quinta-feira, 24 de julho de 2014

Humano e desejante




Gosto de ser humano porque aprecio ser um ser desejante e consciente. Gosto de ter ciência de que sou um ser desejante e isso a consciência me dá.
O Deus judaico-cristão é consciente, mas nada deseja porque é perfeito. A perfeição anda longe da necessidade. A ataraxia da satisfação plena assusta-me porque não entendo uma razão de viver sem objetivos e, ainda por cima, consciente da eternidade dessa desnecessidade.
Deus!, como deve ser monótono ser Deus.

Se eu fosse Deus, não tenho dúvidas de que também teria inventado a vida, imperfeita e transitória, apenas para quebrar a rotina tediosa da eternidade, que passaria testemunhando as aflições por mim inventadas.
Mesmo o asceta, que busca o desapego total, aspirando assim aproximar-se da natureza divina, deseja nada desejar enquanto, paradoxalmente, não consegue evitar o desejo pelas coisas de que necessita para viver, uma caverna como abrigo, um gafanhoto como alimento.
Os animais irracionais, imperfeitos, também desejam, porém não sabem que desejam. Sentem meramente a aflição da necessidade a impulsioná-los a obter a coisa desejada.
A ignorância plena é uma dádiva e também uma maldição. Se não tenho consciência, melhor seria ser uma rocha, imune às dores da existência.
Sofro, logo existo, devia ter dito Descartes. Preciso, logo existo também seria uma opção interessante ao cogito cartesiano, porque precisar e sofrer são verbos irmãos. Somente sofre quem precisa.
Desejar é o gênero de todas as espécies de verbos. Amar, odiar, dar e roubar, todos são verbos que contêm, em sua gênese, uma vontade, um desejo.
O desejo é um problema para os estoicos, que buscam libertar-se das emoções e das paixões, mas também para os epicuristas, que pretendem a satisfação dos desejos possíveis e moderados.
O desejo é sempre um problema, porque a vida é um problema a ser equacionado durante o tempo mesmo da existência. Viver é um arranjo entre problemas a serem superados.
Superação nada mais significa do que satisfação de um desejo.
O desejo tanto pode atender à carne, como satisfazer a alma. Se o desejo da carne é sobrevivência, o da alma é essência. A prevalência de um sobre o outro é mediada pelo temor. O mais raro e sublime desejo é amar, o mais baixo e comum é ser amado.
Desejar amar é despojamento, desejar ser amado é egolatria.

Bons ou ruins, os desejos nos definem como humanos.

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