eleitor fica livre para decidir como entender melhor, aderindo ou não segundo sua vontade. Se aderir, é porque entendeu ser esse o melhor modo de expressar sua vontade política, e nisso ele é soberano. Pensar o contrário é que é antidemocrático. Todos os candidatos tentam convencer os eleitores a votar nele próprio, o que inclui os eleitores dos adversários. A afirmação é válida para quem sacode bandeira no semáforo e para os que publicam nas redes pedindo voto útil. Faz parte do jogo democrático.

Vale lembrar que o próprio Ciro incitou o voto útil nele mesmo em 2018, de modo que, ao menos até então, não considerava essa uma ferramenta fascista, como diz agora, quando o voto útil é orientado para outro candidato. Em paralelo, até o momento não se ouviu da boca do próprio Lula um pedido de voto útil em seu benefício. O movimento é de seus correligionários, eleitores e simpatizantes.

Reconhecida a legitimidade do pedido de voto útil, tem-se, todavia, que os adeptos do movimento aparentemente descuidaram de levar em conta que nem todos os eleitores de Ciro são de esquerda. Na verdade, a maioria, 38%, se declara de direita, enquanto 14% se diz de centro e somente 20% se afirma de esquerda1, com o expressivo percentual de 28% não sabendo definir sua inclinação política. Disso resulta que, somando-se os de centro, os de esquerda e os indefinidos, 62% dos eleitores ciristas estariam suscetíveis ao apelo pelo voto útil. Os 38% da direita, não, inclsuive porque, possivelmente, são bolsonaristas arrependidos que resolveram se aninhar na candidatura de Ciro por conta do discurso agressivamente antipetista que passou a adotar de modo mais ostensivo de pouco tempo para cá.

Ocorre que, ainda segundo pesquisas, somente 28% dos eleitores ciristas estão dispostos a mudar de voto2, percentual que obviamente se encontra no bojo dos 62% que não são expressamente de direita.

Considerando um percentual de intenção de votos ciristas de 9% do total de eleitores, cerca de 2,5% deles (28% do total) estariam suscetíveis a serem convencidos a resolver no 1º turno. Isso, porém, é pura fantasia. Sensibilizar a totalidade dos eleitores ciristas que não são de direita é tarefa impossível, notadamente em relação aos que se dizem indefinidos. Entretanto, supondo-se uma ainda incrível capacidade de persuasão, com atração de metade dos suscetíveis, 14%, isso equivaleria a pouco mais de 1%. Dependendo do resultado real da eleição, isso pode não ser suficiente para virar o jogo no 1º turno.

Além disso, dada a proximidade do pleito, o movimento já deu o que tinha que dar. A 14 dias da eleição os ciristas que tinham que ser convencidos já o foram, ainda que não o digam expressamente. Os motivos já foram expostos, a reflexão já foi produzida, a decisão já foi tomada. A continuidade da campanha, penso, servirá apenas para que a porção bolsonarista dos eleitores de Ciro, que jamais será convencida, dela ser sirva para exposição de seus argumentos antipetistas fundados em memes, chavões e notícias falsas, o que desfavorece a campanha de Lula.

A conquista de novos eleitores que auxiliem na tarefa de resolver a eleição no 1º turno obteria maior sucesso se focasse, daqui em diante, nos eleitores que ainda não tem candidato, nos que resolveram votar em branco ou nulo, naqueles que pensam em sequer comparecer às urnas e nos que, recentemente, têm demonstrado medo de votar por conta da violência bolsonarista.

A pesquisa Exame/Ideia realizada entre os dias 19 e 24 de agosto apontou serem 2% os eleitores que dizem que votarão em branco ou nulo, enquanto os que ainda não sabem em quem votarão são 3%3, totalizando, pois, 5% do eleitorado. Por outro lado, uma pesquisa mais recente, feita pelo Ipec entre os dias 9 e 11 de setembro, apurou o dobro desse percentual. Segundo ela, brancos e nulos representam 6% dos eleitores, enquanto o percentual dos que não sabem ou não quiseram responder seria de 4%4. Na média das duas, temos 7,5% de eleitores que deixarão de realizar sua escolha. Em paralelo, por volta de 9% dos eleitores dizem estar com medo de comparecer às urnas em decorrência da violência bolsonarista5.

Se as projeções dessas pesquisas se materializarem, algo em torno de 16,5% de eleitores renunciarão ao voto, por um motivo ou outro, comparecendo ou não às urnas. Um percentual inferior ao de 2018, quando mais de 28% dos eleitores deixaram aos outros a decisão, mas ainda gigantesco. O Brasil possui cerca de 156 milhões de eleitores, disso resultando que há provavelmente um mar de 26 milhões de pessoas que, até aqui, decidiram não escolher nenhum dos dois candidatos que estão na ponta. São os eleitores nem-nem, seja por convicção, por indecisão ou por medo da reação fascista.

Os que desejam o voto útil, seja por via da campanha oficial ou do movimento espontâneo dos eleitores, precisam focar no eleitor nem-nem. O retorno eleitoral positivo é mais provável do que continuar a dar murro na ponta de faca representada pelos eleitores já convictos a votar contra Lula, bolsonaristas ou ciristas.

Não se pode permitir que os eleitores nem-nem viajem para Paris, virando as costas para os interesses do Brasil. Num momento como esse, a posição de neutralidade equivale a aquiescer com a fome, a miséria e a violência contra o povo praticada por esse governo maligno. Abdicar de decidir contra o nefasto neofacismo que assola o país é admiti-lo. A mera possibilidade de manutenção do bolsonarismo no poder, a partir da chance de produção de um evento fraudulento no 2º turno que atraia os eleitores para a candidatura do atual presidente, está a exigir que o eleitor assuma a sua parcela de responsabilidade e vote contra um governo cuja omissão acarretou centenas de milhares de mortes.

Dada a dimensão da tragédia humana, a omissão significa cumplicidade.

Os eleitores nem-nem precisam ser convencidos de que, nessa eleição, os candidatos não se equivalem, não representam a mesma coisa e, por isso mesmo, vale a pena sair de casa para decidir.

Não é demais repetir que essa eleição, como a de 2018, marca a luta da civilização contra a barbárie e só um dos candidatos representa essa última. Naquela perdemos e deu no que deu. Um Brasil civilizado sucumbirá se houver a repetição desse erro.

Os eleitores receosos da violência devem ser informados de que, justamente em função da agressividade inaudita, o TSE já providenciou um aumento expressivo na segurança nas ruas exercida pelas polícias e pelo exército. Além disso, a ausência do voto pode significar o início de uma violência muito superior à atual.

O direcionamento do movimento voto útil para o eleitor nem-nem parece mais produtivo do que insistir em eleitores já decididos por outros candidatos e que sequer possuem perfil simpático às esquerdas.

Os bolsonaristas de Ciro devem ser deixados de lado. O alvo deve ser os eleitores nem-nem. Eles devem ser convencidos a desembarcar do avião para Paris. Não podem lavar as mãos.

Ainda há tempo de mudar o Brasil já no 1º turno.



Notas:

1 – Conforme matéria Ipespe/Abrapel: Maioria dos eleitores de Ciro passam a se identificar como de direita, contida no site O Cafezinho, em: https://www.ocafezinho.com/2022/09/10/ipespe-abrapel-maioria-dos-eleitores-de-ciro-passam-a-se-identificar-como-de-direita/https://www.ocafezinho.com/2022/09/10/ipespe-abrapel-maioria-dos-eleitores-de-ciro-passam-a-se-identificar-como-de-direita/. Acesso em 17/09/2022.

2 – Conforme matéria Eleitores de Ciro são os mais dispostos a mudar de voto nestas eleições, diz PoderData, contida no site da revista Carta Capital, em: https://www.cartacapital.com.br/politica/eleitores-de-ciro-sao-os-mais-dispostos-a-mudar-de-voto-nestas-eleicoes-diz-poderdata/. Acesso em 17/09/2022.

3 – Conforme matéria Eleição presidente: onde estão os eleitores indecisos que podem definir a votação, contida no site da revista Exame, em: https://exame.com/brasil/eleicao-presidente-onde-estao-os-eleitores-indecisos-que-podem-definir-a-votacao/. Acesso em 17/09/2022.

4 – Conforme matéria Pesquisa Ipec para presidente: Lula tem 46%; Bolsonaro, 31%, contida no site do jornal CNN Brasil, em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/pesquisa-ipec-para-presidente-lula-tem-46-bolsonaro-31/. Acesso em 17/09/2022.

5 – Conforme matéria 9% podem não votar nas eleições por medo de violência política, contida no site do jornal Último Segundo, em: https://ultimosegundo.ig.com.br/2022-09-17/9--podem-nao-votar-nas-eleicoes-por-medo-de-violencia-politica.html. Acesso em 17/09/2022.

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