Essa
ensaio é continuação do anterior, escrito em função de
questionamentos que me foram dirigidos. Eis o link para o primeiro
texto:
http://marciovalley.blogspot.com.br/2014/11/a-obsessao-pelo-crescimento-economico.html.
É
inegável que os crescimentos populacional e econômico foram
imposições da conjuntura existente lá no início dos tempos. A
máxima judaica do "crescei e multiplicai-vos" fazia todo
sentido numa era de alta taxa de mortalidade e baixa expectativa de
vida. E com pouca gente no início da civilização, o impacto da
atuação humana no sistema ecológico não era relevante.
Agora,
porém, no início do século XXI, já estamos pelo menos umas três
bilhões de pessoas após o número recomendável. Alguma solução
há de ser encontrada.
A
devastação dos ecossistemas é inquestionável ante a mera
constatação de que os humanos ocupam, hoje, imensas porções de
terra na forma de cidades e fazendas que antes eram preenchidas por
florestas, cerrados, pântanos e outros biomas. Apenas como exemplo,
a Mata Atlântica possui atualmente cerca de 7% do que já foi um
dia. A destruição de 93% da Mata significa a extinção de centenas
ou milhares de habitats integrados e, consequentemente, de parte
significativa das espécies que dependia da integridade da floresta.
Essa
mesma destruição é verificada em outros tipos de biomas.
Praticamente nada resta das florestas que cobriam os EUA e a Europa
três ou quatro séculos atrás.
Soluções
não são fáceis e nem as tenho para apresentar, mas certamente
passam pela necessidade de uso racional da inteligência humana.
Olhar para um problema crescente e fingir que não existe é um passo
gigantesco em direção à catástrofe. E existem dois grandes nós a
serem desatados pela civilização: a população está grande demais
e a riqueza está concentrada demais.
São
dois gigantescos problemas que exigem um enfrentamento sério, pois
afetam as nossas vidas, no presente, e afetarão as vidas de nossos
filhos e netos, no futuro. Na verdade, ameaçam a própria
viabilidade da existência. Nesse sentido, como todos os demais
problemas da natureza, não tenham dúvidas de que serão resolvidos,
por bem ou por mal. Somos inteligentes e podemos escolher o caminho
da solução mais benéfica. Caso contrário, a natureza resolverá
do seu modo peculiar de pôr fim aos problemas naturais, com muito
fogo, muita água e muito sacrifício de vidas.
A
concentração da riqueza na forma como hoje permitimos, com duas ou
três centenas de famílias sendo proprietária de metade da riqueza,
é responsável pela totalidade da miséria e da violência que
grassam no mundo.
Dado
o tamanho da população, o crescimento econômico ocorre até por
inércia. Se, por hipótese, conseguíssemos reduzir e, depois,
estabilizar a quantidade de pessoas em número razoável, com uma
distribuição mais equitativa da riqueza, o crescimento econômico
perderia o sentido. Num mundo assim, a pressão sobre a ecologia
seria mitigada e as pessoas seriam mais felizes num planeta mais
saudável e numa sociedade mais justa.
Ocorre
que o povo foi ensinado a entender "desenvolvimento humano"
como "potencial de aquisição de objetos". E também que
as coisas "são assim mesmo", como se não houvesse
alternativas viáveis de vida social e econômica. Como diriam os
jovens, "só que não", elas existem e são viáveis.
Embora difícil mudar essa percepção generalizada, não é
impossível.
É
importante lembrar que o fato da dificuldade não implica inutilidade
do sonho como paradigma do futuro. Não podemos abrir mão das
utopias, pois são elas que nos impulsionam para a construção de
uma sociedade melhor. Em outras palavras, quando sonhamos com dez,
dificilmente passaremos de nove, mas quando colocamos a meta em cem,
fica mais fácil atingir vinte. Imagine se não tivéssemos passado
pelo Iluminismo e todos os seus delírios sobre a dignidade do ser
humano, que tipo de sociedade teríamos hoje?
Não
se trata de abdicar de raciocinar com o real, pois qualquer projeção
para o futuro deixa de pensar o real, entendido este como o que
existe concretamente no presente instantâneo. O real do futuro
depende de planejamento e escolha. Se é possível um planejamento
econômico que leve em consideração apenas os dados do passado,
dimensão em que aparentemente algumas pessoas apreciam operar, não
vejo porque esse mesmo planejamento não possa ser realizado com
elementos da imaginação inteligente, buscando resultados mais
satisfatórios do que os que nos conta a História. Os cientistas e
os inventores fazem isso o tempo inteiro. Aliás, a ausência de
satisfação com o passado é o fio condutor de todo o avanço
civilizatório. Um macaco acomodado jamais teria saído das cavernas.
Por
outro lado, estimular a solução de conflitos pelo uso da
inteligência racional, sem o manejo da violência que nos
caracterizou até agora, nunca deveria ser considerado um sonho
inalcançável, pelo contrário, deve ser sempre visto como o nosso
destino inexorável, dada a nossa condição de seres com a
consciência em permanente evolução.
Não
se pode negar uma visão mais realista segundo a qual as guerras é
que sempre foram os instrumentos mais eficazes para resolver os
problemas da escassez e da população excessiva. Somente não são,
e nunca serão, o meio mais inteligente e racional. Todavia, um dia,
após a última guerra ser travada, e se a extinção da humanidade
não vier antes, a razão prevalecerá. Nesse dia, num futuro que
reputo não muito distante, virá alguma espécie de acordo global
sobre a economia, uma Ágora internacional que decidirá sobre os
decrescimentos populacional e econômico que são os imperativos de
uma continuidade existencial mais equilibrada e justa.
Não
há solução para o problema da África, por exemplo, que não passe
por um consenso internacional. A redução da concentração da
riqueza é outro desses consensos necessários e ambos podem estar
relacionados. Efetivamente, a "obesidade" da riqueza
poderia ser direcionada para melhorias das condições sociais dos
africanos. Basta lembrar que apenas os valores gastos com as guerras
americanas dos últimos trinta anos, todas fundadas na lógica da
prevalência da propriedade e dos interesses dos proprietários,
resolveria o problema africano não uma, mas várias vezes.
Se
considerarmos impossíveis as soluções de conciliação, seria o
caso de nos indagarmos seriamente sobre o valor da inteligência
humana. Ora, se ela não é capaz de superar a bestialidade que há
dentro de nós e que nos conduz à guerra para resolver conflitos
facilmente contornáveis através do uso da razão, qual é
exatamente sua utilidade? Se fosse assim, não seria mais
"inteligente" vivermos como os macacos Bonobo, ignorantes
sobre as coisas, porém em sintonia com a ecologia e vivendo em
perfeita harmonia social? O objetivo da inteligência humana seria,
então, viver por cem anos engordando e comprando coisas para os
nossos armários?
Estamos
ante uma escolha: vamos resolver as coisas pela inteligência, como
seres humanos, ou pela violência, como os animais irracionais?
No
fundo, Sartre estava certo: vivemos a angústia de nos sabermos
livres para escolher a direção que quisermos, pois temos ciência
de que teremos que suportar os efeitos dessa escolha.
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