terça-feira, 1 de maio de 2012

A morte de uma criança e a terceirização do contrato de trabalho




A morte de pessoas em hospitais por erro médico ou falta de estrutura material é algo absolutamente corriqueiro no Brasil e vitima, inclusive, crianças. Dada a ocorrência rotineira, nem chega, propriamente, a ser notícia muito destacada na imprensa, a não ser que ocorra em situações especiais.
Foi exatamente assim no caso da morte de uma criança de treze anos ocorrida no Hospital Santa Lúcia, em Brasília, em meados de fevereiro desse ano (2012).
O menino, aparentemente saudável, teve uma crise de asma no colégio e, levado ao hospital, acabou por falecer.
Embora ainda não se saibam as exatas causas da morte, o fato é que o falecimento de uma criança em virtude de uma crise de asma, estando em tratamento numa UTI, é assustador.
O que se sabe é que a médica que o atendeu, antes de chegar ao Hospital Santa Lúcia para cumprir um plantão de doze horas, cumprira um plantão idêntico de doze horas em outro hospital, emendando um plantão no outro sem descanso.
Seria mais um caso corriqueiro de morte de criança em condições duvidosas, não fosse o pai da criança Flávio Dino, que integra o partido político PCdoB, ex-deputado federal, juiz federal por 12 anos e então (e até o momento) presidente da Embratur.
Por conta disso, o caso ganhou repercussão nacional.
Essa morte pôs em discussão as elásticas jornadas médicas em hospitais públicos e privados, bem como a questão da terceirização de atividades importantes, como a medicina, que culminam com a precarização das condições de trabalho.
Primeiro, a questão da precarização dos serviços por conta do acúmulo de empregos pelos profissionais, questão gravíssima pelas danosas consequências que implica para a sociedade, não é exclusiva dos profissionais de saúde, alcançando também professores, policiais e outros profissionais.
Isso se deve aos salários aviltantes pagos e gera duas espécies de consequência: a imediata, que é a busca por reforço de salário por parte desses profissionais, e a mediata, que é o péssimo atendimento por eles prestados em vista do estresse, da fadiga, decorrente de várias horas de trabalho ininterrupto.
E não adianta a eventual existência de longas folgas seguintes aos plantões, como costuma ocorrer com policiais, por exemplo. Isso porque o labor em jornada contínua por longo tempo, ainda que após uma boa e descansada folga, acarreta perda de concentração, irritação, exaustão e outros efeitos daninhos que serão certamente refletidos na qualidade dos serviços prestados ao público. E também porque durante a suposta folga o profissional sai em busca de complementação de renda, de modo que inexiste descanso real.
Segundo, a terceirização dos serviços ligados à atividade-meio da empresa (jamais à atividade-fim) é algo salutar para as empresas, que assim podem direcionar o foco do negócio para a sua principal atividade, sem perda de tempo com serviços que não possuem relação direta com o negócio, como limpeza e segurança.
Contudo, uma terceirização legítima, idônea, sempre deve custar aos cofres da empresa valor maior do que custaria a contratação direta do empregado, sem intermediação. Esse plus deriva do custo do desencargo da administração de serviços não essenciais, ou seja, é o preço a pagar pela leveza da estrutura empresarial.
A terceirização jamais pode importar em barateamento da mão-de-obra, porque, em princípio e por lei, a empresa prestadora tem que pagar ao trabalhador terceirizado o mesmo salário que a empresa tomadora pagaria se o contratasse diretamente.
E esse custo da mão-de-obra, já por si idêntico àquele que a empresa pagaria se contratasse diretamente, ainda há de ser acrescido do valor do serviço de administração de mão-de-obra oferecido pela empresa prestadora.
Não há, como, pois, baratear o custo da mão-de-obra através de uma legítima terceirização.
Contudo, não é isso o que se observa na realidade, na qual se observa que as empresas em geral perseguem com a terceirização, não livrar-se da administração da mão-de-obra não essencial, mas meramente diminuir o custo da folha de pagamento.
Aliás, há coisa ainda mais deletéria do que essa, que vem a ser a contração de "estagiários", cujo custo para a empresa é bastante inferior ao trabalhista, os quais, no entanto, exercem funções típicas de empregados, em total desvirtuação do nobre instituto do estágio, que é uma preparação para o futuro profissional.
Através da terceirização, portanto, são contratados empregados com salários indignos e sem a devida qualificação para a função (não falo de diplomas, mas de qualificação efetiva).
Essas são as principais causas de tragédias como a que ocorreu com essa criança no hospital: salários indignos que levam os profissionais a terem diversos empregos e terceirizações mal-empregadas, que conduzem à contratação de profissionais que, ou são despreparados, ou precisam de outro emprego para complementar a renda, fechando o círculo maligno.

A tela: Picasso, Les deux saltimbanques, 1901

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