Nos
últimos dias vem sendo compartilhado nas redes sociais um artigo que
produz uma comparação entre os governos de FHC e de Lula, com muita
vantagem para FHC, segundo o autor do artigo. O link do artigo é
fornecido ao final do texto.
O
autor do artigo é clara e confessadamente um admirador de FHC, o que
ele honestamente afirma. Nisso não reside problema algum, dado que
os admiradores de Lula também podem produzir comparativos.
Todavia,
o autor do artigo peca por utilizar um sofisma evidente a fim de
inutilizar os números nos quais ele próprio reconhece a
superioridade da performance governamental de Lula. Nesses
específicos pontos, ele posiciona FHC como melhor presidente que
Lula, com fundamento na opinião absolutamente subjetiva, e não
isenta pois eivada da parcialidade típica de um admirador confesso,
de que a superioridade dos números de Lula decorreu da política
macro-econômica implementada por FHC, herdada pelo petista, e à
conjuntura econômica mundial ruim por este último enfrentada, o que
não teria ocorrido na gestão do PT.
O
primeiro ponto de discordância é quanto à suposta influência da
gestão de FHC nos números produzidos pelo governo Lula. O que os
indicadores econômicos sinalizam é que o que Lula herdou de fato da
gestão FHC foi uma economia quase afundada. Quanto à economia
mundial, o argumento é ridículo, uma vez Lula enfrentou a maior
crise financeira desde a crise de 1929.
Porém,
superando-se esses equívocos e supondo-se que efetivamente a
política econômica de FCH tenha sido um sucesso retumbante, com ele
entregando a Lula um país absolutamente saneado em suas finanças,
resta ainda uma indagação pertinente: até quando isso poderá ser
utilizado para santificar FHC e negar qualquer crédito ao governo do
PT ou os próximos?
Supondo
que daqui a cem anos o Brasil seja a maior potência mundial, será
que ainda caberá dizer que isso se deve à política macro-econômica
de FHC? Seria algo assim como afirmar que o crescimento brasileiro
durante o governo tucano ocorreu por conta do gênio de D. Pedro II.
Trata-se
de uma modalidade de pensamento negacionista e tucano-narcisista, que
parte do princípio de que todos os gerentes que sucederem santo FHC
serão meros continuadores de sua política e, portanto, não
merecerão qualquer crédito pelos eventuais sucessos das respectivas
administrações, ainda que se revelem excelentes gestores.
Supondo-se
que, na verdade, o que o emplumado autor tenha pretendido afirmar é
que, embora a economia esteja sendo bem conduzida, o que é
implicitamente reconhecido por ele próprio, estaria ainda melhor com
FHC, pois o considera um administrador melhor, ainda assim se
trataria de mero exercício de suposição, adivinhação mesmo.
Não
há razão alguma para crer que FHC administraria melhor do que Lula
a política macro-econômica atual, primeiramente porque não há
razão alguma para crer que assim tenha feito quando era presidente. Se há
algo de salutar iniciado antes do governo Lula, com capacidade de
produzir efeitos até o momento, trata-se apenas do Plano Real, que
todavia, o sentido de justiça exige se reconheça ter sido produto
do governo Itamar Franco. Os tucanos apenas prosseguiram na
administração do plano. Nesse sentido, a mesma afirmação de
herança bendita se aplicaria também ao governo FHC, herdeiro de
Itamar.
Ademais,
os registros históricos demonstram que, antes de FHC deixar o
governo, a inflação já atingira dois dígitos e estava próxima do
descontrole.
Paralelamente,
o texto, ao minimizar o fato do governo Lula ter enfrentado a maior
crise econômica mundial desde o crash de 29, permite igualmente
minimizar a suposta conquista de FHC no combate à inflação.
Efetivamente, basta breve pesquisa na internet para verificar que em
praticamente todos os países nos quais a inflação era altíssima
até meados da década de 1990, o problema foi solucionado no final
dessa década, todos ingressando no ano 2000 com a inflação
controlada.
Como
diria o Robin: santa coincidência econômica, Batman.
Como
não cabe acreditar em coincidências tão fantásticas, é
preferível supor que FHC não teve participação de grande relevo
no controle de inflação, devendo presumir-se que tal controle foi
engendrado pelas grandes corporações, possivelmente por terem
finalmente compreendido que inflação muito alta não é salutar
para os negócios.
Evidentemente,
o texto sob análise não é sério, tratando-se de um panfleto
pró-tucano. Em filosofia, enquadra-se como "wishful thinking".
A
comparação entre os governos deve ser pautada pelos números e
esses falam por si. Os números petistas são amplamente superiores
aos tucanos.
E
aqui se trata apenas do aspecto da macroeconomia, nem sendo cabível
comparar os respectivos governos quanto ao enfrentamento da questão
social, ponto sobre o qual o autor ridiculamente declara, como mero
exercício de fantasia pretensiosa, que o governo FHC foi melhor, o
que contraria, tanto os gritantes números estatísticos que sobram
no governo petista, como o pensamento sociológico preponderante
sobre o assunto, não somente brasileira, mas mundial. Efetivamente,
diversas manifestações, das mais variadas instituições,
personalidades e pensadores do mundo, reconhecem as conquistas
sociais obtidas pelo governo petista, tendo alguns países inclusive
passado a adotar soluções idênticas.
Novamente
de forma sofista, tenta o autor do texto fazer crer que a mágica
fernandiana do controle da inflação beneficiou mais os pobres do
que os programas sociais petistas. Quanto a isso, deixem falar os
próprios pobres e miseráveis, que, durante os governos tucanos
muito pouco ou nada recebiam de benefícios sociais ou, quando tinham
a sorte de ter emprego, recebiam um salário mínimo ridículo. Essas
mesmas pessoas, na assunção do PT ao governo, obtiveram inegável
ganho no poder aquisitivo, tanto pela valorização do salário
mínimo, com ganhos reais em dólar acima da inflação, como pela
instituição de programas de assistência e amparo sociais.
Enfim,
como nada é tão maniqueísta assim, deve ser reconhecido que ambos
os governos possuem defeitos e méritos.
Não
se deve cultivar nenhuma ilusão quanto à corrupção, anterior e persistente nos dois governos e que, dada a nossa conformação
política, carente de profunda e urgente reforma, certamente
continuará a manchar nossa política. Não produzidas reformas
profundas, o mais puro dos partidos políticos, o mais honesto dos
candidatos, será corrompido quando e se chegar ao poder, não
necessariamente pelo objetivo de enriquecer, mas em função da
necessidade de produzir governabilidade.
Num
sentido de pragmática política, a maior e mais significativa
distinção que há entre o PSDB e o PT é que o PSDB possui
tendência liberal e privatizante muito forte e, justamente por isso,
focou a ação governamental no mercado, enquanto o PT a focou no
social e possui uma política de maior cuidado na privatização.
Não
há dúvida de que nem tudo pode ser privatizado. Existem setores que
são estratégicos demais para serem privatizados. Basta analisar o
que está ocorrendo agora com a vigilância americana sobre nossas
comunicações. Uma Embratel estatal possibilitaria um controle maior
do governo brasileiro sobre as próprias comunicações, apenas para
ficar nesse exemplo.
A
sociedade deve ser entendida como um conjunto orgânico no qual os
cidadãos são órgãos e membros, que possuem o dever de cuidar uns
dos outros, pois a doença da parte sempre significará a doença do
todo. Por conta disso, cabe admirar mais as políticas que beneficiem
pessoas do que as que priorizem o dinheiro.
Essa
é a razão pela qual, enquanto não sobrevier uma profunda reforma
política que altere esse panorama político horroroso que o país
enfrenta desde sempre, se a escolha for entre o PSDB, que optou pelo pior modelo de
capitalismo, aquele que prioriza selvagemente o capital, e o PT, parece
preferível a opção pelo último, um partido
desenvolvimentista vocacionado para o social.
A
fulanização do debate político sobre o combate à corrupção, que
elege sem base fática um determinado partido como único corrupto,
implica derrota do povo, pois inviabiliza um ataque verdadeiro à
raiz do problema: um sistema político-eleitoral fracassado que torna
necessário ao governante fechar os olhos ao fisiologismo e ao patrimonialismo como condição de
governabilidade.
Retirar
o PT do poder e colocar qualquer outro partido, enquanto não
solucionado o problema de fundo, representará apenas a troca de um
suposto ladrão de plantão por um outro suposto ladrão
provavelmente mais ávido. Nesse caso, não somente a corrupção
persistiria, como condenaria pobres e miseráveis a suportar o maior
dos prejuízos: o retorno ao estado de desamparo social que
enfrentavam antes da criação da rede de proteção atual. Na melhor
das hipóteses, haveria severa redução dessa rede.
Eis
o link do artigo que vem sendo compartilhado nas redes:
http://visaopanoramica.net/2009/08/05/comparacao-fhc-x-lula/
http://visaopanoramica.net/2009/08/05/comparacao-fhc-x-lula/
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