A
morte de pessoas em hospitais por erro médico ou falta de estrutura
material é algo absolutamente corriqueiro no Brasil e vitima,
inclusive, crianças. Dada a ocorrência rotineira, nem chega,
propriamente, a ser notícia muito destacada na imprensa, a não ser
que ocorra em situações especiais.
Foi
exatamente assim no caso da morte de uma criança de treze anos
ocorrida no Hospital Santa Lúcia, em Brasília, em meados de
fevereiro desse ano (2012).
O
menino, aparentemente saudável, teve uma crise de asma no colégio
e, levado ao hospital, acabou por falecer.
Embora
ainda não se saibam as exatas causas da morte, o fato é que o
falecimento de uma criança em virtude de uma crise de asma, estando
em tratamento numa UTI, é assustador.
O
que se sabe é que a médica que o atendeu, antes de chegar ao
Hospital Santa Lúcia para cumprir um plantão de doze horas,
cumprira um plantão idêntico de doze horas em outro hospital,
emendando um plantão no outro sem descanso.
Seria
mais um caso corriqueiro de morte de criança em condições
duvidosas, não fosse o pai da criança Flávio Dino, que integra o
partido político PCdoB, ex-deputado federal, juiz federal por 12
anos e então (e até o momento) presidente da Embratur.
Por
conta disso, o caso ganhou repercussão nacional.
Essa
morte pôs em discussão as elásticas jornadas médicas em hospitais
públicos e privados, bem como a questão da terceirização de
atividades importantes, como a medicina, que culminam com a
precarização das condições de trabalho.
Primeiro,
a questão da precarização dos serviços por conta do acúmulo de
empregos pelos profissionais, questão gravíssima pelas danosas
consequências que implica para a sociedade, não é exclusiva dos
profissionais de saúde, alcançando também professores, policiais e
outros profissionais.
Isso
se deve aos salários aviltantes pagos e gera duas espécies de
consequência: a imediata, que é a busca por reforço de salário
por parte desses profissionais, e a mediata, que é o péssimo
atendimento por eles prestados em vista do estresse, da fadiga,
decorrente de várias horas de trabalho ininterrupto.
E
não adianta a eventual existência de longas folgas seguintes aos
plantões, como costuma ocorrer com policiais, por exemplo. Isso
porque o labor em jornada contínua por longo tempo, ainda que após
uma boa e descansada folga, acarreta perda de concentração,
irritação, exaustão e outros efeitos daninhos que serão
certamente refletidos na qualidade dos serviços prestados ao
público. E também porque durante a suposta folga o profissional sai
em busca de complementação de renda, de modo que inexiste descanso
real.
Segundo,
a terceirização dos serviços ligados à atividade-meio da empresa
(jamais à atividade-fim) é algo salutar para as empresas, que assim
podem direcionar o foco do negócio para a sua principal atividade,
sem perda de tempo com serviços que não possuem relação direta
com o negócio, como limpeza e segurança.
Contudo,
uma terceirização legítima, idônea, sempre deve custar aos cofres
da empresa valor maior do que custaria a contratação direta do
empregado, sem intermediação. Esse plus deriva do custo do
desencargo da administração de serviços não essenciais, ou seja,
é o preço a pagar pela leveza da estrutura empresarial.
A
terceirização jamais pode importar em barateamento da mão-de-obra,
porque, em princípio e por lei, a empresa prestadora tem que pagar
ao trabalhador terceirizado o mesmo salário que a empresa tomadora
pagaria se o contratasse diretamente.
E
esse custo da mão-de-obra, já por si idêntico àquele que a
empresa pagaria se contratasse diretamente, ainda há de ser
acrescido do valor do serviço de administração de mão-de-obra
oferecido pela empresa prestadora.
Não
há, como, pois, baratear o custo da mão-de-obra através de uma
legítima terceirização.
Contudo,
não é isso o que se observa na realidade, na qual se observa que as
empresas em geral perseguem com a terceirização, não livrar-se da
administração da mão-de-obra não essencial, mas meramente
diminuir o custo da folha de pagamento.
Aliás,
há coisa ainda mais deletéria do que essa, que vem a ser a
contração de "estagiários", cujo custo para a empresa é
bastante inferior ao trabalhista, os quais, no entanto, exercem
funções típicas de empregados, em total desvirtuação do nobre
instituto do estágio, que é uma preparação para o futuro
profissional.
Através
da terceirização, portanto, são contratados empregados com
salários indignos e sem a devida qualificação para a função (não
falo de diplomas, mas de qualificação efetiva).
Essas
são as principais causas de tragédias como a que ocorreu com essa
criança no hospital: salários indignos que levam os profissionais a
terem diversos empregos e terceirizações mal-empregadas, que
conduzem à contratação de profissionais que, ou são
despreparados, ou precisam de outro emprego para complementar a
renda, fechando o círculo maligno.
A
tela: Picasso, Les deux saltimbanques, 1901
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