terça-feira, 11 de janeiro de 2022

Ratinho merece o apelido que tem

 


Carlos Roberto Massa possui um apelido bastante curioso: Ratinho. Segundo consta, o apelido vem da infância, decorrendo do péssimo hábito que possuía de roubar as bolas de futebol dos coleguinhas. Ele diz que os meninos também o chamavam de “Feinho”, reconhecendo que era “muito feio”. Ou seja, na infância era um “Ratinho Feinho”. O apelido persistiu na fase adulta. O fato é que, de origem humilde, tornou-se milionário, atuando principalmente na comunicação (com diversas emissões de televisão e rádio) e no agronegócio.

Rico, raivoso, explorador da miséria humana e com linguajar de baixo nível, Ratinho é um típico representante do movimento neointegralista surgido com Bolsonaro, cujos “expoentes” possuem personalidade bem similar à do líder, sendo exemplos Malafaia, o véio da Havan, o deputado brucutu Daniel Silveira, o ex-presidente do PTB Roberto Jefferson e outros. Defendem, via de regra, pautas de defesa da violência policial, redução da maioridade penal, aprisionamento massivo dos criminosos, ausência de investimento em melhoramento de prisões, facilitação para o armamento dos cidadãos, combate à demonstração pública de afetos homossexuais, redução dos direitos trabalhistas e previdenciários, fechamento do STF, fechamento do Congresso, imposição de um governo militar, derrocada do ensino e da cultura, anticiência, antivacina e outras barbaridades desse naipe.

Para resumir, são maníacos, não tenhamos pudor em dizer. E gostam de ostentar a condição de desumanidade que carregam em si. Orgulham-se de afirmar, em alto e bom som, que desejam prender, torturar e matar seus opositores políticos, que eles agrupam sob a denominação de "esquerdalhas", mas que, não tenham dúvida, será qualquer um, de esquerda ou não, que se coloque como obstáculo à escuridão que almejam instituir. Percebam que, para esses maníacos, a Globo é de esquerda, assim como o New York Times. Delírio total de grande parte, acrescida de pura desonestidade do restante (o que inclui os líderes do movimento).

Especificamente no caso do roedor esteticamente prejudicado que está sendo dissecado, sabe-se ter sido condenado pela Justiça do Trabalho por utilizar, em uma fazenda sua, trabalhadores rurais em condição análoga à escravidão. Pagou indenização por dano moral coletivo. Faz defesa pública do golpe militar. Manifesta o desejo de eliminar pessoas que pensam diferente dele. Ou seja, cumpre à risca o roteiro dos bolsonaristas. Quem não lembra de Roberto Jefferson ou do próprio Bolsonaro, com armas reais ou ilusórias na mão, ensinando a matar esquerdistas (pois é disso que se tratava)?

De Ratinho, o caso que moveu o texto é o que envolve a deputada Natália Bonavides, do PT do Rio Grande do Norte. Moralista, como todo bolsonarista, Ratinho indignou-se com a deputada por ter ela apresentado um projeto de lei com vista a extinguir a expressão “marido e mulher” na celebração de uniões civis. Misógino, como os bolsonaristas usualmente são, Ratinho recomendou à deputada que fosse lavar uma roupa e costurar as cuecas do marido. Facínora, de um jeito que só os bolsonaristas sabem ser, sugeriu o fuzilamento da deputada com metralhadora. Vale lembrar que o capo di tutti capi, Bolsonaro, em diversas ocasiões ao longo de sua vida, jamais pestanejou ao dizer-se favorável à tortura e eliminação dos opositores políticos.

A propósito da sanha obsessiva bolsonarista por tortura e assassinato, é comum ouvir, por quem se dedica a defender o indefensável, o argumento de que são "brincadeiras", que "nada disso é sério" ou que "é linguagem popular, igual à do tiozão do churrasco". Nesse quesito, Ratinho não desapontou. Em recente entrevista, disse que, contra a deputada, limitou-se a utilizar o que chamou de “linguajar popular”. Tais advogados do diabo esquecem, claro, que a fala do "tiozão", no churrasco da família, não possui a repercussão decorrente de quem tem a força simbólica emanada da fama e do poder. O que um famoso e poderoso fala é capaz de influenciar um número indefinido de pessoas, para o bem e para o mal. Disso decorre a responsabilidade pela moderação na linguagem. Além disso, a falácia da defesa se evidencia ainda mais quando se sabe das fortíssimas suspeitas de envolvimento direto dos principais líderes bolsonaristas com o crime organizado, as chamadas "milícias". É preciso parar de romantizar as milícias. São organizações criminosas formadas por pessoas de extrema periculosidade, pois possuem a experiência fornecida pelas forças de segurança que integram ou integravam (policiais e militares), conhecidas por eliminar adversários no crime com o fim de dominar as fontes de renda do território, como fornecimento de gás, redes piratas de internet e tv a cabo, transporte coletivo pirata, empreendimentos imobiliários piratas de risco e inclusive o tráfico de drogas. Utilizam a desculpa de acabar com o crime, como vigilantes, para, na verdade, tomar as rédeas dele. Qualquer semelhança com o que ocorreu na política brasileira, utilizando o discurso anticorrupção, não é mera coincidência.

O bolsonarismo é, sem dúvida alguma, uma subespécie de nazifascismo que, até aqui, somente não teve sucesso em sua empreitada autoritária e genocida por força da conjuntura, que pode ser alterada a qualquer momento e permitir a ascensão do mal. Seus apoiadores não têm consideração alguma pela democracia e pela segurança de cidadãos que, em seu legítimo direito constitucional, se posicionam à esquerda do espectro político ou são homossexuais, para ficar nesses exemplos. Sob a frágil e hipócrita desculpa de combate à corrupção, aderiram a uma monstruosidade que ameaça fechar os outros dois poderes da República, torturar e matar pessoas, despreza as questões identitárias (reduzindo-as a "mimimi"), ameaça espancar homossexuais, tocar fogo em centros de umbanda e candomblé, não respeita as mulheres e não tem nenhum limite para a destruição do ambiente.

Enfim, minimizaram a defesa de questões primaciais, vinculadas à própria dignidade da existência em geral (biodiversidade e humanidade), em nome da grana (pois corrupção é uma questão de dinheiro). Não que corrupção não seja um problema; é e bem grave. Existem, porém, problemas que a relevam em importância. A corrupção é algo a ser combatido a médio prazo. Proporcionar uma existência digna é uma questão que exige resposta imediata. O respeito à integridade física, aos diversos biomas, à preservação dos espaços vitais necessários para pessoas, animais e plantas, a insegurança alimentar, a insegurança habitacional, a miséria, a saúde, a educação, a liberdade de escolha quanto à sexualidade, a ausência de preconceitos e segregações de toda ordem, tudo isso é questão imediata, urgente, pois vinculados à vida, que é uma só, até onde se sabe. Existem problemas que podem aguardar gerações, mas as necessidades para uma vida digna não é um deles; é uma questão unigeracional, ou se resolve durante a vida do indivíduo ou ele simplesmente terá vindo ao mundo apenas para sofrer as dores provocadas pelos “humanos” detentores do poder.

A defesa das teses bolsonaristas é posta em prática de modo similar à dos alemães não-judeus da década de 1930 que apoiavam o nazismo: com a segurança e tranquilidade de quem não é alvo das barbaridades que virão. Como todo covarde, a vida que eles arriscam é a do outro, a dos adversários da escuridão fascista, não a própria. Contudo, no Brasil pós-2018, ao contrário da Alemanha de 1930, o vislumbre da escuridão causou maior impacto, pelo menos até o momento. Antes de 2018, as pessoas pouco se importavam com os candidatos escolhidos por amigos e parentes. E esse é, de fato, o melhor comportamento. Liberdade de opinião e política é assim: deve-se saber conviver com as diferenças. E assim era. Porém, a de 2018 não foi uma eleição comum. Muitas pessoas perceberam tratar-se de uma escolha entre civilização e barbárie.

Por conta disso, eleita a escuridão bolsonarista, houve uma profunda cisão entre amigos e parentes. Pessoas esclarecidas não aceitaram a adesão dos conhecidos a esse movimento medonho. E quem pode culpá-los? Que tipo de condescendência criminosa autoriza a manutenção de relações sociais normais com quem aderiu a um movimento que ameaça torturar ou matar seus filhos, amigos ou mesmo desconhecidos pelo simples fato de serem de esquerda, negros ou homossexuais, por exemplo?

Sem dúvida alguma, as pessoas têm o direito de pensar o que quiserem, de escolher o que acharem melhor. Esse mesmo direito, porém, justifica o afastamento de quem compactua com a indignidade eleita em 2018. Quando as visões de mundo divergem tanto, em questões tão profundas, o imenso distanciamento espiritual que daí decorre torna mera hipocrisia a manutenção de proximidade física. E essa cisão social manifesta demonstrou-se absolutamente importante. Diferentemente do que ocorreu no nazismo alemão, as instituições, influenciadas pelo abismo social que se formou, quase certamente até no próprio círculo social dos dirigentes, viram-se encorajadas a manter Bolsonaro com o cabresto tensionado. 

As manifestações de Ratinho confirmam o acerto das pessoas em se afastar de quem aderiu ao mal, ainda que ingenuamente. Ratinho prova que o bolsonarismo é maior do que Bolsonaro, está presente e assim permanecerá. Sua contenção, daqui para o futuro, depende de inequívoca e permanente manifestação de nojo pela parte majoritária da população.

Quanto a Ratinho e seu jeito facínora e misógino de ser em relação à deputada, somente prova que seus coleguinhas de infância eram visionários. Acertaram em cheio no apelido. E, tenho que dizê-lo, estavam certos também quanto ao “Feinho”, embora não exatamente no que concerne ao aspecto estético.

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