A
leitura dos comentários produzidos na internet sobre o aniversário
de cinquenta anos do golpe de estado praticado pelos militares
brasileiros parece evidenciar que a população brasileira está se
polarizando em dois posicionamentos ideológicos bastante distintos um do outro, sendo ambos, basicamente, fundamentalistas: os
que se afirmam "de esquerda" e os que estão "do outro lado".
Utiliza-se a expressão "do outro lado" para evitar ferir
suscetibilidades, pois poucos são capazes de se afirmar como "de
direita".
Os
comentários das pessoas "de esquerda" em geral repudiam o
golpe e defendem indiscriminadamente as ações dos guerrilheiros,
inclusive eventuais assassinatos e outras ações criminosas.
Já
as pessoas "do outro lado" assumem posicionamento
francamente contrário, colocando-se em defesa dos militares e de
todas as suas ações, mesmo as desumanas, desde que praticadas
contra os "terroristas" de esquerda.
Como
consequência direta do maniqueísmo presente nos dois discursos antagônicos, inevitavelmente
surgem nas discussões comparações entre as ações de Che Guevara,
Fidel Castro, Hitler, Mussolini, Bush pai, Bush Filho, Obama e por aí
vai. E toma de acusar quem matou mais, de defender quem matou menos,
de categorizar o socialismo como terrível, de que o capitalismo é
pior, etc e etc...
Meu
posicionamento político deve ser enquadrado como de esquerda, que
entendo como aquele mais preocupado com o crescimento da justiça
social e com a derrubada do abismo da desigualdade do que com o
crescimento do PIB. Contudo, não comungo da opinião da esquerda
revolucionária, que acredita na tomada do poder pelo povo através
de movimentos de violência.
Creio
que as conquistas sociais necessariamente devem vir a reboque do
esforço político e através do exercício pleno da democracia.
Acredito que Marx estava absolutamente correto em seu exercício de
futurologia sobre o capitalismo, mas errou no método revolucionário
vislumbrado. O comunismo virá exatamente como o próprio Marx previu, ou seja, nascido das
contradições intrínsecas de um processo capitalista plenamente
desenvolvido.
As
nações sociais-democratas europeias são um sinal evidente do
início desse processo, modelo que possivelmente será reproduzido em
todo o mundo. Aparentemente o Brasil enveredou por esse caminho.
É
possível que, em futuro não muito distante, os Estados Unidos,
ainda hesitante, se vergará ao peso das demandas de sua população
e se tornará também uma social-democracia. Quando esse último
bastião capitalista cair, o regime alcunhado de terceira via se
manterá por muito tempo, durante o qual os conglomerados serão
forçados a ceder cada vez mais e mais em benefício da sociedade,
até o final inevitável: o comunismo, que chegará lenta e furtivamente, de forma indolor.
Porém,
esteja a pessoa em qualquer posição no espectro político, não é
possível compactuar com qualquer ação que se enquadre no tipo
"banalização do mal". A humanidade se encontra num
estágio civilizatório simplesmente incompatível com a prevalência
da barbárie sobre a racionalidade ou de qualquer processo no qual a
maldade se imponha aos princípios do bem e da bondade.
É
fato de que, numa guerra, as mortes são inevitáveis, mas, antes de
tudo, é também um fato que as guerras são, elas próprias, evitáveis, pois
decorrem da vontade humana. Ainda que se possa dizer que, ao menos
para um dos lados, a guerra não possa ser impedida - dado ser possível um ataque injusto que imponha defesa -, a circunstância
de se encontrar em estado de guerra não justifica a morte de inocentes, nem mesmo
quando os inocentes estão fardados.
Um
país ter sua soberania violada ao ser invadido por estado
estrangeiro, sob a acusação de que seu governante é um criminoso,
não está à altura de uma civilização que já instituiu tribunais
internacionais justamente para evitar conflitos armados, evitando
guerras que sempre causarão sofrimento, morte de inocentes,
destruição, miséria.
Da
mesma forma, não há motivo de segurança pública que justifique um
suspeito de crime ser assassinado pela polícia ou linchado pela
população.
O
fato da sociedade humana instituir leis, de âmbito nacional ou
internacional, como meio de regular o comportamento social, é precisamente o que
a torna distinta dos demais agrupamentos animais. Nesse sentido, as leis devem ser observadas, principalmente pelos governantes.
Mesmo
que se presuma que os militares brasileiros tiveram bons propósitos
ao tomar o poder em 1964, destituindo um presidente eleito pelo povo e
instaurando a ditadura, o fato é que o golpe de estado feriu o
ordenamento legal brasileiro.
Além
disso, torturas e assassinatos não se justificam jamais, mesmo para aqueles que consideram que os guerrilheiros brasileiros se colocaram em situação
ilegal ao lutar contra a ditadura em sua pretensão de restaurar a
democracia.
O
dever dos generais, naquele momento, era o de prender e julgar, não
torturar e matar.
Por
outro lado, é legítimo um povo, ou parte dele, lutar contra um
exército ilegal e usurpador, nacional ou estrangeiro, opinião
praticamente unânime entre alguns dos pensadores
mais respeitados do mundo, inclusive muitos juristas. Contudo, ainda que a resistência seja
legítima, os guerrilheiros resistentes devem tentar ao máximo capturar os
soldados da força armada ilegal, não matá-los.
Somente
um enfrentamento direto, sem rendição, justificaria a morte de lado
a lado.
Não
é adequada, nem civilizada, a comparação entre os piores tiranos
ou ditadores de esquerda ou de direita, quem matou mais, quem
torturou mais. Todas as personalidades históricas que agiram contra
aquilo que a humanidade classifica como bondade estão errados, seja
Che Guevara, Bush, Hitler, Mahatma Ghandi ou qualquer outra.
Nada,
absolutamente nada, nenhuma ideologia, nenhuma filosofia, nenhum sentido de dever religioso, pode ser utilizado como justificativa para o uso da tortura e do assassinato
premeditado.
Pensar
o contrário, é defender o retorno ao estado da natureza, à
selvageria e à desumanidade.
É
comportamento típico de animais irracionais, não do ser humano.
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