A
burocracia público-administrativa brasileira, não eleita pelo povo,
que acessa o poder sem um voto sequer, sem participação popular no
processo de escolha e por uma via que somente pode ser considerada
avaliadora e meritocrática em momento estanque no tempo - a época
da prestação do concurso público - está obtendo sucesso em
derrubar um governo eleito democraticamente e em reduzir as garantias
e liberdades individuais.
Em
outras palavras, o ano de 2016 entra para história nacional como o
ano em que a burocracia deu um golpe civil no Brasil.
Supremo
Tribunal Federal, Procuradoria Geral da República, Justiça Federal
do Paraná e Polícia Federal, ao dar suporte institucional a uma
decisão altamente discutível adotada por parlamentares em grande
parte corruptos, a eles se une para realizar uma ruptura
institucional e cassar o voto de mais de cinquenta milhões de
eleitores brasileiros.
Apoiada
pela mídia, cujos interesses corporativos são evidentes, a
burocracia tenta disseminar a falsa ideia de que o processo é
técnico. Todavia, essa mensagem somente é recepcionada por parcela
do eleitorado. A outra parcela, igualmente relevante em número,
discorda do processo.
A
esmagadora maioria da parcela pensante da população, os
intelectuais, entendem que o processo é um golpe. Ante as evidências
que sobressaem do processo de impedimento, a imprensa internacional,
não atrelada aos mesmos interesses que movem a nacional, acolheu a
tese do golpe.
Reconhecido
o golpe pela intelectualidade e pela comunidade internacional, não
há dúvida sobre a narrativa que prevalecerá para a história:
houve golpe no Brasil.
Dessa
forma, as pessoas que hoje são vendidas pela mídia como os arautos
da moralidade, passarão à história, quer queiram, quer não,
diretamente como golpistas ou como apoiadores do golpe.
É
bem provável que o jornal O Globo tenha que novamente pedir
desculpas por apoiar um golpe no país, talvez daqui uns trinta anos,
presumindo-se que ainda continue a existir até lá.
As
instituições e pessoas públicas - STF, Janot, Moro e Polícia
Federal - têm atuado como cruzados da falsa moralidade ou da
moralidade eletiva, parcial. São cúmplices, não somente da ruptura
institucional, mas de um processo de redução aguda dos direitos e
das liberdades individuais e de um brutal retrocesso sócio-econômico
no país, sob o pálio do combate à corrupção e, agora, ao
terrorismo.
Utilizam,
como supedâneo para essa cumplicidade, fundamentos sabidamente
imaginários ou supervalorizados. Dilma não cometeu crime de
responsabilidade e não poderia perder o mandato em função da
corrupção generalizada que somente agora, coincidentemente no
governo do PT, foi descoberto. Ela não é pessoalmente responsável
pelos crimes até agora investigados.
Busca-se
uma condenação no estilo Al Capone, paradigma completamente fora de
propósito.
O
sociólogo americano Howard S. Becker afirmou que "o
comportamento desviante é aquele que as pessoas com poder para tal
rotulam como desviante" e os membros da elite que produzem esse
rótulo ele denomina de "empreendedores morais". Em outras
palavras, quem define se há crime ou não é um representante da
elite dominante e, para tanto, pouco importa o ato praticado, mas
quem o praticou. Seria o correspondente acadêmico da famoso ditado
"ao amigos, tudo, aos inimigos, a lei".
No
sentido emprestado pelo sociólogo, o juiz Sérgio Moro certamente
deve ser enquadrado como um empreendedor moral, segundo as notícias
que dão conta de seus pudores em investigar outros partidos além
daqueles que compunham a base de apoio do governo do PT.
Aparentemente, não será pela República de Curitiba que se
desvelará qualquer crime praticado por políticos do PSDB.
Por
outro lado, não há corrupção ou terrorismo que justifique
alteração e retrocesso nos patamares mínimos civilizatórios. As
garantias constitucionais sobre o devido processo legal e que veda
prisões sem decisão judicial transitada em julgado são conquistas
históricas que protegem todos os cidadãos do uso excessivo e
abusivo dos integrantes dos poderes do Estado. Ao mitigar essa
proteção, agiganta-se o poder de um Leviatã que já o possui em
demasia.
Os
que apoiam esses desvarios da burocracia não poderão lamentar no
futuro, quando, pessoalmente ou alguma pessoa querida, for pega indevida e
inocentemente nos tentáculos do monstro estatal. Se isso um dia
ocorrer, experimentarão pessoalmente a agonia descrita por Kafka no
romance "O processo".
Se
o povo brasileiro permitir a consolidação desse processo de redução
de direitos, todos deveremos temer desagradar delegados, promotores
de justiça, procuradores, juízes, deputados, senadores, ministros,
enfim, qualquer homem público capaz de movimentar o aparato de
violência e de punição do Estado.
Quanto
ao combate à corrupção sistêmica, torna-se absolutamente ineficaz
quando "fulanizado", quando personificado em um demônio
cuja erradicação supostamente eliminaria o mal, pois disso decorre
a impressão popular de que, eliminado o demônio, elimina-se o
problema.
Como
os fatos estão demonstrando, muito longe de eliminar o mal,
pioraram-no.
A
brusca alteração, para menor, nos investimentos da Petrobras, a
quase total cessação dos projetos de engenharia pesada das grandes
construtoras, a redução geral no ânimo dos empresários, tudo isso
causou uma semiparalisia econômica que desempregou milhares e
milhares de brasileiros, cujas famílias, em grande parte, retornaram
ao estado de miséria e pobreza anterior à ascensão do primeiro
governo petista.
A
atuação da burocracia brasileira em todo esse enrosco institucional
parece conferir razão a Robert Michels, pensador que disse que "a
burocracia é inimiga da liberdade individual". Segundo ele, o
poder corrompe, de modo que a burocracia, tendo acesso ao poder, irá
usar de todos os meios necessários para, não somente preservá-lo,
mas aumentá-lo cada vez mais.
Em
resumo: caso a burocracia golpista consiga o aumento de poder que
hoje luta por obter, em pouco tempo estará sedenta por um poder
ainda maior, só que desta vez exigirá maiores poderes munida de
poder ainda maior do que antes. O círculo é vicioso: quanto mais
poder a burocracia estatal obtém, mais poder possui para exigir
ainda mais.
A
hora de impedir o crescimento da doença burocrática é essa, quando
a sede de poder ainda está no nascedouro.
Hoje,
a população apoia um combate à corrupção ou ao terrorismo em
bases que violam os direitos humanos, praticado por uns poucos
juízes, procuradores, delegados e outras autoridades.
Amanhã,
a se permitir o incremento dos poderes arbitrários, encerrado esse
suposto combate à corrupção e ante a necessidade vaidosa e
arrogante de demonstrar o próprio poder sobre as demais pessoas,
serão dezenas de milhares dessas autoridades praticando barbaridades
contra o povo, agora não somente juízes que abusam do poder, mas
também, como disse alguém, o guarda da esquina, o atendente do
departamento de trânsito, o médico do hospital público e qualquer
outro burocrata que detenha uma mínima fatia do poder estatal.
A
escolha, por enquanto, ainda é nossa.
Nenhum comentário :
Postar um comentário