Algum
tempo atrás, na verdade já há muito tempo, um grande amigo,
designer, me falou sobre uma tese de mestrado, apresentada pelo
também designer Rodrigo Boufleur na Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de São Paulo, sugerindo o aproveitamento
dos resíduos nobres do lixo para a produção do que ele denomina de
“gambiarras”.
O
nome técnico mais apropriado prima para as “gambiarras” é
"produto idiossincrático”, pois são projetados de forma
individualizada, segundo a perspectiva da realidade individual da
pessoa a quem se destina. A própria coleta e seleção dos resíduos
que irão compor o projeto final é realizada a partir de um
propósito prévio, pensado em função de uma necessidade específica
de determinada pessoa.
A
proposta objetiva reduzir o descarte de resíduos da produção
industrial. O lixo rico, constituído por coisas que jogamos fora mas
que ainda possuem potencial de aproveitamento, tais como tubos de TV
queimados, rodas de bicicleta e até mesmo bolas de boliche
danificadas seria reutilizado.
Segundo
o designer, à medida que aumenta a sobrevida dos aparelhos com a
reutilização dos objetos que normalmente seriam descartados,
diminuímos a quantidade de lixo produzido.
Rodrigo
Boufleur, ao que parece, é um “cientista maluco” do bem e não
há como não concordar com ele.
A
produção de resíduos humanos é avassaladora, descomunal. Já
poluímos praticamente todos os biomas e até no meio do Oceano
Pacífico é verificada a existência do que chamaram de ilha de
plástico, formado por imensas quantidades de detritos plásticos
reunidos num só local por força da maré.
Passou
o tempo da sociedade humana pensar seriamente sobre a destinação do
que hoje chamamos de lixo. E não somente sobre o “lixo rico”,
como pretende o Rodrigo, mas com aproveitamento integral de todos os
nossos resíduos. Isso é plenamente possível.
O
lixo é sempre rico.
Chega
mesmo a causar perplexidade que nenhuma grande empresa tenha tomado a
iniciativa de explorar comercialmente o reaproveitamento do lixo. A
lucratividade é absolutamente certa.
Todo
resíduo orgânico, por exemplo, inclusive os nossos dejetos
pessoais, pode ser transformado em adubo ou em energia através dos
biodigestores. Todo o papel, metal, vidro e plástico pode ser
reindustrializado.
O
lixo é uma enorme mina de ouro a céu aberto que cresce mais e mais,
criando literalmente montanhas nas cidades, sem um aproveitamento
sério, de grande porte.
É
necessário também uma reflexão séria, aprofundada, sobre a
relação humana com os produtos industrializados.
O
consumismo desenfreado inaugurado em meados do século passado impôs
uma impressionante cultura de desperdício, do que resulta um tipo de
lixo desnecessário porque não envolvido com um consumo responsável.
Joga-se muita coisa fora simplesmente porque muita coisa é comprada
sem necessidade ou por necessidade ilusória, criada pela força
hipnótica da mídia. Tampouco se criou, ao lado do advento do
consumismo, o seu correspondente necessário, que seria uma cultura
de recolhimento e aproveitamento dos resíduos. Ao contrário,
cria-se um ambiente impróprio para o reaproveitamento, a partir do
momento que se considera falta de elegância, por exemplo,
reaproveitar garrafas de refrigerante para armazenamento de água na
geladeira ou um pote de margarina vazio para guardar alguma sobra de
alimentos.
É
reconfortante constatar que existem pessoas, como o Rodrigo, pensando
nas "gambiarras" e em outros mecanismos de aproveitamento
de nossos resíduos.
O
planeta inteiro agradece.
A
obra: duas réplicas da tela Mona Lisa, de Leonardo da Vinci,
produzidas pelo artista plástico brasileiro Vik Muniz, uma feita com
geleia e a outra com pasta de amendoim.
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