terça-feira, 29 de maio de 2012

Desespero


Às vezes a vontade é a de não sentir nada. Deixar de processar o antigo e parar de experimentar o novo. Anestesia geral na alma.
Mudar de vida, mudar de nome, mudar de alma. Mudar tudo, de ponta à cabeça.
Morar num cubículo no Japão, solitário, sem falar uma palava de japonês, só para ter a certeza absoluta da incomunicabilidade. Como amiga, somente a solidão, a insidiosa companhia que pouco a pouco vai se tornando agradável, a cada momento com ela passado.
Outras vezes vem o desalento, as dúvidas sobre o valor da persistência, as dúvidas sobre o próprio valor.
Por que falar o que se fala, cantar o que se canta, escrever o que se escreve?
Porque, se tudo já foi falado, já foi cantado ou já foi escrito, com mais e maior brilho, profundidade, intensidade e emoção?
É possível que todo ser humano tenha um desses momentos de desespero humano pela constatação do non sense da existência. Talvez não.
Pode ser, porém, que num desses momentos se esteja próximo a algo prazeroso, quem sabe o rosto de uma pessoa amada, ou uma linda paisagem admirada, quem sabe uma obra de arte.
São tantas, inumeráveis, as coisas belas potencialmente causadoras do prazer humano.
E, nessa busca pela percepção de cada minúcia da coisa prazerosa, com vagar, a compreensão se inicia, como sempre ocorre, com indagações desprovidas de respostas certas, às vezes sem resposta alguma.
Por que o sorriso do ser amado produz esse efeito tranquilizador na alma de quem ama?
Por que a bela vista de majestosa montanha impacta o espírito de forma tão intensa?
Por que a obra de arte causa o deslumbramento, a admiração e a sensação de beleza que captamos com nossos sentidos?
A compreensão começa assim. Pela percepção de que, assim como é única a paixão provocada na alma de quem aprecia o que é belo, não há uma única coisa desse mundo que não seja única em si mesma.
Toda pessoa é única, toda obra é exclusiva, nada é exatamente igual ao que já existiu. Criação e conhecimento obedecem a uma ordem singular, onde tudo que é pretérito é causa do futuro e tudo que é futuro é, assim, um produto do passado.
Os saltos espetaculares e perigosos existem, mas os degraus constituem a mais comum e segura forma de subir.
Nada, nem ninguém, é igual a qualquer coisa que existe ou já existiu. Nada do que se fala é igual ao que já se falou, Nada do que se canta é igual ao que já foi cantado. Nada do que se escreve jamais antes foi escrito.
Compreende-se, então, numa epifania, que toda criação é, por assim dizer, coletiva, que a existência individual não somente faz sentido, como possui imenso valor, pois cada pessoa é exclusiva, única, e tudo o que irá sentir e experimentar é também sem precedentes.
Tudo o que cada pessoa tem a falar, cantar ou escrever, jamais foi antes falado, cantado ou escrito, não daquele modo, não daquela forma, nunca igual.
Toda ação sua será, assim, um presente para o mundo, ainda que o mundo, em princípio, não entenda a mensagem. Isso não importa, o presente a mensagem, estará dada.

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