sexta-feira, 4 de maio de 2012

O designer e a gambiarra


Algum tempo atrás, na verdade já há muito tempo, um grande amigo, designer, me falou sobre uma tese de mestrado, apresentada pelo também designer Rodrigo Boufleur na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, sugerindo o aproveitamento dos resíduos nobres do lixo para a produção do que ele denomina de “gambiarras”.
O nome técnico mais apropriado prima para as “gambiarras” é "produto idiossincrático”, pois são projetados de forma individualizada, segundo a perspectiva da realidade individual da pessoa a quem se destina. A própria coleta e seleção dos resíduos que irão compor o projeto final é realizada a partir de um propósito prévio, pensado em função de uma necessidade específica de determinada pessoa.
A proposta objetiva reduzir o descarte de resíduos da produção industrial. O lixo rico, constituído por coisas que jogamos fora mas que ainda possuem potencial de aproveitamento, tais como tubos de TV queimados, rodas de bicicleta e até mesmo bolas de boliche danificadas seria reutilizado.
Segundo o designer, à medida que aumenta a sobrevida dos aparelhos com a reutilização dos objetos que normalmente seriam descartados, diminuímos a quantidade de lixo produzido.
Rodrigo Boufleur, ao que parece, é um “cientista maluco” do bem e não há como não concordar com ele.
A produção de resíduos humanos é avassaladora, descomunal. Já poluímos praticamente todos os biomas e até no meio do Oceano Pacífico é verificada a existência do que chamaram de ilha de plástico, formado por imensas quantidades de detritos plásticos reunidos num só local por força da maré.
Passou o tempo da sociedade humana pensar seriamente sobre a destinação do que hoje chamamos de lixo. E não somente sobre o “lixo rico”, como pretende o Rodrigo, mas com aproveitamento integral de todos os nossos resíduos. Isso é plenamente possível.
O lixo é sempre rico.
Chega mesmo a causar perplexidade que nenhuma grande empresa tenha tomado a iniciativa de explorar comercialmente o reaproveitamento do lixo. A lucratividade é absolutamente certa.
Todo resíduo orgânico, por exemplo, inclusive os nossos dejetos pessoais, pode ser transformado em adubo ou em energia através dos biodigestores. Todo o papel, metal, vidro e plástico pode ser reindustrializado.
O lixo é uma enorme mina de ouro a céu aberto que cresce mais e mais, criando literalmente montanhas nas cidades, sem um aproveitamento sério, de grande porte.
É necessário também uma reflexão séria, aprofundada, sobre a relação humana com os produtos industrializados.
O consumismo desenfreado inaugurado em meados do século passado impôs uma impressionante cultura de desperdício, do que resulta um tipo de lixo desnecessário porque não envolvido com um consumo responsável. Joga-se muita coisa fora simplesmente porque muita coisa é comprada sem necessidade ou por necessidade ilusória, criada pela força hipnótica da mídia. Tampouco se criou, ao lado do advento do consumismo, o seu correspondente necessário, que seria uma cultura de recolhimento e aproveitamento dos resíduos. Ao contrário, cria-se um ambiente impróprio para o reaproveitamento, a partir do momento que se considera falta de elegância, por exemplo, reaproveitar garrafas de refrigerante para armazenamento de água na geladeira ou um pote de margarina vazio para guardar alguma sobra de alimentos.
É reconfortante constatar que existem pessoas, como o Rodrigo, pensando nas "gambiarras" e em outros mecanismos de aproveitamento de nossos resíduos.
O planeta inteiro agradece.


A obra: duas réplicas da tela Mona Lisa, de Leonardo da Vinci, produzidas pelo artista plástico brasileiro Vik Muniz, uma feita com geleia e a outra com pasta de amendoim.

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