Sem
a produção de efeito global, não há solução eficiente e
duradoura para as grandes questões da civilização humana. Uma
redução brutal das desigualdades, se um dia ocorrer, somente será
possível a partir de um pacto mundial entre as nações, envolvendo
a totalidade dos seres humanos. O instrumento natural para alcançar
esse pacto seria a política, espaço de apresentação de
divergências e busca de soluções e acordos. O problema é que o
poder do dinheiro envolveu-se de tal modo na política que ela deixou
de ser uma ferramenta de pacificação social e passou a atender
somente aos interesses de uma determina fatia da população, os
grandes empresários. A política elitizou-se e já faz tempo.
Quais
os principais ambientes contemporâneos através dos quais a
população participa, de alguma forma, das decisões coletivas? Um é
a política, através do voto, e outro é a imprensa, por meio da
qual são divulgados os acontecimentos políticos. Não à toa, esses
dois ambientes foram quase completamente tomados pelas grandes
corporações. Atualmente, não existem políticos eleitos sem
investimento de muito dinheiro na campanha e praticamente não
existem grandes órgãos de mídia que não sejam controladas pelos
principais conglomerados financeiros do mundo. Fala-se aqui da
política em nível mundial, não somente no Brasil.
Há
quem fale, como Bauman, que chegamos ao "grau zero da
política", ou seja, o instante a partir do qual os políticos
não conseguem desenvolver políticas verdadeiramente necessárias ao
bem-estar da população. Somente se legisla nesse sentido se houver
coincidência com interesses das corporações.
O
Brasil não é diferente. Uma das principais razões, senão a
principal, para o sistema político brasileiro ser ineficiente em
relação às demandas da população é a extrema influência do
poder financeiro. E todo político, sem exceção, fica sujeito a
essa influência maligna ao ingressar no poder.
Ícones
políticos como a suave Marina da Silva ou a rebelde Heloísa Helena,
induvidosamente fantásticas mulheres, se chegassem ao poder e
insistissem na própria independência, se incomodassem efetivamente
o poderio econômico, rapidamente se veriam ante um processo de fritura
pela imprensa, com a já conhecida escandalização da política, que
culminaria com um impeachment. Ainda que o povo, em socorro às suas
heroínas, conseguisse superar o poder de manipulação da mídia e
fosse para as ruas defendê-las, o risco de ruptura institucional
seria altíssimo.
Com
Lula esse processo não chegou ao clímax porque não provocou
incômodo de monta no establishment. Com ele existia mais uma
preconceito atávico contra as minorias que ele representava em si
mesmo.
A
questão de fundo, portanto, no que concerne à discussão sobre a
retirada do PT do poder - que envolve a corrupção - é ingênua.
Saindo o PT, as mesmas práticas serão repetidas por quem entrar,
pois já estavam presentes antes dele. Talvez fique um pouco pior,
pois o PT, embora sucumbindo à mesma práxis política, pelo menos
dirigiu algum foco para a questão social, ao menos em grau mais elevado do que os governos
que o antecederam.
A
única ação capaz de efetivamente devolver à política a sua
capacidade original de encaminhar os projetos da sociedade seria uma
reforma política intensa. Não somente no Brasil, mas no mundo todo.
Um
dos mais necessários elementos dessa reforma seria a redução
drástica da participação do capital na política, principalmente
no financiamento das campanhas.
É
imprescindível ressaltar que, embora as empresas possuam
personalidade jurídica fictícia, como forma de permitir suas
interrelações, elas não são pessoas de fato. O direito de votar e
ser votado é exclusivo da pessoa humana, dos cidadãos, pois são as
pessoas que sofrerão os efeitos da política. Empresas não possuem
sentimentos e nem necessidades básicas reais.
Se
é assim, qual a justificativa para as empresas, não somente
participarem do processo político, mas participarem em condição
privilegiada, na forma de doações milionárias, em relação ao
verdadeiro destinatário e beneficiário do processo, o cidadão?
Está claro que a empresa que injeta dinheiro na campanha não está
preocupada com o bem-estar da população, com investimentos em saúde
e educação, por exemplo, mas objetiva um retorno posterior na forma
de lucro.
Aliás,
empresas não querem saúde, educação e segurança públicas
eficientes, pois existem empresários que dependem dessas carências
públicas para vender seus produtos à população. Coveiros dependem
da morte.
Não
importa se feita pelo Congresso ordinário ou por parlamentares
eleitos exclusivamente para esse propósito, impõe-se a reforma
política como meio de depuração política. Não há dúvida,
contudo, que a pretensão de alcançar uma reforma política
eficiente se levada a efeito pelos políticos já eleitos parece ser
apenas ingenuidade. Políticos eleitos pelo sistema não possuem
interesse algum em modificá-lo, pois foram por ele beneficiados. Em
time que está ganhando não se mexe, pelo menos não tanto quanto
seria necessário. Sob tal visão, a proposta da constituinte
exclusiva, com as devidas salvaguardas para que ela não avance sobre
outros assuntos, apresenta-se como mais inteligente, sendo eleitos
pessoas somente para esse fim, sem comprometimento com o sistema
atual.
Portanto,
o primeiro alvo de uma reforma política deve ser pôr fim a toda e
qualquer doação empresarial para as campanhas eleitorais.
Porém,
é necessário mais. É preciso pensar no financiamento totalmente
público de campanha, impeditivo de que grupos organizados de pessoas
ricas continuem a influir decisivamente na política. Caso a opção
seja por um sistema misto, público e privado, impõe-se um limitador
para as doações individuais, em valor não muito alto, de forma a
equilibrar o direito de voto entre ricos e pobres.
Há
que se estabelecer um teto de campanha, com gastos variando desde o
maior dos cargos eletivos, para a presidência da república, até o
menor, para vereador. Assim, hipoteticamente, a candidatura a senador
somente poderia implicar em gastos de campanha no valor X, enquanto a
de deputado federal seria menor, por exemplo, a metade disso ou um
terço. Essa medida, além de impedir a transformação das campanhas
em espetáculos degeneradores dos objetivos da política, tornaria
mais justa a disputa entre uma pessoa com poucas posses e outra rica
e disposta a investir a própria fortuna na candidatura.
É
necessário acabar com os suplentes de senador que não recebem
qualquer voto e assumem o cargo. O segundo colocado para o senado
deve assumir caso o senador eleito deixe o cargo vago por qualquer
motivo.
Existem
diversas sugestões para a reforma política, como a que pretende o
fim do voto proporcional, que permitiu, por exemplo, que os votos do
Tiririca elegessem vários outros deputados que individualmente quase
não tiveram voto algum. São coisas a serem pensadas.
A
principal reforma, contudo, a que possui o poder de transformar
radicalmente a realidade política do país e de onde quer que seja
adotada, é a exclusão do poder financeiro das campanhas eleitorais
em conjunto com o teto de campanha.
São
mudanças capazes de reconduzir o compromisso dos políticos e o
objetivo da política à sua origem e justificativa, que é o
interesse do cidadão e, via de consequência, da nação.
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