domingo, 13 de abril de 2014

O mensalão e a Corte Interamericana de Direitos Humanos


Noticiou-se essa semana que os ex-ministros da Justiça Márcio Thomaz Bastos e José Carlos Dias denunciaram o Estado brasileiro e o Supremo Tribunal Federal (STF) na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em Washington, em virtude do processo do mensalão, que resultou nas condenações de seus clientes.
Além deles, que representam três dos condenados, o advogado de José Dirceu já adiantou que irá participar da denúncia.
Por fim, está absolutamente claro que o Henrique Pizzolato, além de expor o judiciário brasileiro nas cortes italianas, certamente irá também recorrer à CIDH.
A denúncia do mensalão, sustentada pela Procuradoria Geral da República e defendida pelo Relator Joaquim Barbosa, funda-se primacialmente em quatro pernas, que são:

a) houve um desvio de dinheiro público, a partir do Banco do Brasil, no valor de R$ 73.851.356,00, que estavam creditados no Fundo de Incentivo Visanet. Esse fundo e essa importância foram considerados patrimônio público.
b) o desvio teria sido proporcionado pela atuação do diretor de marketing do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato, que o teria autorizado.
c) o beneficiário original teria sido a empresa DNA Propaganda, do empresário Marcos Valério, que seria o gestor da divisão do “butim” entre parlamentares e outros agentes políticos.
d) a corrupção estaria evidenciada pelos supostos saques “comprovados” nos autos e pela circunstância de ter sido “demonstrado” que a DNA Propaganda de fato não havia prestado os serviços de publicidade em favor dos cartões de crédito Visa.
Entretanto, os advogados dos réus insistem que há provas cabais nos autos que demonstram a total falta de fundamento na alegação de que o dinheiro do Visanet é público, provas que teriam sido desconsideradas pelos ministros condenadores.
Além disso, existiriam dois problemas de procedimento: a relatoria do processo ter permanecido com Joaquim Barbosa, que dirigiu a fase de investigação (conduzida pela Procuradoria Geral da República), e a não concessão aos condenados do direito ao duplo grau de jurisdição.
É preciso ressaltar, porém, que os advogados dos réus não se entricheiraram na repetição de meras alegações, tentando materializar a máxima de que uma mentira dita mil vezes torna-se verdade. Seus argumentos são reforçados pela publicação, na internet, quase diariamente, de cópia de documentos dos autos que demonstram suas alegações, inclusive laudos técnicos produzidos pela Polícia Federal e pelo Tribunal de Contas da União que constaram dos autos e foram desconsiderados.
Advogados que são dão ao trabalho de examinar esses documentos se convencem da ausência de prova da culpabilidade. Tais pareceres técnicos e documentos demonstrariam o que os documentos comprovam: que o dinheiro do Fundo Visanet, supostamente desviado, na verdade foi parar nos cofres desses grandes organismos de comunicações.
Isso contudo não é divulgado pela grande mídia.
Para quem deseja maiores detalhes, mesmo com um pouquinho de trabalho, leia aqui: http://www.viomundo.com.br/denuncias/regulamento-do-fundo-visanet-inocentaria-henrique-pizzolato.html.
Existem outras fontes, basta procurar na internet.
A situação paradoxal engendrada pelo julgamento do mensalão acabou por criar um impasse para o Banco do Brasil: como recuperar um dinheiro judicialmente declarado desviado de seus cofres, mas que, todavia, não lhe pertence e que, ademais, foi destinado ao pagamento da publicidade dos cartões Visa?
Ao seguir a trilha do dinheiro, chegar-se-ia inevitavelmente, por exemplo, ao maior beneficiário, a Rede Globo, contratada para divulgar as publicidades, ou, ainda, à Editora Abril, dentre outras empresas legítimas.
Como recuperar esse dinheiro, se a publicidade foi efetivamente produzida e o desvio foi imaginado pelo Supremo?
Para saber mais sobre esse dilema, leia aqui: http://jornalggn.com.br/noticia/o-stf-e-o-dinheiro-da-visanet.
Há, ainda, o escabroso caso de José Dirceu. Quem tem algum conhecimento sobre o julgamento, sabe que ele foi condenado sem prova nos autos, a partir da chamada teoria do domínio do fato. Segundo a denúncia, a quadrilha era formada por membros do PT (inclusive o Pizzolato), de modo que Dirceu, a figura mais poderosa do partido e do governo, com exceção de Lula, não poderia desconhecer o que estava ocorrendo.
Sobre a teoria do domínio do fato, importante transcrever as palavras de Leonardo Boff:
Claus Roxin, jurista alemão que se aprofundou nesta teoria, em entrevista à FSP de 11/11/2012 alertou para o erro de o STF te-la aplicado sem amparo em provas. De forma displicente, a Ministra Rosa Weber disse em seu voto:”Não tenho prova cabal contra Dirceu – mas vou condená-lo porque a literatura jurídica me permite”. Qual literatura jurídica? A dos nazistas ou do notável jurista do nazismo Carl Schmitt? Pode uma juiza do Supremo Tribunal Federal se permitir tal leviandade ético-jurídica?”
Aparentemente a literatura jurídica permite a condenação de uma pessoa sem provas, segundo o entendimento de uma ministra de nossa Suprema Corte. É o fim do mundo! Aliás, acima de Dirceu havia Lula. A seguir esse raciocínio tortuoso e equivocado, Lula deveria ter sido julgado e condenado.
O problema gerado se agrava porque o crime de formação de quadrilha foi descaracterizado pelo Supremo no julgamento dos embargos infringentes. Então, a situação processual ficou assim: José Dirceu foi condenado sem provas, por ser chefe de uma quadrilha que não existe, mas a literatura jurídica permite a condenação.
Mesmo um jurista que é considerado como integrante da direita conservadora, como o advogado Ives Gandra, não concorda com a aplicação dessa esdrúxula teoria e a consequente condenação de José Dirceu. Segundo entrevista concedida ao jornal Folha de S.Paulo, ele teve acesso aos autos, leu todo o processo da Ação Penal 470 e afirma não possuir dúvidas de que não há provas contra José Dirceu (leia aqui: http://www.revistaforum.com.br/blog/2013/09/ives-gandra-jose-dirceu-foi-condenado-sem-provas/).
O próprio criador da teoria do domínio de fato, o jurista alemão Claus Roxin, tomou conhecimento do julgamento da AP 470 e declarou que sua teoria foi utilizada de forma equivocada pelo Joaquim Barbosa e ps demais ministros do STF que o acompanharam (leia aqui: http://www.pragmatismopolitico.com.br/2012/11/criador-da-teoria-dominio-fato-repreende-ministros-stf-por-mau-uso.html)
O caso de José Genoíno parece ainda mais surreal. Genoíno é um dos poucos políticos brasileiros presos por corrupção e que é comprovadamente pobre após mais de quarenta anos de política. Por mais que revirem sua vida, somente encontram como patrimônio um sobrado modesto em Butantã, São Paulo, que foi adquirido décadas antes da suposta corrupção do mensalão e cujo valor sequer seria suficiente para pagar a multa imposta pelo STF.
Entretanto, foi ele condenado por ter assinado repetidos contratos de empréstimo como presidente do PT, no valor total de R$ 58.000.000,00. Percebam: ele não foi condenado por ter desviado dinheiro ou algo assim, mas por ter assinado os contratos tidos por fraudulentos.
Também aqui a condenação possui uma grave controvérsia: estes empréstimos constavam da contabilidade do partido e foram aprovados no TSE com a participação dos ministros Marco Aurélio Mello, Cármen Lúcia e Dias Toffoli, que também participaram do julgamento do mensalão e condenaram Genoíno. Tratam-se de empréstimos bancários que, inclusive, foram objeto de ação de cobrança judicial, tendo a dívida sido parcelada e quitada. (leia mais aqui: http://www.cartacapital.com.br/revista/748/reavaliacoes-do-201cmensalao201d)
Prisão política? Prisão por dívida? Sabe-se lá.
Quanto a Henrique Pizzolato, foi condenado porque seria o diretor do Banco do Brasil que comandava o desvio do dinheiro público do Fundo Visanet. Afora o fato de que o enquadramento do Visanet como fundo público está errado, o caso dele difere completamente da situação vivenciada por José Dirceu e por José Genoíno, contra os quais não havia prova de culpa.
No processo contra Pizzolato existiam provas... de inocência. Isso porque o “desvio”, segundo a denúncia, teria ocorrido através de quatro “saques”, vamos chamar assim, realizados através de quatro notas, nenhuma delas assinada pelo Pizzolato, mas por outros diretores do Banco do Brasil, mais precisamente por Leo Batista de Oliveira, que assinou duas notas, e por Douglas Macedo, que assinou as outras duas. Esses diretores nem foram considerados na ação penal.
Aparentemente, o julgamento da AP 470 pela Corte Interamericana possui todos os ingredientes para se tornar um pesadelo para o Supremo Tribunal Federal quando lá forem iniciados os trabalhos de revisão do mensalão, não tanto pela quase certa sentença condenatória daquela corte, mas pela própria dinâmica do julgamento, que permitirá a ampla exposição de provas pelos prejudicados, tanto para o mercado interno brasileiro, como para o externo. As mesmas provas que constam do processo do Supremo.
Se isso ocorrer, os ministros que condenaram ficarão, no mínimo, constrangidos pela exposição, ou de sua imensa fragilidade técnica, ou de sua pusilanimidade, ou de sua má-fé.
O impacto, óbvio, será diminuído internamente pela inapetência da grande mídia em expor os ministros, inclusive porque, como principal insufladora do julgamento açodado e linchatório, ela própria se veria exposta, com perda de credibilidade e enfraquecimento no combate feroz que trava contra o PT.
No exterior, todavia, é possível que os convites para palestras sejam reduzidos significativamente, assim como os títulos honoríficos. Compor alguma corte internacional? Certamente essa esperança os ministros já não nutrem há muito tempo.
Quanto à biografia... Com tantos interesses em jogo, quem se interessa pela leitura futura que farão de suas biografias? Quando o relato histórico prevalecer, possivelmente já estarão todos mortos. Assim, parece irrelevante que, mais adiante, alguns estudantes souberem que um tal Joaquim Barbosa, primeiro negro a ocupar uma cadeira no STF, manteve indefinidamente em prisão fechada um condenado com direito à prisão semi-aberta, baseado no grave fato de uma manchete de jornal ter afirmado que o condenado utilizou um celular. Ou que, por conta dessa nota de jornal, autorizou-se a quebra do sigilo telefônico de metade da capital brasileira simplesmente para saber se a manchete era verdadeira, pouco importante que essa quebra de sigilo incluiu até o Palácio do Planalto. Afinal, devem pensar, presidentes de republiquetas não possuem direito a segurança especial. Isso é coisa para presidentes americanos e toda sua imensa responsabilidade, não para banais presidentes brasileiros.
O problema da despreocupação com a biografia é que, às vezes, essas manchas alcançam as pessoas em vida. Pode ser que esse caso venha a se tornar uma dessas ocasiões especiais.
Num exercício de futurologia, é possível imaginar um cenário no qual a Corte Interamericana de Direitos Humanos irá declarar que os condenados do mensalão possuem direito ao duplo grau de jurisdição. Como não há órgão superior ao Supremo Tribunal Federal, a CIDH poderá determinar uma mudança no regimento do Supremo com a finalidade de determinar que seus julgamentos penais originários sejam realizados por um órgão fracionário, com direito a recurso para o Pleno. A Corte anulará o julgamento e determinará um novo julgamento com a garantia do duplo grau. Nesse novo julgamento, a nova composição do Supremo irá constatar que as empresas de mídia, principalmente a Rede Globo, de fato receberam os valores relativos à publicidade (segundo opiniões abalizadas, isso está absolutamente comprovado nos autos e os ministros que votaram pela condenação ou simplesmente ignoraram, ou foram induzidos a crer na inexistência da prova pelo Relator). Também irá ser demonstrado que o Fundo Visanet, cujos recusos são provenientes da maior rede de cartões de crédito do mundo, a rede Visa, são privados.
Nesse cenário, num novo julgamento os chamados “mensaleiros” seriam inocentados e, posteriormente, receberiam uma gorda indenização, pois foram presos por arbitrariedade do Estado.
Em suma, é possível que, no futuro, os contribuintes sejam chamados a pagar pela falta de zelo ou avidez vingativa dos ministros do STF que condenaram essas pessoas.
Sem falar na possibilidade, que não pode ser descartada totalmente, de existência de má-fé da Procuradoria Geral da República e do próprio ministro Joaquim Barbosa na condução do processo de convencimento dos demais ministros do Supremo.
E, ainda no espírito das profecias desejadas, é bastante provável que José Dirceu, se conseguir manter sua sanidade e a saúde depois desse pesadelo, venha a ser eleito presidente do Brasil.
Claro, são meros palpites. Daqui dez anos veremos.
Para quem saber um pouco sobre a atuação da CIDH, leia uma interessante entrevista com um especialista no assunto, o advogado Luiz Flávio Gomes, aqui: http://www.viomundo.com.br/entrevistas/luiz-flavio-gomes.html

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