quarta-feira, 11 de abril de 2012

Chomsky e a questão Irã x Israel x EUA


Sobre toda essa celeuma que atualmente envolve a geopolítica mundial, relativamente aos supostos perigos advindos da experiência nuclear do Irã, é sempre bom tomar conhecimento da opinião de pensadores reconhecidos e que, em princípio, não possuem nenhum interesse além da mera exposição das próprias reflexões.
Um desses é Noam Chomsky, considerado um dos mais importantes intelectuais vivos da atualidade.
Suas reflexões sobre a questão Irã x Israel x EUA são importantes também porque ele, americano de nascimento, possui ascendência judaica e participou da esquerda sionista em sua juventude, embora possuísse uma visão um pouco diferente de sionismo, sendo defensor do que denomina de um "lar étnico" para os judeus na Palestino, que não envolve necessariamente a criação de um país judaico naquela região.
Especificamente sobre a questão do Irã, sua posição é contrária à dos Estados Unidos e de Israel. Aliás, ele manifesta expressa opinião de que os Estados Unidos, sua pátria, é o principal estado terrorista do mundo, e também de que Israel, o país de seu povo de origem, é atualmente a maior ameaça para a paz e a segurança mundial.
Notem o sarcasmo de Chomsky acerca da expressão "comunidade internacional", cujo significado é oposto ao que deveria ser, já que, na verdade, a imensa maioria dos países não se posiciona favoravelmente à política americana quanto a essa questão. É mais ou menos como a expressão "opinião pública" utilizada pela imprensa brasileira quando quer, na realidade, afirmar a opinião dos principais meios de imprensa, que não necessariamente é idêntica à do povo.
Vejam suas controvertidas opiniões nos dois artigos seguintes, ambos sobre a questão do Irã.

Noam Chomsky: “Israel é a ameaça mais importante para a segurança mundial”
O linguista e analista político norteamericano Noam Chomsky criticou as alegações dos EUA sobre o programa energético de caráter nuclear do Irã, ao mesmo tempo em que qualificou Israel como “a ameaça mais importante para a segurança mundial”.
Num artigo publicado na quarta-feira no jornal britânico The Guardian, Chomsky enfatizou que a doutrina estratégica do Irã é defensiva e foi projetada para dissuadir qualquer invasão contra sua integridade territorial.
Neste sentido, o famoso escritor colocou em relevo que apesar das propagandas anti-iranianas lançadas pelos políticos ocidentais, os resultados das pesquisas realizadas na Europa demonstram que os pesquisados consideram Israel como uma ameaça para a paz no Oriente Médio e o Norte da África.
Antes das massivas campanhas propagandísticas dos últimos anos nos EUA, a maioria dos cidadãos [estadunidenses], como a maioria das nações do mundo, acreditavam que o Irã, na qualidade de signatário do Tratado de Não Proliferação (TNP), tem o direito de levar a cabo o enriquecimento de urânio, e inclusive, hoje em dia, uma grande maioria [da população global] enfatiza nas soluções pacíficas para o programa nuclear do Irã”, sublinhou.
De acordo com o politólogo norteamericano, Washington e Tel Aviv estenderam uma onda de “Iranofobia”, pois temem a extensão da influência do país persa na região, especialmente, em seus vizinhos como Iraque e Afeganistão.
EUA, Israel (possuidor de umas 200 ogivas nucleares) e alguns de seus aliados acusam o Irã de tentar desenvolver tecnologia nuclear com fins militares e utilizam este pretexto para impôr sanções internacionais e unilaterais contra o país persa.
Por sua parte, o Irã, na qualidade de Estado membro da AIEA e signatário do TNP, além de recusar de forma rotunda tais acusações, defende seu direito soberano de desenvolver tecnologia nuclear com fins pacíficos.

Noam Chomsky Fala Sobre a Questão Nuclear no Irã
Em entrevista à publicação alemã Freitag, Noam Chomsky fala da pressão dos EUA e de Israel sobre o Irã e seu significado geopolítico. "O Irã é percebido como uma ameaça porque não obedeceu às ordens dos Estados Unidos. Militarmente essa ameaça é irrelevante. Esse país não se comportou agressivamente fora de suas fronteiras durante séculos. Israel invadiu o Líbano, com o beneplácito e a ajuda dos EUA, até cinco vezes em trinta anos. O Irã não fez nada parecido", afirma.
David Goessmann/Fabian Scheidler – Freitag
Barak Obama obteve em 2009 o Prêmio Nobel da Paz enquanto enviava mais tropas ao Afeganistão. O que ocorreu com a “mudança” prometida?
Chomsky: Sou dos poucos que não está desiludido com Obama porque não depositei expectativas nele. Eu escrevi sobre as posições de Obama e suas perspectivas de êxito antes do início de sua campanha eleitoral. Vi sua página na internet e para mim estava claro que se tratava de um democrata moderado ao estilo de Bill Clinton. Há, claro, muita retórica sobre a esperança e a mudança. Mas isso é como uma folha em branco, onde se pode escrever qualquer coisa. Aqueles que se desesperaram com os últimos golpes da era Bush buscaram esperanças. Mas não existe nenhuma base para expectativa alguma uma vez que se analise corretamente a substância do discurso de Obama.
Seu governo tratou o Irã como uma ameaça em função de seu programa de enriquecimento de urânio, enquanto países que possuem armas nucleares como Índia, Paquistão e Israel não sofrem a mesma pressão. Como avalia essa maneira de proceder?
Chomsky: O Irã é percebido como uma ameaça porque não obedeceu às ordens dos Estados Unidos. Militarmente essa ameaça é irrelevante. Esse país não se comportou agressivamente fora de suas fronteiras durante séculos. O único ato agressivo se deu nos anos 70 sob o governo do Xá, quando, com apoio dos EUA, invadiu duas ilhas árabes. Naturalmente ninguém quer que o Irã ou qualquer outro país disponha de armas nucleares. Sabe-se que esse Estado é governado hoje por um regime abominável. Mas apliquem-se os mesmos rótulos aplicados ao Irã a sócios dos EUA como Arábia Saudita ou Egito e só se poderá criticar o Irã em matéria de direitos humanos. Israel invadiu o Líbano, com o beneplácito e a ajuda dos EUA, até cinco vezes em trinta anos. O Irã não fez nada parecido.
Apesar disso, o país é considerado como uma ameaça…
Chomsky: Porque o Irã seguiu um caminho independente e não se subordina a nenhuma ordem das autoridades internacionais. Comportou-se de modo similar ao que fez o Chile nos anos setenta. Quando este país passou a ser governador pelo socialista Salvador Allende foi desestabilizado pelos EUA para produzir “estabilidade”. Não se tratava de nenhuma contradição. Era preciso derrubar o governo de Allende – a força “desestabilizadora” – para manter a “estabilidade” e poder restaurar a autoridade dos EUA. O mesmo fenômeno ocorre agora na região do Golfo. Teerã se opõe à autoridade dos EUA.
Como avalia o objetivo da comunidade internacional ao impor graves sanções a Teerã?
Chomsky: A comunidade internacional: curiosa expressão. A maioria dos países do mundo pertence ao bloco não alinhado e apoiam energicamente o direito do Irã de enriquecer urânio para fins pacíficos. Têm repetido com frequência e abertamente que não se consideram parte da denominada “comunidade internacional”. Obviamente pertencem a ela só aqueles países que seguem as ordens dos EUA. São os EUA e Israel que ameaçam o Irã. E essa ameaça deve ser tomada seriamente.
Por que razões?
Chomsky: Israel dispõe neste momento de centenas de armas atômicas e sistemas de lançamento. Destes últimos, os mais perigosos provêm da Alemanha. Este país fornece submarinos nucleares Dolphin, que são praticamente invisíveis. Podem ser equipados com mísseis nucleares e Israel está preparado para deslocar esses submarinos para o Golfo. Graças à ditadura egípcia, os submarinos israelenses podem passar pelo Canal de Suez. Não sei se isso foi noticiado na Alemanha, mas há aproximadamente duas semanas a Marinha dos EUA informou que construiu uma base para armas nucleares na ilha Diego Garcia, no oceano Índico. Ali seriam estacionados os submarinos equipados com mísseis nucleares, inclusive o chamado “destruidor de bunkers”. Trata-se de projéteis que podem atravessar muros de cimento de vários metros de espessura. Foram pensados exclusivamente para uma intervenção no Irã. O destacado historiador militar israelense Martin Levi van Creveld, um homem claramente conservador, escreveu em 2003, imediatamente após a invasão do Iraque, que “depois desta invasão os iranianos ficaram loucos por ainda não terem desenvolvido nenhuma arma atômica”. Em termos práticos: há alguma outra maneira de impedir uma invasão? Por que os EUA ainda não ocuparam a Coréia do Norte? Porque ali há um instrumento de dissuasão. Repito: ninguém quer que o Irã tenha armas nucleares, mas a probabilidade de que o Irã empregue armas nucleares é mínima. Isso pode ser comprovado nas análises dos serviços secretos estadunidenses. Se Teerã quisesse equipar-se com uma só ogiva nuclear, provavelmente o país seria arrasado. Uma fatalidade deste tipo não é do gosto dos clérigos islâmicos no governo: até agora eles não mostraram nenhum impulso suicida.
O que pode fazer a União Européia para dissipar a tensão desta situação tão explosiva?
Chomsky: Poderia reduzir o perigo de guerra. A União Européia poderia exercer pressão sobre Índia, Paquistão e Israel, os mais proeminentes não assinantes do Tratado de Não Proliferação Nuclear, para que finalmente o assinem. Em outubro de 2009, quando se protestou contra o programa atômico iraniano, a AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) aprovou uma resolução, que Israel desafiou, para que este país assinasse o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares e permitisse o acesso de inspetores internacionais aos seus sistemas nucleares. A Europa e os EUA trataram de bloquear essa resolução. Obama fez Israel saber imediatamente que não devia prestar nenhuma atenção a esta resolução. É interessante o que acontece na Europa desde que a Guerra Fria acabou. Quem acreditou na propaganda das décadas anteriores devia esperar que a OTAN se dissolvesse em 1990. Afinal, a organização foi criada para proteger a Europa das “hordas russas”. Agora já não existem “hordas russas”, mas a organização se expande e viola todas as promessas que fez a Gorbachev, que foi suficientemente ingênuo para acreditar no que disseram o presidente Bush e o chanceler Kohl, a saber: que a OTAN não se deslocaria um centímetro na direção do leste europeu. Na avaliação dos analistas internacionais, Gorbachev acreditou em tudo o que eles disseram. Não foi muito sábio. Hoje a OTAN expandiu a grandes territórios do Leste e segue sua estratégia de controlar o sistema mundial de energia, os oleodutos, gasodutos e rotas de comércio. Hoje é uma mostra do poder de intervenção dos EUA no mundo. Por que a Europa aceita isso? Por que não se coloca de pé e olha de frente para os EUA?
Ainda que os EUA pretendam seguir sendo uma superpotência militar, a sua economia praticamente desmoronou em 2008. Faltaram bilhões de dólares para salvar Wall Street. Sem o dinheiro da China, os EUA talvez tivessem entrada em bancarrota.
Chomsky: Fala-se muito do dinheiro chinês e especula-se muito a partir deste fato sobre um deslocamento do poder no mundo. A China poderia superar os EUA? Considero essa pergunta uma expressão de extremismo ideológico. Os Estados não são os únicos atores no cenário mundial. Até certo ponto são importantes, mas não de modo absoluto. Os atores, que dominam seus respectivos Estados, são sobretudo econômicos: os bancos e as corporações. Se examinamos quem controla o mundo e determina a política, vamos nos abster de afirmar um deslocamento do poder mundial e da força de trabalho mundial. A China é o exemplo extremo. Ali se dão interações entre empresas transnacionais, instituições financeiras e o Estado na medida em que isso serve a seus interesses. Esse é o único deslocamento de poder, mas não proporciona nenhuma manchete.

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