Segundo
narra a bíblia judaica, em seu livro Gênesis, após criar tudo na
terra, nos mares e no céu, inclusive “monstros marinhos”, Deus
criou o primeiro homem.
O
homem, todavia, não foi criado aleatoriamente, da mera imaginação
do arquiteto divino, como parece ter ocorrido com todas as demais
coisas. Sendo o homem uma criação especial, merecedora de maior
atenção, ele disse “façamos o homem à nossa imagem, conforme a
nossa semelhança”.
O
que exatamente significariam esses plurais: “façamos” e “nossa”?
Seriam vários os deuses e não somente um? Ou seria um plural
majestático e nada modesto? Não se sabe. A resposta pode estar mais
à frente, como veremos.
Criado
o primeiro homem, Deus a ele ordenou que comesse de tudo o que havia
no paraíso, menos os frutos da “árvore do conhecimento do bem e
do mal”, porque, se assim o fizesse, ele “certamente” morreria.
Assim, ficou ciente o primeiro homem de que o seu pai, criador e
amoroso, instituiu, para o ato de comer o fruto da árvore do
conhecimento, a pena de morte.
Estando
o homem solitário no paraíso, Deus percebeu que ele necessitava de
alguém para auxiliá-lo, uma espécie de criada, e então, fazendo-o
cair um sono pesado, tomou-lhe uma das costelas e criou a mulher.
É
certo que há misoginia na quase totalidade do relato bíblico, que
subalterniza o papel da mulher colocando-a como ajudante do homem,
não sendo, pois, de estranhar que a mulher, ao contrário de Adão,
tenha sido criada com matéria retirada do corpo do homem e não do
ambiente.
Isso,
porém, encontra provável explicação na possibilidade de que Eva
não tenha sido, de fato, a primeira mulher a ser criada. Alguns
teólogos defendem a ideia de que outra mulher tenha tido essa honra,
uma de nome Lilith.
Deus
teria criado Lilith no mesmo processo criativo que gerou Adão, a
partir do mesmo barro e com a mesma semelhança com Deus. A
possibilidade surge a partir da leitura de Genêsis, onde se lê que
Deus criou “o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem
e mulher os criou” (1:27). Ou seja, foram criados juntos, homem e
mulher, à imagem e semelhança de Deus.
Segundo
relatos extra-bíblicos e integrantes da mesma mitologia arcaica que
originou a bíblia, Lilith mostrou-se independente demais ao não
aceitar a condição que lhe foi imposta de subalterna do homem. Não
queria ser inferior ao homem, nem nas atividades do dia, nem nas da
noite, pois não aceitava que sempre ficasse embaixo de Adão na hora
do sexo.
Dada
a sua rebeldia e independência, Lilith foi afastada de Adão,
criando Deus a segunda mulher, Eva, esta a partir do próprio corpo
de Adão. A afirmação de Adão - “Esta é agora osso dos meus
ossos...” parece confirmar isso, pois dá a entender que ele quis
dizer “a primeira não provinha de mim e, por isso, não poderia
ser minha ajudante, esta agora sim”.
Alguns
teólogos afirmam que a serpente que tentou Eva, na verdade, seria
uma metáfora para a própria Lilith. Isso pode ser corroborado pela
transformação que Deus operou na serpente após ela ter tentado Eva
a comer o fruto proibido, pois somente após esse episódio a
serpente passou a rastejar sobre o próprio ventre. Antes disso,
portanto, a serpente devia possuir pernas ou patas, como todos os
demais animais, inclusive o ser humano.
Aqui
é interessante chamar a atenção de que Deus ordenou que eles
fizessem sexo (Gen:1:28), formando “uma só carne” para
“frutificar e multiplicar”, e, em princípio, não criou roupas,
pois Adão e Eva estavam nus e disso “não se envergonhavam”
(Gen:2:25).
Como
se vê, no princípio dos tempos o sexo e a nudez eram atos divinos,
autorizados pelo criador.
Entretanto,
como se sabe, os rebeldes Adão e Eva desobedeceram à ordem divina e
comeram o fruto proibido. Um ponto curioso quanto a esse trecho é
que, apesar de Deus ser onisciente, demonstrou não saber previamente
que suas crias iriam comer da árvore do conhecimento. Tampouco
depois da violação praticada pelo casal Deus aparenta saber o que
elas haviam feito e que fora Eva quem colhera o fruto, o comera e
estimulara Adão a fazer o mesmo.
De
fato, Deus indaga de Adão se ele havia ou não comido do fruto
proibido, respondendo Adão que sim, ele havia comido. Estaria Deus
fingindo nada saber, para poder demonstrar sua indignação?
Outra
coisa interessante é que a pena de morte instituída por Deus para a
infração jamais se abateu sobre o casal. Adão viveu por 930 anos
(Gen:5:5). Teria sido um blefe divino para intimidar Adão? Deus
usaria de artifícios verbais para alcançar resultados?
Como
pena alternativa à morte, o Pai criador, sempre amoroso, condenou
Adão a trabalhar todos os dias, com esforço e suor, para conseguir
comer. Eva foi condenada a sofrer dores horríveis de parto e a ser
dominada pelo marido. Ambos foram condenados também a não mais
viver eternamente. Então, Deus deu-lhes roupas para vestir e
expulsou os filhos do paraíso.
Qual
a intenção de Deus ao obrigar o casal a usar roupas, até então
dispensáveis? Não se sabe.
Em
Gen:3:22, tem-se novamente a uma espantosa declaração do próprio
Deus: “Então disse o Senhor Deus: Eis que o homem é como um de
nós, sabendo o bem e o mal”.
O
homem é como um de “nós” disse Deus. Novamente um misterioso
plural. Seria apenas majestático e auto-enobrecedor, uma espécie de
egolatria divina? Ou existiriam vários deuses?
Expulsos
do paraíso, Adão e Eva tiveram vários filhos e filhas (Gen:5:4),
mas somente três deles, Caim, Abel e Seth mereceram ter seus nomes
descritos na bíblia. Seth foi o terceiro filho e somente foi
concebido para compensar Adão e Eva pela perda de Abel, assassinado
pelo próprio irmão, Caim.
No
episódio bíblico fratricida, Deus revela a mesma ignorância,
possivelmente fingida, apresentada quando Adão comeu o fruto
proibido.
Deus
procura por Abel e não o encontra em lugar algum. Sem disposição
para dar três pulinhos em nome de São Longuinho, resolve indagar de
Caim se sabia o paradeiro do irmão, o que permite entender que Caim,
quanto a isso, seria capaz de saber mais do que o próprio Deus.
Ocorre que, nesse momento de dúvida divina, Abel já estava morto,
Caim o matara.
Sendo
onisciente, certamente Deus saberia, mesmo antes do nascimento dos
filhos de Adão e Eva, que um irmão mataria o outro, bem como que o
primeiro homicídio decorreria de o próprio Deus demonstrar mais
afeição por um do que pelo outro. Tudo perfeitamente evitável,
pois. Ainda assim, ocorreu, segundo registra a bíblia.
Por
ter matado Abel, Deus amaldiçoou Caim, que a partir dali seria
“fugitivo e vagabundo”. Contudo, também essa maldição, como já
ocorrera no caso da pena de morte para Adão, revelou-se um blefe. Ao
contrário, Deus passou a protegê-lo. Primeiro, deu a Caim um sinal
distintivo, divino, para que ninguém o matasse (Gen:4:15). Depois,
permitiu a Caim obter amplo sucesso na vida, inclusive tendo fundado
uma cidade, batizada de Enoque em honra do próprio filho. A bíblia
nada fala sobre o número de anos que Caim teria vivido, tampouco
sobre a possível causa de sua morte. Pelos seus feitos, porém,
supõe-se que tenha vivido muito, como era comum naqueles tempos.
Adão
viveu novecentos e trinta anos. Seu filho, Seth, novecentos e doze
anos, e o filho dele, Enos, novecentos e cinco anos, o filho deste,
Cainã, novecentos e dez anos, seu filho, Maalaleel, oitocentos e
noventa e cinco anos. Maalaleel gerou Jerede, que morreu com
novecentos e sessenta e dois anos, que gerou Enoque.
O
caso de Enoque é um pouco diferente, pois seu tempo de vida total
não é descrito na bíblia. Sua permanência na Terra foi curta,
somente trezentos e sessenta e cinco anos, mas ele não morreu, pois
Deus o tomou para si. Aparentemente, foi levado direto para o céu.
Enoque
foi pai de Matusalém, que viveu novecentos e sessenta e nove anos, e
foi o pai de Lameque, setecentos e setenta e sete anos, por sua vez
pai de Noé, que viveu novecentos e cinquenta anos. Noé tinha
seiscentos anos, um garotão, quando enfrentou o dilúvio.
E
por ai vaí, enumerando a bíblia várias vidas longérrimas. O que
se conclui do relato bíblico, aparentemente, ao menos no início dos
tempos, é que, longe da pena de morte, a imortalidade de Adão no
paraíso foi convolada em uma vida muito, muito longa na Terra, para
si e para seus descendentes. Isso continuou até que, finalmente,
resolveu Deus limitar a idade dos seres humanos a cento e vinte anos,
ainda um pesadelo para a previdência social. Trata-se de um limite
que algumas pessoas, até hoje, teimam em não respeitar,
principalmente certos japoneses longevos. A bíblia, todavia, não
prevê a punição cabível para quem ultrapassar cento e vinte anos.
Talvez sejam enviados para o inferno. Isso é um problema, porque o
suicídio também é pecado, não existindo alternativas para quem
desejar obedecer ao mandamento bíblico de não passar dos cento e
vinte anos.
A
bíblia, em Genêsis:6:2, abre uma possibilidade de politeísmo.
Assim está escrito: “Viram os filhos de Deus que as filhas dos
homens eram formosas; e tomaram para si mulheres de todas as que
escolheram”.
Poderia
a bíblia estar se referindo aos homens, quando diz "filhos de
Deus". Claramente não, pois logo a seguir emenda com as filhas
dos homens, de modo que existem duas categorias distintas: os filhos
de Deus e as filhas do homens. O texto não faria sentido caso se
considerasse que a referência era aos "filhos dos homens",
caso em que bastaria dizer que os homens viram que as mulheres eram
formosas. Além disso, de um modo geral os seres humanos não são
descritos em Gênesis como filhos. Nesse livro, em nenhum momento
Deus chama o homem de “filho”. Em princípio, ele é apenas o
criador, como o relógio é uma criação do relojoeiro mas não seu
filho, no sentido estrito da palavra.
Em
geral, filhos de um deus são também deuses ou minimamente
semideuses. Ao lado disso, indaga-se: quem é a mãe desses filhos de
Deus? Possivelmente uma deusa, embora talvez não seja necessário
uma mãe. Afinal, trata-se de Deus todo-poderoso e não sabemos nada
sobre o sexo dos deuses. Pode-se afirmar com segurança, entretanto,
que ao menos os filhos de Deus possuem um propósito sexual, pois
acharam as mulheres formosas e as tomaram para si, nelas gerando seus
próprios filhos (Gen:6:4).
No
entanto, ainda que sejam frutos de geração espontânea ou criados a
partir do nada, são filhos de Deus, no plural. O panteão divino,
assim, tinha Deus, seus filhos e talvez uma mãe, o que implica
politeísmo.
Abra-se
um parênteses para destacar que a bíblia sugere que os filhos de
Deus são estupradores, o que parece sugerir ao afirmar que se
permitiram escolher uma mulher e fazer dela sua à força (“tomaram
para si”), como se escravas sexuais fossem. Claro que é possível
que "tomar para si" diga mais do pretendeu o escritor
bíblico original.
Da
relação sexual entre os filhos de Deus e as filhas dos homens
gerou-se uma descendência nobre. Dela nasceram homens diferentes,
melhores dos que a descendência exclusivamente humana. Segundo a
bíblia, ele “eram os valentes que houve na antiguidade, os homens
de fama”. Em quê, exatamente, esses filhos de Deus seriam
diferentes dos seres humanos que os faria mais valentes e mais
famosos? A bíblia não diz, possivelmente seriam gigantes, o que em
princípio torna valentia e coragem desnecessárias, salvo se se
entender, analogamente, que o poderio militar americano seria muito
valente e corajoso se invadisse a Somália.
Posteriormente,
Deus, apesar de onipotente e onisciente, percebe que o homem é mal
e, incrédulo quanto à própria perfeição, arrepende-se de ter
feito o homem. Deus, pois, não sabia que o ser humano se tornaria
mal, o que diz alguma coisa sobre a intensidade de sua onisciência.
Além disso, parece sofrer uma crise depressiva em função daquilo
que criou, arrependendo-se, o que também sinaliza algo sobre sua
perfeição.
Deus
mostra-se tão arrependido e furioso com a maldade humana, que
resolve punir não somente o homem, mas todas as criaturas da Terra.
Punir,
no caso, é um eufemismo, pois o que ele resolve mesmo é destruir
completamente tudo o que existe na Terra, com exceção de Noé, sua
família e um par de cada animal. Deus passa a nutrir um ânimo de
matar todos os humanos e animais, inclusive répteis e aves. É um
caso clássico dos justos pagando pelos pecadores.
Está
longe de ser um exemplo de sabedoria, mas assim está escrito.
Ao
contrário do que se poderia supor, a arca de Noé não necessitava
ser um colosso apenas porque iria comportar um casal de todos os
animais do planeta. Claro que, fosse algo não divino, essa arca
deveria ter o tamanho de um país pequeno, porque, além de carregar
os animais, deveria transportar todo o material necessário para a
manutenção da vida por cento e cinquenta dias (Gen:7:24). Haja
alfafa e ração.
No
caso de Deus, todo-poderoso, porém, isso não seria necessário.
Podemos imaginar uma arca do tamanho de um bote salva-vidas, ou até
menor, caso em que os animais poderiam miraculosamente ser reduzidos
ao tamanho de uma formiga assim que nela embarcassem, o que
dispensaria um colosso de navio. A intervenção divina também
poderia tornar a alimentação e ingestão de água desnecessárias
durante um certo tempo. Enfim, a arca poderia ter as dimensões
descritas na bíblia e responder bem ao chamado divino.
Nada
disso está na bíblia, mas é uma hipótese. Talvez Noé e os seus
apenas não tenham notado a redução, cegados pelo poder de Deus.
Entretanto,
é impossível entender, senão movido por fé absolutamente cega, o
motivo que conduziria Deus a transferir todo esse trabalho para Noé.
Por que não adotar o modus operandi utilizado, por exemplo,
com Sodoma, onde Ele se limitou a mandar Ló sair da cidade com sua
família? Não houve ordem divina para o cumprimento de nenhum
exaustivo e inútil trabalho. Após a saída de Ló, Deus deu vazão
a toda sua ira, arrasando a cidade com seus milhares de habitantes.
No
caso do dilúvio, bastaria a Deus simplesmente dizimar toda a vida na
Terra, mantendo à salvo apenas Noé, sua família e um casal de cada
animal.
Depois
do dilúvio catastrófico, novamente Deus mostra-se arrependido do
que fez, conclama Noé a uma nova aliança, prometendo nunca mais
produzir um evento sanguinário do tipo. Segundo a bíblia, Deus
costuma se arrepender das destruições e matanças que seu
temperamento instável e explosivo provoca. Isso tudo se encaixa em
sua perfeição absoluta e seus poderes de onisciência e onipotência
de uma forma que jamais será possível ao ser humano compreender.
Claro
que, após essa promessa, tivemos coisas como as grandes guerras e
ditadores como Hitler, Stálin e Mao Tsé Tung, além de destruições
como as de Hiroshima e Nagasaki, eventos que provavelmente, juntos,
devem ter matado bem mais pessoas do que o dilúvio, mas esses
acontecimentos, aparentemente, não foram obra de Deus, embora
onipotente, onisciente e onipresente. Parece que, quando alguns
homens malvados se reúnem para combinar malvadezas grandiosas, como
as destruições de Hiroshima e Nagasaki, Deus, presente no evento,
decide permitir a matança de milhares ou milhões de inocentes, tudo
em nome de respeito ao livre-arbítrio. Claro que os inocentes
mortos, bebês e crianças inclusive, irão para o céu e seus
assassinos, que morreram velhos, ricos e poderosos, para o inferno. É
um bom consolo. É?
Cabe
aqui lembrar que os representantes de Deus na Terra não se destacam
por condenar autores de grandes destruições e genocídios, mas
costumavam considerar pecado excessivo a prática de amassar e
produzir poções, "fornicação" ou apenas desdizer o que
diz a bíblia, e torturava e queimava na fogueira quem assim
procedesse.
Claro
que práticas divinas como a de Sodoma ou do dilúvio não podem ser
compreendidas por seres humanos. Para nós, imperfeitos que somos,
parece ingenuamente que, sendo Deus onipotente, não haveria
necessidade alguma de exterminar tantas vidas, humanas, animais e,
não se esqueçam, até mesmo vegetais.
Bastaria
a Ele querer e os seres humanos, que em sua onisciência ele sabe
previamente que pecariam e seriam mortos por Sua ira, simplesmente
mudariam de comportamento dali em diante. Ele poderia, ainda,
teletransportá-los diretamente para o céu ou para o inferno (a
indagação "o inferno existe?" fica para outro ensaio).
Isso pouparia a vida de animais e plantas inocentes, mortos no
dilúvio por culpa dos erros humanos. Porém, Sodoma, Gomorra e o
dilúvio estão relatados na bíblia para provar que, certamente, os
desígnios de Deus são realmente bastante misteriosos. Não são
exemplos de misericórdia, mas é assim que conta a bíblia.
Depois
disso, vem a torre de Babel e toda a confusão criada a partir da
multiplicação das línguas, mas isso é outra história. Por ora,
fica-se por aqui.
O
início do primeiro livro da bíblia, Gênesis, revela ser impossível
atribuir qualquer credibilidade à confusa narrativa bíblica se
considerada em sua perspectiva literal.
Desde
a criação de tudo que existe em seis dias, o que inclui monstros
marinhos, até as sucessivas menções à existência de mais de um
deus e de vários filhos de Deus que mantiveram relações sexuais
com as filhas dos homens, evidencia-se que, nessa parte, a bíblia
deve ser tomada como o que é, uma salada cosmogônica atávica,
criada a partir da junção de diversos relatos mitológicos oriundo
de civilizações e culturas diferentes, e costurada de forma pouco
eficiente, não capaz de produzir uma homogeneidade consistente com
um relato tido por sagrado, perfeito e imutável.
O
Deus presente nesse início bíblico é um Deus confuso, vingativo,
irado e sem equilíbrio emocional, que não tem fé no próprio poder
ilimitado e que se arrepende de quando em quando de suas criações e
decisões, o que não faz sentido se considerada Sua perfeição. A
matança indiscriminada tampouco é um bom exemplo de perfeição,
misericórdia e amor infinitos.
Isso
significa que os relatos não possam, de forma nenhuma, ter
fundamento divino? Para quem acredita em Deus, claro que não. Para
quem Nele crê como onipotente é possível acreditar que houve um
início dos tempos e que esse início possui relatos similares em
diversas civilizações, multiplicidade essa que somente aumentaria
sua credibilidade.
Porém,
desmistifica a bíblica, primeiro, como uma revelação divina
exclusiva dos judeus e, posteriormente, dos cristãos.
Devem
ser considerados relatos inerentes à mitologia humana da criação,
que não integram o acervo cultural de um determinado povo, mas de
vários.
Segundo,
mitiga o poder da bíblia como possuidora de uma palavra sagrada,
inabalável criticamente. Suas palavras são o que são, a tentativa
de homens, ao longo dos séculos, de registrar no papel, ou outros
materiais mais duráveis, os relatos que, antes, eram transmitidos
geração após geração de forma oral.
Terceiro,
nulifica a bíblia como documento de moral e ética indiscutível,
dados os comportamentos nela descritos que, de tempos em tempos, são
considerados impraticáveis publicamente. Na atual cultura ocidental,
por exemplo, não seria bem visto um homem ter várias esposas ou,
ainda, ter filhos com a criada de sua mulher estéril. Poucos
defenderiam alguém sacrificar seu filho a um Deus ou um Deus que faz
uma brincadeira desse tipo, a título de “teste de fé”. Quem
seria capaz de defender David, quando faz sexo com a mulher de seu
subordinado e manda este para morrer na frente de batalha a fim de
facilitar a sua vida sexual?
Não
há dúvida de que a bíblia é um livro interessante, com relatos
incríveis e que vale a pena ser lido. Exatamente como merecem ser
lidos, por exemplo, Crime e Castigo ou O Senhor dos Anéis.
Contudo,
para disseminação de exemplos de comportamentos vinculados ao bem e
à bondade, existem livros melhores.
Recomenda-se,
dentre vários outros, A Origem da Desigualdade dos Homens ou o
Tratado Sobre a Tolerância.
Leia também: A Bíblia I
Leia também: A Bíblia I
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