Gosto
de ser humano porque aprecio ser um ser desejante e consciente. Gosto
de ter ciência de que sou um ser desejante e isso a consciência me
dá.
O
Deus judaico-cristão é consciente, mas nada deseja porque é
perfeito. A perfeição anda longe da necessidade. A ataraxia da
satisfação plena assusta-me porque não entendo uma razão de viver
sem objetivos e, ainda por cima, consciente da eternidade dessa
desnecessidade.
Deus!,
como deve ser monótono ser Deus.
Se
eu fosse Deus, não tenho dúvidas de que também teria inventado a
vida, imperfeita e transitória, apenas para quebrar a rotina tediosa
da eternidade, que passaria testemunhando as aflições por mim
inventadas.
Mesmo
o asceta, que busca o desapego total, aspirando assim aproximar-se da
natureza divina, deseja nada desejar enquanto, paradoxalmente, não
consegue evitar o desejo pelas coisas de que necessita para viver,
uma caverna como abrigo, um gafanhoto como alimento.
Os
animais irracionais, imperfeitos, também desejam, porém não sabem
que desejam. Sentem meramente a aflição da necessidade a
impulsioná-los a obter a coisa desejada.
A
ignorância plena é uma dádiva e também uma maldição. Se não
tenho consciência, melhor seria ser uma rocha, imune às dores da
existência.
Sofro,
logo existo, devia ter dito Descartes. Preciso, logo existo também
seria uma opção interessante ao cogito cartesiano, porque precisar
e sofrer são verbos irmãos. Somente sofre quem precisa.
Desejar
é o gênero de todas as espécies de verbos. Amar, odiar, dar e
roubar, todos são verbos que contêm, em sua gênese, uma vontade,
um desejo.
O
desejo é um problema para os estoicos, que buscam libertar-se das
emoções e das paixões, mas também para os epicuristas, que
pretendem a satisfação dos desejos possíveis e moderados.
O
desejo é sempre um problema, porque a vida é um problema a ser
equacionado durante o tempo mesmo da existência. Viver é um arranjo
entre problemas a serem superados.
Superação
nada mais significa do que satisfação de um desejo.
O
desejo tanto pode atender à carne, como satisfazer a alma. Se o
desejo da carne é sobrevivência, o da alma é essência. A
prevalência de um sobre o outro é mediada pelo temor. O mais raro e
sublime desejo é amar, o mais baixo e comum é ser amado.
Desejar
amar é despojamento, desejar ser amado é egolatria.
Bons
ou ruins, os desejos nos definem como humanos.
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