Noticiou-se
essa semana que os ex-ministros da Justiça Márcio Thomaz Bastos e
José Carlos Dias denunciaram o Estado brasileiro e o Supremo
Tribunal Federal (STF) na Comissão Interamericana de Direitos
Humanos, em Washington, em virtude do processo do mensalão, que
resultou nas condenações de seus clientes.
Além
deles, que representam três dos condenados, o advogado de José
Dirceu já adiantou que irá participar da denúncia.
Por
fim, está absolutamente claro que o Henrique Pizzolato, além de
expor o judiciário brasileiro nas cortes italianas, certamente irá
também recorrer à CIDH.
A
denúncia do mensalão, sustentada pela Procuradoria Geral da
República e defendida pelo Relator Joaquim Barbosa, funda-se
primacialmente em quatro pernas, que são:
a) houve um desvio de
dinheiro público, a partir do Banco do Brasil, no valor de R$
73.851.356,00, que estavam creditados no Fundo de Incentivo Visanet.
Esse fundo e essa importância foram considerados patrimônio
público.
b) o desvio teria sido
proporcionado pela atuação do diretor de marketing do Banco do
Brasil, Henrique Pizzolato, que o teria autorizado.
c) o beneficiário
original teria sido a empresa DNA Propaganda, do empresário Marcos
Valério, que seria o gestor da divisão do “butim” entre
parlamentares e outros agentes políticos.
d) a corrupção
estaria evidenciada pelos supostos saques “comprovados” nos autos
e pela circunstância de ter sido “demonstrado” que a DNA
Propaganda de fato não havia prestado os serviços de publicidade em
favor dos cartões de crédito Visa.
Entretanto,
os advogados dos réus insistem que há provas cabais nos autos que
demonstram a total falta de fundamento na alegação de que o
dinheiro do Visanet é público, provas que teriam sido
desconsideradas pelos ministros condenadores.
Além
disso, existiriam dois problemas de procedimento: a relatoria do
processo ter permanecido com Joaquim Barbosa, que dirigiu a fase de
investigação (conduzida pela Procuradoria Geral da República), e a
não concessão aos condenados do direito ao duplo grau de
jurisdição.
É
preciso ressaltar, porém, que os advogados dos réus não se
entricheiraram na repetição de meras alegações, tentando
materializar a máxima de que uma mentira dita mil vezes torna-se
verdade. Seus argumentos são reforçados pela publicação, na
internet, quase diariamente, de cópia de documentos dos autos que
demonstram suas alegações, inclusive laudos técnicos produzidos
pela Polícia Federal e pelo Tribunal de Contas da União que
constaram dos autos e foram desconsiderados.
Advogados
que são dão ao trabalho de examinar esses documentos se convencem
da ausência de prova da culpabilidade. Tais pareceres técnicos e
documentos demonstrariam o que os documentos comprovam: que o
dinheiro do Fundo Visanet, supostamente desviado, na verdade foi
parar nos cofres desses grandes organismos de comunicações.
Isso
contudo não é divulgado pela grande mídia.
Para
quem deseja maiores detalhes, mesmo com um pouquinho de trabalho,
leia aqui:
http://www.viomundo.com.br/denuncias/regulamento-do-fundo-visanet-inocentaria-henrique-pizzolato.html.
Existem
outras fontes, basta procurar na internet.
A
situação paradoxal engendrada pelo julgamento do mensalão acabou
por criar um impasse para o Banco do Brasil: como recuperar um
dinheiro judicialmente declarado desviado de seus cofres, mas que,
todavia, não lhe pertence e que, ademais, foi destinado ao pagamento
da publicidade dos cartões Visa?
Ao
seguir a trilha do dinheiro, chegar-se-ia inevitavelmente, por
exemplo, ao maior beneficiário, a Rede Globo, contratada para
divulgar as publicidades, ou, ainda, à Editora Abril, dentre outras
empresas legítimas.
Como
recuperar esse dinheiro, se a publicidade foi efetivamente produzida
e o desvio foi imaginado pelo Supremo?
Para
saber mais sobre esse dilema, leia aqui:
http://jornalggn.com.br/noticia/o-stf-e-o-dinheiro-da-visanet.
Há,
ainda, o escabroso caso de José Dirceu. Quem tem algum conhecimento
sobre o julgamento, sabe que ele foi condenado sem prova nos autos, a
partir da chamada teoria do domínio do fato. Segundo a denúncia, a
quadrilha era formada por membros do PT (inclusive o Pizzolato), de
modo que Dirceu, a figura mais poderosa do partido e do governo, com
exceção de Lula, não poderia desconhecer o que estava ocorrendo.
Sobre
a teoria do domínio do fato, importante transcrever as palavras de
Leonardo Boff:
“Claus Roxin, jurista
alemão que se aprofundou nesta teoria, em entrevista à FSP de
11/11/2012 alertou para o erro de o STF te-la aplicado sem amparo em
provas. De forma displicente, a Ministra Rosa Weber disse em seu
voto:”Não tenho prova cabal contra Dirceu – mas vou condená-lo
porque a literatura jurídica me permite”. Qual literatura
jurídica? A dos nazistas ou do notável jurista do nazismo Carl
Schmitt? Pode uma juiza do Supremo Tribunal Federal se permitir tal
leviandade ético-jurídica?”
Aparentemente
a literatura jurídica permite a condenação de uma pessoa sem
provas, segundo o entendimento de uma ministra de nossa Suprema
Corte. É o fim do mundo! Aliás, acima de Dirceu havia Lula. A
seguir esse raciocínio tortuoso e equivocado, Lula deveria ter sido
julgado e condenado.
O
problema gerado se agrava porque o crime de formação de quadrilha
foi descaracterizado pelo Supremo no julgamento dos embargos
infringentes. Então, a situação processual ficou assim: José
Dirceu foi condenado sem provas, por ser chefe de uma quadrilha que
não existe, mas a literatura jurídica permite a condenação.
Mesmo
um jurista que é considerado como integrante da direita
conservadora, como o advogado Ives Gandra, não concorda com a
aplicação dessa esdrúxula teoria e a consequente condenação de
José Dirceu. Segundo entrevista concedida ao jornal Folha de
S.Paulo, ele teve acesso aos autos, leu todo o processo da Ação
Penal 470 e afirma não possuir dúvidas de que não há provas
contra José Dirceu (leia aqui:
http://www.revistaforum.com.br/blog/2013/09/ives-gandra-jose-dirceu-foi-condenado-sem-provas/).
O
próprio criador da teoria do domínio de fato, o jurista alemão
Claus Roxin, tomou conhecimento do julgamento da AP 470 e declarou
que sua teoria foi utilizada de forma equivocada pelo Joaquim Barbosa
e ps demais ministros do STF que o acompanharam (leia aqui:
http://www.pragmatismopolitico.com.br/2012/11/criador-da-teoria-dominio-fato-repreende-ministros-stf-por-mau-uso.html)
O
caso de José Genoíno parece ainda mais surreal. Genoíno é um dos
poucos políticos brasileiros presos por corrupção e que é
comprovadamente pobre após mais de quarenta anos de política. Por
mais que revirem sua vida, somente encontram como patrimônio um
sobrado modesto em Butantã, São Paulo, que foi adquirido décadas
antes da suposta corrupção do mensalão e cujo valor sequer seria
suficiente para pagar a multa imposta pelo STF.
Entretanto,
foi ele condenado por ter assinado repetidos contratos de empréstimo
como presidente do PT, no valor total de R$ 58.000.000,00. Percebam:
ele não foi condenado por ter desviado dinheiro ou algo assim, mas
por ter assinado os contratos tidos por fraudulentos.
Também
aqui a condenação possui uma grave controvérsia: estes empréstimos
constavam da contabilidade do partido e foram aprovados no TSE com a
participação dos ministros Marco Aurélio Mello, Cármen Lúcia e
Dias Toffoli, que também participaram do julgamento do mensalão e
condenaram Genoíno. Tratam-se de empréstimos bancários que,
inclusive, foram objeto de ação de cobrança judicial, tendo a
dívida sido parcelada e quitada. (leia mais aqui:
http://www.cartacapital.com.br/revista/748/reavaliacoes-do-201cmensalao201d)
Prisão
política? Prisão por dívida? Sabe-se lá.
Quanto
a Henrique Pizzolato, foi condenado porque seria o diretor do Banco
do Brasil que comandava o desvio do dinheiro público do Fundo
Visanet. Afora o fato de que o enquadramento do Visanet como fundo
público está errado, o caso dele difere completamente da situação
vivenciada por José Dirceu e por José Genoíno, contra os quais não
havia prova de culpa.
No
processo contra Pizzolato existiam provas... de inocência. Isso
porque o “desvio”, segundo a denúncia, teria ocorrido através
de quatro “saques”, vamos chamar assim, realizados através de
quatro notas, nenhuma delas assinada pelo Pizzolato, mas por outros
diretores do Banco do Brasil, mais precisamente por Leo Batista de
Oliveira, que assinou duas notas, e por Douglas Macedo, que assinou
as outras duas. Esses diretores nem foram considerados na ação
penal.
Aparentemente,
o julgamento da AP 470 pela Corte Interamericana possui todos os
ingredientes para se tornar um pesadelo para o Supremo Tribunal
Federal quando lá forem iniciados os trabalhos de revisão do
mensalão, não tanto pela quase certa sentença condenatória
daquela corte, mas pela própria dinâmica do julgamento, que
permitirá a ampla exposição de provas pelos prejudicados, tanto
para o mercado interno brasileiro, como para o externo. As mesmas
provas que constam do processo do Supremo.
Se
isso ocorrer, os ministros que condenaram ficarão, no mínimo,
constrangidos pela exposição, ou de sua imensa fragilidade técnica,
ou de sua pusilanimidade, ou de sua má-fé.
O
impacto, óbvio, será diminuído internamente pela inapetência da
grande mídia em expor os ministros, inclusive porque, como principal
insufladora do julgamento açodado e linchatório, ela própria se
veria exposta, com perda de credibilidade e enfraquecimento no
combate feroz que trava contra o PT.
No
exterior, todavia, é possível que os convites para palestras sejam
reduzidos significativamente, assim como os títulos honoríficos.
Compor alguma corte internacional? Certamente essa esperança os
ministros já não nutrem há muito tempo.
Quanto
à biografia... Com tantos interesses em jogo, quem se interessa pela
leitura futura que farão de suas biografias? Quando o relato
histórico prevalecer, possivelmente já estarão todos mortos.
Assim, parece irrelevante que, mais adiante, alguns estudantes
souberem que um tal Joaquim Barbosa, primeiro negro a ocupar uma
cadeira no STF, manteve indefinidamente em prisão fechada um
condenado com direito à prisão semi-aberta, baseado no grave fato
de uma manchete de jornal ter afirmado que o condenado utilizou um
celular. Ou que, por conta dessa nota de jornal, autorizou-se a
quebra do sigilo telefônico de metade da capital brasileira
simplesmente para saber se a manchete era verdadeira, pouco
importante que essa quebra de sigilo incluiu até o Palácio do
Planalto. Afinal, devem pensar, presidentes de republiquetas não
possuem direito a segurança especial. Isso é coisa para presidentes
americanos e toda sua imensa responsabilidade, não para banais
presidentes brasileiros.
O
problema da despreocupação com a biografia é que, às vezes, essas
manchas alcançam as pessoas em vida. Pode ser que esse caso venha a
se tornar uma dessas ocasiões especiais.
Num
exercício de futurologia, é possível imaginar um cenário no qual
a Corte Interamericana de Direitos Humanos irá declarar que os
condenados do mensalão possuem direito ao duplo grau de jurisdição.
Como não há órgão superior ao Supremo Tribunal Federal, a CIDH
poderá determinar uma mudança no regimento do Supremo com a
finalidade de determinar que seus julgamentos penais originários
sejam realizados por um órgão fracionário, com direito a recurso
para o Pleno. A Corte anulará o julgamento e determinará um novo
julgamento com a garantia do duplo grau. Nesse novo julgamento, a
nova composição do Supremo irá constatar que as empresas de mídia,
principalmente a Rede Globo, de fato receberam os valores relativos à
publicidade (segundo opiniões abalizadas, isso está absolutamente
comprovado nos autos e os ministros que votaram pela condenação ou
simplesmente ignoraram, ou foram induzidos a crer na inexistência da
prova pelo Relator). Também irá ser demonstrado que o Fundo
Visanet, cujos recusos são provenientes da maior rede de cartões de
crédito do mundo, a rede Visa, são privados.
Nesse
cenário, num novo julgamento os chamados “mensaleiros” seriam
inocentados e, posteriormente, receberiam uma gorda indenização,
pois foram presos por arbitrariedade do Estado.
Em
suma, é possível que, no futuro, os contribuintes sejam chamados a
pagar pela falta de zelo ou avidez vingativa dos ministros do STF que
condenaram essas pessoas.
Sem
falar na possibilidade, que não pode ser descartada totalmente, de
existência de má-fé da Procuradoria Geral da República e do
próprio ministro Joaquim Barbosa na condução do processo de
convencimento dos demais ministros do Supremo.
E,
ainda no espírito das profecias desejadas, é bastante provável que
José Dirceu, se conseguir manter sua sanidade e a saúde depois
desse pesadelo, venha a ser eleito presidente do Brasil.
Claro,
são meros palpites. Daqui dez anos veremos.
Para
quem saber um pouco sobre a atuação da CIDH, leia uma interessante
entrevista com um especialista no assunto, o advogado Luiz Flávio
Gomes, aqui:
http://www.viomundo.com.br/entrevistas/luiz-flavio-gomes.html
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